1.3.11

583 - Excepto Taxi

Foto: Paulo Heuser

Excepto Taxi

Paulo Heuser

Os motoristas portugueses são estranhos. Eles param nas faixas de pedestre e sinalizam para qual lado vão convergir. Mais, não buzinam, exceto quando necessário. Exceto pode ter estranhos significados na terra de Camões, conforme descobri ao apanhar alguém no aeroporto da Portela, em Lisboa. Eu procurava um estacionamento. Logo visualizei a placa característica, com um enorme pê sobre fundo azul. Na mesma placa, uma menor indicava “Excepto Taxi”. Como o meu Skoda não era um taxi, ingressei no estacionamento. Lá dentro havia um mar de taxis amarelos e uns sujeitos nervosos que gesticulavam para que eu saísse imediatamente dali. Foi o que fiz, confuso, em tempo de ouvir um dos sujeitos perguntar da minha ignorância:
- Não sabes ler?
- Não, meu senhor, minha ignorância só não é maior do que a tua grosseria.
Ele pareceu um pouco confuso, mas deu-se por satisfeito, pois voltou a conversar animadamente com os demais motoristas. Encontrei outro estacionamento, adiante, sem exceptos.  Porém, aquele pequeno incidente deixou-me encafifado. Teria eu lido mal? Retornei a pé ao local e constatei que, efetivamente, aquela placa dizia “Excepto Taxi” e que o estacionamento era ocupado apenas por taxis. Mais tarde, encontrei uma placa permitindo estacionamento “Excepto ambulâncias”.  No mesmo dia, topei com o Camões, em pessoa, ou o que restou dela, no Mosteiro dos Jerônimos. Ficamos ali, ele e eu, em constrangedor silêncio. Fiquei tentado a perguntar-lhe da sua opinião sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Contudo, calei-me. Não havia taxi no tempo dele. Troquei excepto por unicamente e me esqueci do assunto, até chegar a Tomar, pequena cidade que abriga o Castelo dos Templários e o Convento de Cristo.
O centro histórico da cidade convidava ao passeio pelas vielas medievais. Como que saídos do nada, surgiam estranhas figuras vestidas em trajes formais de cor preta, cobertos por capas da mesma cor. Alguns homens usavam chapéus de abas largas, e as mulheres trajavam saias e as mesmas capas pretas. Apesar de assustadoras, as indumentárias eram o uniforme dos alunos do Instituto Politécnico de Tomar, a universidade local. Naquele fim de tarde, todas essas figuras entoavam cânticos e dirigiam-se à Praça da República, onde aconteceria a cerimônia de iniciação dos calouros daquela escola superior. Cercados pelas figuras de preto, dezenas de calouros passaram por um ritual que incluiu a pintura com tintas de variadas cores. O espetáculo foi comandado por uma dúzia de veteranos em trajes vermelhos e brancos dos cavaleiros templários da Ordem de Cristo. Assisti à cerimônia de recepção, ainda a ignorar que aquela escola existe há apenas 25 anos. A ritualística remetia a uma presumida tradição medieval, algo como os rituais das capas da Universidade de Coimbra, do Século XVI. Contudo, inesquecíveis foram algumas falas daqueles modernos templários. Dirigindo-se a uma jovem que chorava copiosamente, um disparou:
- Tu,aí, estás a morrer? Se estiveres, vá e morre logo, pois este lugar pertence aos vivos!
A jovem se foi, se morreu, não sei. A próxima frase do novo Hugo de Payens tocou-me especialmente:
- As falas utilizadas nesta cerimônia não são aderentes ao Acordo Ortográfico de 1990. 
Senti imediata empatia com aquele sujeito. Ao cair da noite, começou a cair uma garoa fina. Abri meu chapéu-de-chuva e deixei-me levar pelas húmidas vielas inundadas pela luz amarela dos lampiões. A essas horas, poucos circulavam por ali, excepto as estranhas figuras de capas negras.

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