28.4.11

585 - Peça peixes ao papai



Peça bifes ao papai

Paulo Heuser

Envelheço, sem sombra de dúvida. Sou um dos últimos leitores de jornais impressos. iPad não suja os dedos com tinta. Não que eu goste de sujá-los, é que eu não tenho um iPad. Não posso pagar tudo isso para constatar aliviado que, finalmente, o Pinpoo alça vôo para Guarapari, devidamente chipado. É uma pena, o Rio Grande perde uma das suas maiores personalidades. Restar-nos-á o consolo da visão da sua estátua, erguida ao lado do Laçador, como aquela do cão Balto, no Central Park de Nova York. Balto percorreu 1600 km, sob nevasca, para transportar medicamentos contra difteria e salvou as crianças de Nome, no Alaska, em 1925. E Pinpoo? Bem, Pinpoo fugiu.
Há mais do que Pinpoos no jornal. Os leitores atuais não gostam de palavras, pois elas confundem a visualização das figuras. Fica muito confuso enxergar alguma coisa com todas aquelas letras em carreirinhas para atrapalhar. Uma imagem fala por mil palavras, dizem. Tento me concentrar nas palavras restantes. “O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) costuma lavar peças grandes ou muita roupa protagonizou um novo bate-boca na Câmara nesta quarta-feira, tanto que todas elas têm nota A na classificação energética oficial do Procel ao criticar homossexuais durante uma audiência pública sobre segurança pública. Bolsonaro graças a um avançado sistema de amortecimento que minimiza as chances de barulhos indesejáveis durante o funcionamento atacou o 'kit gay' --vídeos anti-homofobia que o Ministério da Educação estuda distribuir às escolas. Por que eu devo comprar uma lavadora bonita se isso não interfere no funcionamento? O ministro da Justiça, principal convidado da audiência pública, entrou na polêmica mais de uma hora depois. Segundo ele, caso isso ocorra, o sifão poderá dispensar o produto antes do tempo adequado e manchar os tecidos.” Creio que preciso de um iPad, urgente. Ah, percebo – como diria um atendente de telemarketing -, imprimiram uma peça publicitária logo ao lado da coluna de notícias. Lendo assim, de carreirinha, os textos se confundem. No iPad deve ser diferente. Como não o tenho, vai um marca texto. Pinto de verde o que é notícia e de vermelho o que é publicidade. Transformo o jornal no mar vermelho. Vamos às pintas verdes. Essa é nova: cientistas do Fred Hutchinson Cancer Research Center descobrem que dietas ricas em Omega 3 dobram a chance de se desenvolver câncer na próstata. Já os cientistas do Hospital Christie, de Manchester, descobrem que dietas ricas em Omega 3 detêm o desenvolvimento do câncer de próstata. Por sorte, criaram um resumo da notícia para leitura pelos filhos. Assim fica mais simples: se a mamãe comer muito peixe, desenvolverá câncer na próstata. Então, basta que ela coma mais peixe para que o câncer vá embora. Por via das dúvidas, peça bifes ao papai e mantenha-o longe dos peixes.

Marcadores: , , , , , , , ,

6.4.11

584 - Quinhentos degraus


Quinhentos degraus

Paulo Heuser

Nenhum degrau é igual a outro. Uns são mais altos, outros mais curtos. Os quinhentos degraus que levam à torre mais alta do castelo parecem infinitos, impressão reforçada pelo vento gélido da tarde de inverno. Há muito vento, que corta as partes descobertas do rosto. O fôlego se vai, e a respiração se torna cada vez mais audível. A única coisa que conforta é a vista. O degrau 337 rouba o resto do fôlego e cobra uma pausa. A amurada oferece abrigo, apoio e permite pensar no que há, afinal, por trás das guerras. Cristãos e mouros derramaram sangue sobre esses degraus, ora uns, ora outros, desde o século VIII. Fiéis enfrentam os hereges e estes os infiéis, e qualquer combinação disso, o que se repete ao longo dos milênios. O problema seria religioso, portanto. Crentes em deuses distintos, ou no mesmo, com nomes distintos, digladiam-se em nome das religiões. Faria todo o sentido, se não fosse o dinheiro, que pode assumir a forma líqüida.
O mundo ocidental tornou-se cada vez mais dependente do precioso produto cuja produção está na mão de poucos, muito poucos. A religião é apenas a desculpa para as guerras. As nações deixam de exercer o poder e tornam-se apenas fachadas para as corporações que exploram o ouro líqüido. Hoje, o sangue derramado nesses degraus seria outro. A verdadeira guerra se trava nos mercados, e as fronteiras físicas deixaram de ter importância. O cartel patrocina toda espécie de eventos, sejam eles esportivos, culturais ou bélicos. Por que Bismarck adulterou o texto do telegrama de Ems e deu origem à Guerra Franco-Prussiana? Por que Hitler invadiu a Polônia, França, Itália e a Rússia? Voltando no tempo, o que levou às Cruzadas? Por que perseguiram aquele grupo dos treze que partilhavam o pão e o vinho? O líqüido. Ele está por trás de tudo.
Refeito o fôlego, hora de enfrentar os 163 degraus restantes. As guerras de hoje não mancham mais de sangue os degraus das escadas que levam à Torre Real do castelo dos Mouros de Sintra. A luta agora se trava nas terras dos mouros. Afinal, eles afrontam o cartel do ouro líqüido, pois não bebem cerveja.

