19.4.06

O Enigma do Interior das Coisas

O Enigma do Interior das Coisas

Noutro dia, no supermercado, enquanto sacudia um pote de creme de leite (nata fresca) junto ao ouvido, fui interpelado por uma senhora idosa intrigada com a cena: - "o que o senhor espera ouvir daí?". Respondi que gosto da nata quase líquida e que a única forma de identificá-la é pelo som, já que as embalagens são opacas. Ao procurar brócolos, os encontrei numa seção que anunciava a venda de "produtos orgânicos", o que me deixou bem satisfeito, pois não compraria, conscientemente, brócolos inorgânicos. Aliás, fiquei chocado ao constatar que, até aquele dia, eu vinha comprando batatas, cenouras, verduras e uma série de outros produtos não orgânicos. Inorgânicos portanto, já que não existem semi-orgânicos nem, em decorrência, semi-inorgânicos. Como até os materiais plásticos, derivados de subprodutos do petróleo, são compostos de substâncias orgânicas, não consigo imaginar do que é feito um vegetal inorgânico! Fingi não ver o anúncio de "carne orgânica". Como as substâncias orgânicas são compostas por carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, poderiam criar uma etiqueta declarando, orgulhosamente, " CHON Inside®". Pois bem, como não compraria brócolos inorgânico, paguei R$ 5,51 por um pacote de brócolos orgânicos, embalados numa bandeja coberta com filme plástico. Uma vistoria inicial mostrava tratar-se de um belo espécime, sem aqueles tons amarelados, prenúncio do cheiro peculiar (grande eufemismo) produzido pelas crucíferas excessivamente maduras (outro eufemismo). Minha ilusão foi-se com a abertura do invólucro, pela liberação do dito cujo odor e pela constatação de que a parte interna estava podre (sem eufemismo). A bandeja de isopor e a cobertura com filme plástico nos remetem aos morangos e às galinhas. O que tem em comum? A embalagem e o misterioso interior, com certeza. Com exceção dos morangos-de-semáforos, as bandejas apresentam uma camada superior de morangos lindos e maravilhosos cobrindo outros verdes ou demasiadamente maduros (mais eufemismo). As sobre-coxas de galinha, vendidas nas bandejas de isopor, escondem boa quantidade de pele e de gordura, enroladas sob as peças. Pelo menos pararam de vender galinhas mutantes, com 3 pés e 2 cabeças. Só eram boas para sopas.

Diz-se dos aviões e das salsichas que é melhor não saber do que são feitos. Deve ser verdade. Como piloto privado aprendi como os aviões funcionam, o que não aumentou nem um pouco minha confiança neles. Nunca visitei uma fábrica de salsichas. Resta-me assim a confiança cega nelas. Salsichas, a não ser que fiquem verdes, sempre parecem iguais. Com exceção de algumas, geralmente vendidas a granel, aparentam levar papelão de caixas de ovos e serragem na sua composição. Talvez fosse esta aparente igualdade, acrescida de umas doses de álcool, o que nos dava coragem, na juventude, para comer os famosos cachorros-quentes de saída de baile. Não havia melhores!

Vivemos com o enigma do interior das coisas, começando pelo enigma do interior da Terra, explorado por Arne Saknussemm, personagem do clássico de Jules Verne. Vivi o tempo em que as crianças, para alegria do vovô, desmontavam relógios e rádios velhos – para uma criança qualquer coisa com mais de 1 mês é velha - tentando descobrir como funcionavam. Além de não descobrir como, criava-se um novo mistério: como alguém conseguia juntar todas aquelas peças lá dentro? Molas-de-corda dos relógios deveriam ter nascido lá dentro. Impossível colocá-las depois. Descobria-se também, empiricamente, que era conveniente desligar os aparelhos da tomada antes de desmontá-los.

Os fabricantes de produtos de limpeza criaram recentemente o mistério do peso. E uma nova olimpíada de matemática. O desafio consiste em decifrar o preço por quilo de sabão, cujas embalagens são alteradas diariamente. Durante 47 anos compramos sabão em embalagens de 1 kg. Em compensação todo mundo esquecia-se de como fazer mentalmente as operações matemáticas. Com as novas embalagens de 0,6 kg, 0,8 kg, 1,2 kg, 1,6 kg, 1,7 kg, 2,0 kg, 2,2 kg, etc, estamos sempre fazendo cálculos mentais. Cultura de limpeza ou limpeza culta?

Alguns produtos, eletrônicos geralmente, apesar de bem visíveis no interior de embalagens transparentes, oferecem extrema resistência a quem tenta retirá-los. Embalagens de escovas dentais elétricas, por exemplo, desafiam a imaginação do usuário. Aparentemente nenhuma ferramenta foi inventada ainda para abri-las. Tentativas frustradas de abertura, utilizando tesouras, facas, alicates e serras, geralmente não produzem outro resultado senão ferimentos nas mãos daquele ou daquela que tenta, já que tudo parece escorregar naquilo. Um poste coberto com o material daquelas embalagens daria o pau-de-sebo universal, impossível de ser escalado. O sonho de qualquer festeiro de São João, nunca precisaria distribuir prendas. Após anos de experiência, e inúmeras cicatrizes, desenvolvi uma técnica que tem dado bons resultados e poucos ferimentos: inicialmente furo a borda da embalagem utilizando prego e martelo, tomando muito cuidado para que o prego não escorregue. A seguir utilizo uma furadeira elétrica (sem impacto, pelo amor do Deus!) para ampliar o furo, repetindo o processo sucessivamente, com brocas de diâmetros crescentes, até obter um orifício de 10 ou 12 mm aproximadamente. Nesse momento, com uma serra tico-tico, corto o invólucro até a borda, sem maiores riscos. Nunca caia em tentação e tente substituir a serra por uma faca-de-serrinha, do tipo para churrasco! É ferimento na certa! A partir daí a coisa fica simples. Prendo uma das bordas, que se soltou, numa morsa (não meninas, não é um animal) de bancada e rompo a solda do invólucro com uma ferramenta grande, atuando como alavanca. Exige um pouco de força, vale pedir a ajuda de vizinhos ou do zelador, se este não tiver hérnia-de-disco. Quase tão simples como abrir um coco.

Paulo Roberto Heuser

6 Comments:

At quarta-feira, 28 junho, 2006, Anonymous Anônimo said...

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At sexta-feira, 20 novembro, 2009, Anonymous Anônimo said...

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