10.11.09

562 - O formidável Atlas

Atlas
Imagem: Wikipedia
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O formidável Atlas

Por Paulo Heuser

Houve uma rebelião dos escoceses, em 1745. Em represália, o parlamento britânico proibiu, para alívio dos habitantes das Terras Baixas, o uso da gaita de fole. Antes de considerá-la instrumento musical, citavam-na como arma de guerra. Deve ser o único instrumento musical que é desafinado de propósito. Quanto mais horrendo for o som, melhor. Apenas os surdos deixavam de fugir, quando a tocavam nos campos de batalha. A proibição não se limitou àquela versão da Trombeta do Apocalipse. O kilt pegou carona. Submetidos à severa punição os escoceses tiveram que renegar as saias. Pode-se até imaginar o escândalo provocado pela visão de homens trajando calças. As senhôras – com acento – escocesas enfartaram. Contudo, a lei era besta, mas era a lei. Seguiram-se 37 anos de silêncio e despudor. Depois, para desespero dos ingleses e alegria das escocesas, gaitas e saias retornaram.

De lá para cá, as saias provocam turbulências na brisa que areja as pernas femininas. Lembrei-me de uma colega do colégio, no Interior. Chegávamos ao início de mais um ano letivo, e lá estava ela, a grande novidade. Digamos que se chamava Silvana. Uma menina loira, alta e longilínea. O que impressionava, na Silvana, não era apenas a beleza, eram também a simpatia e a desinibição. Contudo, o que impressionava, mesmo, era o fato de ela vir da Capital. A menina era uma espécie de ser superior sem presunção de sê-lo. Ela surgiu com a moda das minissaias. Foi a primeira que vimos. Foi também o assunto daquele e de muitos dias que se seguiram. A meninada ficou entusiasmada. Pudera, a saia era realmente curta, tanto que o colégio teve que instituir um comprimento limite, medido a olho, a partir do joelho, pois a moda ameaçava se alastrar entre as locais. Vieram outras, mas a Silvana foi a tal, a desbravadora. Ela povoou a imaginação dos colegas. Sonhavam com tórridos relacionamentos, mas, uma vez na sua frente, conseguiam apenas gaguejar palavras tolas. Algo nela intimidava os meninos interioranos. Era um ano mais velha, o que fazia dela uma mulher presumidamente experiente. O pior, no entanto, era a lenda suburbana a respeito do suposto namorado da Capital, um sujeito que teria a aparência do Sean Connery, nadaria como o Johnny Weissmuller e lutaria como o Teddy Boy Marino. Seria o autêntico Atlas, no tempo em que ainda admiravam um Atlas.

Não sei que fim levou a Silvana. Foi-se. Retornou à Capital e levou as minissaias. Ingressou na Universidade e se casou com o Atlas, que hoje tem a aparência do Bart Simpson, nada como um piano e toca gaita de fole. Com certeza, Silvana teve muita sorte, pois não havia a Uniban.

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