Marcadores: , , , , , , ,

1.3.11

583 - Excepto Taxi

Foto: Paulo Heuser

Excepto Taxi

Paulo Heuser

Os motoristas portugueses são estranhos. Eles param nas faixas de pedestre e sinalizam para qual lado vão convergir. Mais, não buzinam, exceto quando necessário. Exceto pode ter estranhos significados na terra de Camões, conforme descobri ao apanhar alguém no aeroporto da Portela, em Lisboa. Eu procurava um estacionamento. Logo visualizei a placa característica, com um enorme pê sobre fundo azul. Na mesma placa, uma menor indicava “Excepto Taxi”. Como o meu Skoda não era um taxi, ingressei no estacionamento. Lá dentro havia um mar de taxis amarelos e uns sujeitos nervosos que gesticulavam para que eu saísse imediatamente dali. Foi o que fiz, confuso, em tempo de ouvir um dos sujeitos perguntar da minha ignorância:
- Não sabes ler?
- Não, meu senhor, minha ignorância só não é maior do que a tua grosseria.
Ele pareceu um pouco confuso, mas deu-se por satisfeito, pois voltou a conversar animadamente com os demais motoristas. Encontrei outro estacionamento, adiante, sem exceptos.  Porém, aquele pequeno incidente deixou-me encafifado. Teria eu lido mal? Retornei a pé ao local e constatei que, efetivamente, aquela placa dizia “Excepto Taxi” e que o estacionamento era ocupado apenas por taxis. Mais tarde, encontrei uma placa permitindo estacionamento “Excepto ambulâncias”.  No mesmo dia, topei com o Camões, em pessoa, ou o que restou dela, no Mosteiro dos Jerônimos. Ficamos ali, ele e eu, em constrangedor silêncio. Fiquei tentado a perguntar-lhe da sua opinião sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Contudo, calei-me. Não havia taxi no tempo dele. Troquei excepto por unicamente e me esqueci do assunto, até chegar a Tomar, pequena cidade que abriga o Castelo dos Templários e o Convento de Cristo.
O centro histórico da cidade convidava ao passeio pelas vielas medievais. Como que saídos do nada, surgiam estranhas figuras vestidas em trajes formais de cor preta, cobertos por capas da mesma cor. Alguns homens usavam chapéus de abas largas, e as mulheres trajavam saias e as mesmas capas pretas. Apesar de assustadoras, as indumentárias eram o uniforme dos alunos do Instituto Politécnico de Tomar, a universidade local. Naquele fim de tarde, todas essas figuras entoavam cânticos e dirigiam-se à Praça da República, onde aconteceria a cerimônia de iniciação dos calouros daquela escola superior. Cercados pelas figuras de preto, dezenas de calouros passaram por um ritual que incluiu a pintura com tintas de variadas cores. O espetáculo foi comandado por uma dúzia de veteranos em trajes vermelhos e brancos dos cavaleiros templários da Ordem de Cristo. Assisti à cerimônia de recepção, ainda a ignorar que aquela escola existe há apenas 25 anos. A ritualística remetia a uma presumida tradição medieval, algo como os rituais das capas da Universidade de Coimbra, do Século XVI. Contudo, inesquecíveis foram algumas falas daqueles modernos templários. Dirigindo-se a uma jovem que chorava copiosamente, um disparou:
- Tu,aí, estás a morrer? Se estiveres, vá e morre logo, pois este lugar pertence aos vivos!
A jovem se foi, se morreu, não sei. A próxima frase do novo Hugo de Payens tocou-me especialmente:
- As falas utilizadas nesta cerimônia não são aderentes ao Acordo Ortográfico de 1990. 
Senti imediata empatia com aquele sujeito. Ao cair da noite, começou a cair uma garoa fina. Abri meu chapéu-de-chuva e deixei-me levar pelas húmidas vielas inundadas pela luz amarela dos lampiões. A essas horas, poucos circulavam por ali, excepto as estranhas figuras de capas negras.

