25.1.10

574 - Quid est veritas?


Fonte: Wikipedia

Quid est veritas?


Paulo Heuser



Cheguei a uma conclusão. Aqui, onde vim passar minhas férias, só há três coisas que não são chinesas, os pêssegos frescos, o doce de leite e os argentinos. Os pêssegos não resistem à viagem. O doce de leite é apenas questão de tempo. Quando fui à lavanderia, descobri que lá há um chinês argentino, ou vice-versa. É curioso ouvi-lo falar a língua de Miguel de Cervantes. É algo tão incomum quanto uma pizza de joelho de porco. De resto, tudo é chinês, desde as roupas até os aspargos. Quem diria, aspargos chineses. Tudo vai ao encontro da minha profecia. Em breve, consumiremos apenas produtos chineses e serviços indianos. Quem considera o gerúndio paulistês chato, espere pelo gerúndio indiano.

Não cabe aqui esclarecer por que comecei a discutir com o chinês argentino. Teve algo a ver com o fato de muitos conterrâneos meus exibirem certo preconceito com os produtos fabricados na China. O chinês argentino diz que o problema está na forma como enxergamos os produtos deles. Teríamos os olhos muito esbugalhados, o que provocaria distorções. Segundo o sino-platino, haveria um projeto em estudo, no congresso daquele país, que incentivaria a cirurgia plástica para a correção do formato dos olhos dos não-orientais. Quem aderisse ao plano, voluntariamente, ganharia um par de tênis e um aipode.

Quanto ao potencial criativo dos chineses, o homem da lavanderia apresenta argumentos irrefutáveis. Eles inventaram a pólvora, a bússola, o guarda-chuva, o papel, a impressão, o macarrão e a 25 de Março. Camarão empanado, tlês tipos flitos, Louis Vuitton orgânico, pilhas Duravel, nada disso chegaria aqui se não fosse o navegador português Jorge Álvares, que abriu a rota das especiarias da China, e o Paraguai, que abriu o resto. É, realmente, o homem tem argumentos fortes. Contudo, eu havia de desafiá-lo, afinal, tratava-se de um argentino, em última instância. Não seria no futebol, assunto estranho para mim e para ele, pois não tinha cabelos compridos, não usava lenço na cabeça nem gritava Maradona.


Apelei para a religião. Lembrei-me do politeísmo deles e do monoteísmo dos daqui. Desafiei-o a me mostrar alguma influência religiosa sobre nós, além do pequeno gafanhoto do Kung Fu e do templo lá de cima do morro. Por um momento, pensei tê-lo derrotado. Percebi um breve esbugalhamento dos seus olhos, logo transformado em sorriso sino-platino-maroto. Ele apertou ainda mais o olhar já apertado e falou:


- Se o encontrarem novamente, leiam com atenção o que está escrito sob aquele cálice que tanto veneram. Está em aramaico galileu, mas está lá.

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