12.12.09

569 - O último pôr-do-sol


Foto: Paulo Heuser
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O último pôr-do-sol



Paulo Heuser

Waldo chorava. Sentado sobre o encosto do banco, junto à avenida na beira do rio, olhava para o poente, com os olhos cheios de lágrimas. Sonhava com a vida no poente. Lá, todos deveriam ser felizes, pois havia aquela luz mágica. O céu se tingia de cores que variavam a cada instante, nunca se repetindo. Esse era o fractal dos deuses. Ah, como seria bom viver no poente, viajando para sempre entre o ontem e o amanhã sem sofrer o hoje. O vento trazia sons de pássaros que já iam longe. O ocaso aquietava as coisas e os seres.
Pri gosta de correr à tardinha. Antes de sair do escritório, troca os sapatos de salto pelos tênis e a roupa de trabalho pelo short e top. Assume sua identidade secreta. O sol ainda pinta sua pele alva quando ela se alonga para a corrida do pós-dia. As fibras musculares se esticam. O cabelo loiro passa pelo boné, e ela deixa o estacionamento do Gasômetro, pronta para percorrer os cinco quilômetros e meio que a separavam do estádio. Nem inicia a corrida. Faz o que nunca fez antes. Pára, quando vê aquele rapaz sentado sobre o encosto do banco. Não é a aparência dele o que chama a atenção dela. Nem belo, nem feio, bem vestido, ele não a vê. Essa é surpresa. Será cego? Pri não passa despercebida, ainda mais vestida deste jeito. As cavas das laterais do short costumam arrancar galanteios ou grosserias, daqueles pelos quais passa. Indiferença, nunca, só se for cego. Ou se jogar do outro lado. Ele olha para o nada e chora, muito. Novamente, ela faz o que nunca fez.
Ele não percebe de imediato a sua chegada. Quando ela provoca um eclipse, passando defronte o Sol, ele sente um calafrio, o vento parece subitamente frio. Ela senta-se ao seu lado e fala, interrompendo a jornada para o ocaso. Quebra-se a magia.
- Você está bem? Ela lhe parece sincera, e seus olhos acinzentados refletem o pôr-do-sol.
Waldo suspira. Droga, está quase alcançando o horizonte. Falta pouco. É logo ali, quase dá para vê-lo. Ele repara nos reflexos dos raios de sol nos cabelos loiros da mulher. Em outra ocasião, quem sabe, não agora, não quando quase chega lá.
Tarde demais, lá se vai o horizonte, não poderá mais alcançá-lo, não hoje, nunca. Suspira, mais, e seus ombros curvam-se em desânimo. Os olhos dela imploram por uma resposta.
- Vá lá, estou.
- Então, por que chora?
- Choro porque eu queria estar lá, onde o Sol se pôs. Lá, sim, eu viveria outra vida.
Ela tomou a mão dele na sua e a apertou, bem firme. Ficaram sentados, dois estranhos olhando para onde o Sol se poria novamente, amanhã, conscientes de que aquele fora o último pôr-do-sol.


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