Marcadores: , , , , , , , , , , ,

11.2.11

582 - Olga morreu na fila

Adão e Eva de Lucas Cranach

Olga morreu na fila
Paulo Heuser

Olga cumpriu o ritual. Ela nasceu numa casa comum de uma família comum, era mais ou menos honesta, ia à missa de quando em vez, cumprimentava os vizinhos, pagava os impostos e consumia. Fruto da típica família da classe média. O fato é que Olga não cumpria igualmente esses deveres da classe média e dava ênfase ao consumo. Não qualquer consumo, ela consumia avidamente as quinquilharias tecnológicas da moda. As colunas sobre eletrônicos passaram a ser seu habitat. Enquanto os seus amantes sentiam prazer, Olga fingia alcançar o gozo carnal. Ela movimentava-se mecanicamente, enquanto um turbilhão de gigabytes, megapixels e interfaces girava em torno de algum ponto perdido no teto, onde seu olhar se encontrava. Foi bom para ti também? Foi, meu amor, foi – ela mentia. Quando o amante dormia, Olga escorregava dos cetins e entrava madrugada frente ao monitor comprado na semana anterior e deixava-se flutuar pelas páginas das lojas virtuais dos provedores de serviços tecnológicos. Olhava para o seu iMaçã 4® e sentia o prazer sufocado pela crescente noção de perda. Pudera, havia rumores sobre o iminente lançamento do iMaçã 5®. O que faria, até lá? O iMaçã 4® já não lhe dava a mesma satisfação que sentiu até os sete minutos decorridos da sua compra. Deixar-se-ia seduzir por outro gadget qualquer? Não, era uma questão de status. Havia de ser aquele que levava a marca do Pecado Original®. Seria a opção entre o Céu® e o Purgatório®. E pensar que ainda havia gente morrendo na fila à espera desse que lhe escorria pelas mãos em direção ao implacável obsoletismo. O tempo até que não havia sido tão cruel com Olga, pelo menos era o que sugeria a sucessão de candidatos à sua frívola paixão. Olga não se deixava seduzir pelos sussurros e pelos toques sutis. Cedia, por vezes, apenas para saciar alguma necessidade carnal inconsciente. Contudo, o único toque que a levava ao êxtase era o toque daquelas pequenas maravilhas.  
Por fim, Olga morreu na fila de espera pelo iMaçã 5®. Foi o fim de uma vida pontuada por quase êxtases. Sempre quase.

Em tempo, iMaçã 4® e iMaçã 5® são marcas registradas de Maçã Inc, Céu® e Purgatório® são marcas registradas de Deus e Pecado Original® é marca registrada do Demo.


Marcadores: , , , , , ,

2.2.11

581 - A Graça

Foto: Paulo Heuser

A graça
Por Paulo Heuser

Eleutério é um sujeito estranhamente comum. Não é que ele não creia em deuses. Ele não crê nos homens. Assim, não crê nas igrejas feitas pelos homens. Simples assim. Essa descrença, contudo, não o afastou da religião, pelo contrário, levou-o a viver dela. Um descrente com formação em mercado soube como agarrar-se às oportunidades geradas pelas crenças de outrem. Além de crer na descrença, Eleutério crê piamente na preguiça, que seria o quarto pecado capital nas listas do Papa Gregório I e de Tomás de Aquino. A preguiça sempre abriu mercados e, aliada ao telefone, faz milagre econômicos. Ninguém compraria água, em bombonas de 20 litros, se tivesse que carregá-las escada acima. Para isso existem os tele-escravos. Hipoteticamente, águas são apenas águas, H2O e sais minerais, diferindo apenas em função da torneira de onde saíram. Portanto, a escolha por esta ou aquela água tem a ver com o seu preço e com o asseio do motoboy, nessa ordem. Essa mesmice levou o mercado a ansiar por um diferencial. Água com sabor, talvez. A idéia chegou a tentar a criatividade do Eleutério, mas ela deixaria de ser apenas água.
O estalo surgiu numa subida à Serra, enquanto ele almoçava em Bento Gonçalves. Água benta! Eleutério desceu de Bento e criou a primeira tele-entrega de água benta. Vinte litros de água benta entregues no topo da escada pelo motoboy vestido de frei. Foi sucesso absoluto. Vende como água. Aos mais críticos, ele alega que nunca afirmou que a água seria abençoada, ela vem de Bento, portanto, é benta. Depois, veio a água benta com gás, afinal, um pouco de CO2 não é pecado.  Eleutério não dorme no ponto e sabe que a concorrência logo vem. Está sempre criando. De uma conversa com fiéis, a respeito da falta de gosto das hóstias, veio a idéia de oferecê-las nos sabores pizza, churrasco e banana com canela. Se uma hóstia, por si, não é consagrada, falta o quê? O vinho, não um vinho qualquer. Logo, Eleutério criou a cesta de consagração, com um rodízio de sete sabores de hóstias – dois doces – e uma garrafa de vinho litúrgico varietal. Noutro rompante de criatividade, Eleutério criou o ajoelhador anatômico, tornando o ato de se ajoelhar  em algo mais civilizado. Ele vende uma tabua leve que é presa aos joelhos, através de velcro, permitindo ao fiel ajoelhar-se enquanto sentado ou deitado comodamente.
A descrença de Eleutério nas instituições não diminui sua admiração pelas obras de arte criadas pela religião. Noutro dia ele assistia, através da TV de assinatura, ao filme Sons do Coração, uma versão adaptada de Oliver Twist, de Charles Dickens - abobrinha melosa que tem bela fotografia e trilha sonora fantástica. Em uma cena onde o menino senta-se ao teclado de um órgão de tubos de uma catedral, tocando uma música que faria cair as penas de um anjo, Eleutério arrepiou-se. Deu-se um momento mágico. Sem a religião provavelmente aquele órgão não existiria. Ponto para os crentes nas igrejas. Ele rendeu-se à grandeza daquilo, uma autêntica graça. Então, aconteceu. Ele foi arrancado violentamente daquela cena por um grito que alardeava a volta do garanhão italiano: Rocky Balboa. Intervalo comercial. Do céu ao inferno. Depois, pularam a cena, e o menino organista havia se ido. Desde então, Eleutério crê no diabo e sabe como ele entra na sua casa.

Marcadores: , , , , , , , , , ,

30.1.11

580 - Órfão


Foto: Paulo Heuser
Órfão
Por Paulo Heuser

Por mas que queiramos, ou que queiram que queiramos, o que denota o uso compulsivo e abusivo do quê, eles existem. Lemos jornais, assistimos aos noticiários ufanistas da TV, e nada deles. Eles estão escondidos no mundo real, longe das redes sociais. Não vão encontrá-los no Twitter, no Facebook, no Orkut, nem no LunarStorm. Porém, estão lá, escondidos em meio àquilo que ninguém mais enxerga, a realidade. Apesar de imaterial, a existência deles nos incomoda muito. Choca, perturba, macula os fios do manto de cetim branco que recobre a normalidade do nosso mundo. Eles ficam pelas ruas, seu habitat, e ninguém gosta de topar com um. Nunca serão vistos em Jurerê, Punta Del Este ou Villefranche-sur-Mer, lá eles não se criam. Aqui, surgem por todos os lados e somente são notados quando alguém importante passa pelo local. Aí, os escondem de qualquer modo. Eles fazem parte do antes, nunca do depois, que sempre é lindo. Essa é exatamente a vantagem do antes, nele tudo cabe, pois já passou. É passado. O depois é ainda mais confortável, ele nunca chega, está sempre um instante à frente e é o repositório das promessas. O passado exige remissão. O futuro não, ele é a salvação. Sempre há uma nova oportunidade.
Nem todo mundo desvia deles, simplesmente, como se não existissem. Entre os mais jovens, ainda não embrutecidos pela realidade, há exceções. Como a menina que mora na minha rua e que viu um deles surgir do nada, aparentemente. No dia anterior, a rua estava normal. Na manhã seguinte, lá estava ele, desovado sabe-se lá por quem.  Ademais, quem faria tal coisa, numa gélida madrugada de julho? Ao contrário dos outros, que simplesmente desviavam dele, ela resolveu fazer algo. Chamaria socorro. Alguém haveria de tratar dele. Porém, a quem chamar? Na dúvida, a Prefeitura. Ela não teve muito êxito, pois queriam saber quem era o responsável por ele. De nada adiantou ela argumentar que esse era o problema, se soubesse quem era o responsável o problema estaria resolvido, ou, pelo menos, encaminhado. As noites frias se sucederam, e ele virou o agosto. Ficou lá, de boca aberta, a encarar o vento frio, até a entrada da primavera. A menina, desiludida com a hipócrita cidadania, passou a ignorá-lo. Ele já fazia parte da paisagem.
No final de setembro ouviu-se ruído de motores durante a madrugada. Ele sumiu tal como surgiu, sem que ninguém percebesse. À noite, lá estava, de manhã, neca, sumiu. Coisa ruim não deixa saudade, assim, ninguém deu pela falta dele. Estranho mesmo foi o telefonema que a menina recebeu em dezembro.
- Alô, nós gostaríamos de comunicá-la de que não foi possível tapar o buraco na sua rua porque não conseguimos localizá-lo.



Marcadores:

9.11.10

579 - A grande noite


A grande noite
Paulo Heuser

Como alguém deve ter notado, andei meio afastado da pena. O Moacyr Scliar diz que escrevemos como forma de catarse. Creio que ele tem razão, principalmente depois que descobri, em algum dicionário, que catarse significa purgação, evacuação ou purificação. Isolando a purgação e a evacuação, deixando-as no plano mais fisiológico, digamos assim, resta a purificação da alma após um trauma. Quem me deixou com vontade de catar-me foi o Paul McCartney. Confesso, assisti ao show dele. Tudo começou, uance oponataime, quando anunciaram que o ex-eterno-Beatle viria a Porto Alegre. Confesso que relutei, inutilmente, em comprar os ingressos, não apenas pelo preço, um tanto salgado. Não que eu não gostasse do Paul McCartney, ainda mais que ele não traria junto o Ringo Starr. Ocorre que eu detesto duas coisas na vida: arroz doce e Imagine. Ok, Let it be também. Tá, acrescente Yesterday. Porém, logo descobri que ir ao show era uma obrigação social, algo como uma peregrinação, que todo mundo tem de fazer, pelo menos uma vez na vida. Comprei os ingressos pela Internet, pagando uma “taxa de conveniência” de 16%. Foi muito conveniente, para não dizer revolucionário. Você compra pela rede e paga 16% para retirar o ingresso numa fila lá no estádio. Prodigiosamente conveniente! Para eles.
Eis que chega o dia, finalmente. Consigo me esquecer daquelas três músicas, e do arroz doce, e me encho de esperança, pois ele tocará Let ‘em in, Eleanor Rigby e A Day in the life, das quais eu realmente gosto. Chegar até o estádio até que é fácil. O problema é entrar lá. Há filas por todos os lados, mesmo após hora e meia da abertura dos portões. Se todos os caminhos levam a Roma, nenhuma dessas filas leva a algum lugar, apenas às outras filas. Elas serpenteiam, giram em torno de si, não têm início nem fim, apenas algo em comum, gente que não sabe em que fila está. Os prometidos orientadores de fila estão fora das filas, dentro do estádio. Do lado de fora, Medusa enfia o dedo na tomada e sobram serpentes enlouquecidas. O pessoal das filas bebe cerveja e conversa com quem está nas filas que se cruzam periodicamente. Deve haver uma função de senos e cossenos que explique isso. Imagino o que acontecerá com as bexigas repletas de cerveja. Uma mulher grita, furiosa, pois nossa fila estaria invadindo a dela. O marido, impassível, toma um longo gole e arrota ruidosamente. Ele tenta encobrir a barriga com a camiseta “Eu estive lá” baby look. Chegamos de alguma forma ao portão. Hora de retirar as tampas das garrafas de água. Pode-se levar qualquer coisa na garrafa, desde que não haja tampa. A revista das bolsas, que não há, deixa passarem facas, soqueiras, granadas, bazucas e potes de arroz doce. Passada a roleta, fica fácil, basta espremer-se, com mais milhares de pessoas, num corredor estreito, que leva ao gramado. Não é necessário caminhar. Bóia-se na correnteza do mar de gente. De onde sairá tanta cerveja? Lá dentro, nova fila, imensa, a do bar. A chegada ao gramado é um alívio. Há pelo menos 0,3 metros quadrados por pessoa. Não para de entrar mais gente, vinda daquele funil humano. O cheiro da cerveja já lembra o das seis da matina no baile do chope. O sol se vai e agora é só esperar. E defender meu 0,3 metro quadrado de grama. Há um pessoal que tenta invadir meu terreno, repilo-os. Joguei handball quando estive no colégio e sei defender meu terço de metro. Só não consigo repelir a fumaça daquilo. O pessoal fuma bosta seca, sem parar. Isso faz os fundos do Parcão se parecerem com uma sala de atmosfera limpa. Virei fumante passivo-compulsivo de marofa, a ponto de tornar I got a feeling em algo palpável.
Após hora e tanto e alguns alarmes falsos, ele chega. Lá está ele, Sir Paul McCartney, ou, pelo menos, um playmobil anão que se parece com ele. Os telões imensos ajudam, pois a essa distância o Tiririca passaria pelo Sir Paul. O show começa e o público delira. Pudera, o homem faz jus à fama. A marofa é tanta que me surpreendo cantando uma daquelas três músicas. Mais algum tempo nesta sauna de viquevaporube paraguaio e serei capaz de comer arroz doce. Chega a encobrir o fedor de cerveja. O efeito parece geral, pois uma senhora bate em todos que estão por perto, atingindo-os com uma estranha almofada de azul acetinado, saída do sofá de alguma titia velha.
Justiça seja feita, Paul McCartney canta, toca e se comunica com a platéia durante três horas, com afinação, carisma e sem demonstrar o mínimo cansaço. Parecem trinta horas, em meio a essa nuvem. O homem arrisca frases em português e, aparentemente, usa o tradutor do Google, pois grita coisas como uóblirrublá e espera que a platéia as repita. Funciona, efeito da marofa, com certeza.
Por um momento, lembro-me de 1965, quando assisti ao filme Help, dos Beatles, num daqueles finados cinemas da Rua da Praia, levado por uma das primas, creio que foi a Suzana. As mulheres gritavam e desmaiavam, só de vê-los na tela. Imagine o que fariam se os vissem assim, quase ao vivo, encobertos apenas pela distância e pela nuvem de esterco queimado. Morreriam, por cento.
Após os bis e tris, volto para casa, realizado. Valeu cada tostão, e nem precisei comer o arroz doce. Rezo para que nenhum policial pare o meu carro. Escaparei do bafômetro, mas do fedor daquilo, impregnado nas roupas e cabelos, não. Só faltou Lucy in the Sky with Diamonds. Outros tempos.             

Marcadores: , ,

25.6.10

578 - Lound teibel

Ninho do Ovo
Foto: Paulo Heuser
.
Laund teibel

Paulo Heuser



Todos os fatos da vida estão conectados de alguma forma. Este é um fato, mesmo que não percebamos imediatamente essas conexões. Em alguns casos, elas são bastante sutis. Vejamos o caso do assassino serial de Poughkeepsie. A relação dele com as virilhas poderia parecer óbvia, mas não é.
Em outubro de 1996, Wendy Meyers, 30, desapareceu na cidade de Lloyd, Condado de Ulster, poucos quilômetros ao leste de onde sumiu, em dezembro do mesmo ano, Gina Barone, 29, na pequena Poughkeepsie, no Condado de Dutchess, margem direita do Rio Hudson. Não foram as últimas a se desvanecerem naquela região. Mais seis desapareceram, até que uma prostituta, que seria a nona vítima de Kendall Francois, conseguiu fugir da casa dele, em Poughkeepsie. Ele foi preso. Em 11 de agosto de 2000, Francois foi sentenciado à prisão perpétua, que cumpre na prisão de Attica. A arte imitou a vida, e John Erick Dowdle produziu e dirigiu, em 2007, o filme The Poughkeepsie Tapes, no qual a polícia daquela cidade teria encontrado 800 fitas mostrando a ação de um assassino serial. As oito viraram oitocentas, mas o cinema é assim.
Cheguei a Poughkeepsie numa chuvosa tarde de domingo, após 27 horas de viagem e de pacotes e mais pacotes de bolachas de bordo. O destino ainda me faria sentir saudades delas. Constatei, de estalo, que os nativos do norte do Rio Bravo são super-humanos, pelo menos no que diz respeito ao estômago. Lá conheci Robert, um alemão, que insistia para comermos no restaurante chinês, onde poderíamos, nas palavras dele, comer tanto quanto pudéssemos. Ou seja, havia um bufê, coisa desconhecida em paragens tudescas. Já na primeira noite, jantei no Bugabú Cric, restaurante onde se encontrava um enorme búfalo empalhado dependurado na parede. Lá pelas tantas, sem aviso prévio, o ex-vivente começava a se mexer e dava um discurso empolgado. Robert parecia preocupado, como que alguém poderia comer num lugar com aquele nome? A comida até que passava, desde que se implorasse para que não colocassem o molho especial, lá sempre há um. - No dressing, please, in the name of God! Simples assim. O tal de dressing estragava qualquer coisa que se parecesse com algo comestível, especialmente quando o restaurante se especializava na cozinha qualquer-nacionalidade-americana. Cozinha austro-americana significava schnitzel com dressing de algo fabricado nas profundezas do Golfo do México. Os frutos do mar de lá já vinham de fábrica com esse molho. Por outro lado, a cozinha ítalo-americana era feita à base de massa com dressing de american cheese, cuja composição química nem a British Petroleum conseguiu descobrir.
Cedo descobri que o Robert estava coberto de razão. Os alemães não fabricam Mercedes e Audis à toa. Há ciência por trás daquilo. O chinês era a salvação, pois não havia comida sino-americana. A especialidade chinesa era a galinha indiana. Spicy eram as outras, aquilo era vulcânico. Mas, pelo menos, não levava molho de polímeros. O Robert indicava também a alface, único prato americano que não é empanado nem frito. Por enquanto. Curiosa mesmo era a recepcionista do restaurante chinês, uma chinesa, casualmente. Ela nos mandava à laund teibel, apesar de todas as mesas parecerem retangulares. Isso me intriga, mesmo agora. Mais intrigante foi o almoço do Dia das Mães. Estava eu sem mãe e sem lugar para almoçar. O chinês estaria lotado com famílias que deixariam a máquina de lavar louças descansar. Optei por passear pelo interior do condado de Ulster, no outro lado do rio. Numa encruzilhada da rodovia 213, em High Falls, encontrei um pequeno restaurante que me atraiu a atenção, pela decoração, como direi, extremamente eclética. O colorido e a panaceia de objetos estranhos me distraíram, e não percebi tratar-se de um lugar especializado na effrayante novelle cuisine américane. O lugar estava vazio, o que, naquele dia em especial, deveria ter soado como um alarme. O nome da casa, Ninho do Ovo, até que não assustava. Uma mulher da terceira idade, com cara de mamushka, veio me atender. Sorria, quando me disse que eu não poderia sair de lá sem comer o Reuben. Comamos o Reuben, pois, pensei. Em High Falls faria como os highfallianos. Eu olhava distraído ao redor, quando o Reuben chegou. É difícil descrevê-lo. Mais difícil ainda, foi digeri-lo. Uma espécie de sanduíche de carne recheado com chucrute e molho russo, pasta feita de ketchup, maionese e vários tipos de pimentas. Ah, guarnecido de algo que chamavam batatas inglesas, mas eram daquelas de pacote de salgadinhos.
Após passar muitos dias comendo alface, e com alguns quilos a menos, constato que as coisas por aqui também estão mudando. Paro na frente de um restaurante que oferece virilhas por R$ 20,00. O que não inventam? Ubre, tripa grossa, miolos, bagalhões e, agora, virilhas? Bem, percebo que, afinal, não é um restaurante, é uma casa de depilação. Que seja, é estranho, assim anunciado.
Voltamos às conexões entre os fatos, até agora desconexos. O Reuben me levou a pensar que a prisão perpétua pode ser bem pior que a pena de morte. Fico a imaginar o Kendall Francois comendo da effrayante novelle cuisine américane, todos os dias, pelo resto da sua miserável existência, sem chinês, sem laund teibel.



prheuser@gmail.com
http://www.pauloheuser.blogspot.com/
http://www.trezeamesa.blogspot.com/

Marcadores: , , , , , , , ,

23.5.10

577 - O faroleiro de Saugerties

Saugerties Lighthouse
Foto: Paulo Heuser
.
O faroleiro de Saugerties

Paulo Heuser


Após algum tempo, posso afirmar, eles não caminham. Não os daqui, pelo menos. Quando cheguei, fiz o que faço lá, fui caminhar. Esse negócio de Fahrenheit confunde um pouco. Levantei cedo, vesti roupa esportiva e me fui porta afora. Depois de alguns minutos, tremendo, descobri duas coisas. Não havia ninguém na rua, às 6h45, e 40F não era exatamente uma temperatura agradável. Atribuí a ausência de viva alma ao frio. Foi Robert, o alemão, quem me alertou, não caminhe, disse ele, eles estranham. Robert é veterano por aqui, sabe das coisas. Ele adora o clima daqui. Outro dia amanheceu a qualquer coisa Fahrenheit que, segundo o Google, dava -6C, negativos, mesmo. O Robert saiu em mangas de camisa, soltou um suspiro extasiado, que logo congelou, e disse da beleza da primavera daqui. É bonito, as tulipas congeladas ficam lindas. Pode-se quebrá-las. O pessoal só anda de carro. Pudera, não há ônibus. Ou melhor, há, mas nunca os vi. As paradas estão lá, porém, nada dos passageiros e nada de ônibus. O nome da empresa, impresso nas placas das paradas, pode explicar alguma coisa, pois é o Expresso Leprechaun. Ou seja, para encontrá-los, deve-se ir até o fim do arco-íris.
Não prestei atenção ao aviso do Robert e insisti em caminhar, afinal, este é um país realmente livre, desde que você não caminhe, descobri depois. Observei que há avisos, em alguns quintais, alertando de que estão de olho em você. É estranho, ninguém à vista e aquelas placas. Dá nos nervos. Encontrei um parque, Locust Grove, perfeito para se caminhar. Para diminuir a desconfiança, comecei a usar o carro para ir até lá. O parque é fantástico, há trilhas, entre uma mata de um verde desconcertante de tão fantástico. Contudo, levei algum tempo para me acostumar aos sons que emanam lá de dentro, feitos pelos esquilos, veados e outros animais, ruídos de galhos quebrados e folhas se movendo. Lembra filmes de terror. Lá dentro, além dos animais e da chinesa, ninguém. Pode ser difícil explicar a chinesa, mas tentarei. Ela me deu um tremendo susto, pois saiu correndo e gritando, de dentro da floresta. Desfeito o pavor inicial, mútuo, ela me explicou que, como eu, gostava de andar e temia andar pelas ruas, pois tinha a sensação de estar sendo observada. Ao me ver, confundiu-me com um urso albino e pôs-se a correr, já que os ursos daqui não sabem que um ser humano anda sobre as próprias pernas. Pensam tratar-se de outra coisa. Robert não ficou surpreso, quando lhe contei. Ele me confidenciou que parou de caminhar, na primeira vez que veio para cá, quando foi interceptado por uma policial, motorizada, é claro. Ela recebera denúncia da presença de alguém andando, isso mesmo, a pé. A partir de então, Robert faz como eles. Vai de carro, mesmo à farmácia, que fica à distância de míseras 50 jardas, seja lá quanto for isso. Robert observou, com astúcia germânica, que o campinho de minigolfe, aqui ao lado, está sempre vazio. É porque o carrinho elétrico quebrou, explica ele. O pessoal teria de andar três jardas, seja lá quanto for isso, de um buraco ao outro.
Caso estranho aconteceu em Saugerties, no outro final de semana. Fui conhecer o farol de lá. Para chegar até ele, percorri uma trilha, em meio à mata e um pântano que só permite a passagem durante a maré baixa. Sozinho, para variar. Não havia nem chinesas por lá. Nem ursos albinos, nada. Após 800 jardas, seja lá quanto for isso, cheguei ao farol, que faz jus ao nome de lighthouse, pois tem formato de uma casa, na confluência do Hudson com o Eposus. O lugar apresenta uma desolação poética, açoitado pelo vento, em meio à solidão do pântano. Para minha surpresa, abriu-se uma porta, e surgiu um rosto muito velho, de longas barbas brancas. Ele me olhou, de cima a baixo, e falou, com voz cansada:
- O senhor não é daqui...
- Como o senhor pode saber, se nem falei?
- Ora, nenhum homem daqui anda, em pleno domingo, sem um boné na cabeça, nem na igreja! Onde está seu o carro?
Os olhos dele percorreram as redondezas, aflitos.
- Vim andando... – respondi.
- (Censurado)! - ele praguejou. – O primeiro que aparece aqui, em 47 anos, vem a pé? Por que alguém faria isso? Como é, afinal, que sairei daqui? Espero que me busquem, faz todo esse tempo!
- Ora, por que o senhor não anda até lá, afinal, são apenas 800 jardas, seja lá quanto for isso, e a trilha não é tão ruim. Além do que, o senhor não veio para cá de carro, não é?
- Não, mas aqueles foram outros tempos...
Ele fechou a porta e me deixou sozinho, a pensar em quanto faltaria para a maré subir.


prheuser@gmail.com
http://www.pauloheuser.blogspot.com/
www.trezeamesa.blogspot.com

Marcadores: , , , , , , , ,

30.3.10

576 - Chão de brigadeiro

Fonte: Wikipedia
.

Chão de brigadeiro

Paulo Heuser



A coisa se complicou. O aeroporto fechou novamente. Chove demais, e os atrasos contaminam toda a malha aérea. Pouco se pode ver pela janela, a água que escorre pela fuselagem não deixa. Os minutos passam, as portas estão fechadas, todos estão com aquela cara besta pré-decolagem, e nada. Não há condições, a pista está encharcada. O brilho dos relâmpagos não anima, mesmo na ausência de trovão audível. As comissárias tentam animar a turma e distribuem aperitivos mini para todos, ainda no chão. Mau sinal, tanta generosidade anuncia que a espera poderá ser longa. Um homem usando quipá abana a mulher grávida. Os minutos passam e compõem meia hora. Vem a boa nova, o comandante anuncia que a chuva amainou e, em breve, será possível decolar. Como para todo yang existe um yin, vem a má notícia: há fila para a decolagem, pois vários aviões ficaram retidos no solo. Antes que alguém se rebele, as comissárias distribuem farta ração de aperitivos mini. Todos mastigam satisfeitos. Quando misturados com a saliva, os aperitivos transformam-se numa curiosa massa para calafetar. Celulares desligados, e la nave va. Vai até o fim da fila para a decolagem. O avião é o oitavo e anda em passo de saída de formatura em Direito. Arrasta-se sobre o concreto molhado. O passageiro da 21A ronca. O homem do quipá abana a mulher. Os demais passageiros tentam engolir seus aperitivos mini. Quem voa com freqüência sabe, para descolá-los dos dentes, fazem-se gargarejos com refrigerante zero. Os minutos passam. O passageiro da 21A ronca. O comandante anuncia aquilo que todos temiam, menos o passageiro da 21A, que só teme a insônia: o aeroporto fecha novamente. A chuva volta com tudo, logo agora, que os outros sete se foram. Os minutos passam, e nada de nova ração de aperitivos mini. Não pode, todos devem ficar sentados e afivelados. O homem de quipá abana a mulher. Algo acontece, pois desta vez o comandante pigarreia antes de falar. Após 1h15 de espera em solo, com os motores acionados, será necessário reabastecimento. E la nave ritorna. Pelo menos, durante o reabastecimento, haverá nova ração extra de aperitivos mini e refrigerante zero. Serve de consolo. De onde vêm todos esses aperitivos? O passageiro da 21A ronca. Em meio à volta, o grito: - Comissário! O homem de quipá acode a mulher grávida que enche o saco para enjôo. O ocupante da 20C comenta: - Se ela enjoa no chão, como será no ar? O passageiro da 21A acorda com o solavanco que indica a parada no finger, confere o relógio, espreguiça-se e declara: - Chegamos, que vôo agradável...



prheuser@gmail.com
http://www.pauloheuser.blogspot.com/
http://www.trezeamesa.blogspot.com/

Marcadores: , , , , , , ,