24.11.09

564 - Borboletas não têm passatempo

Foto: Wikipedia
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Borboletas não têm passatempo

Paulo Heuser


Hobbies existem desde muito. O Michaelis fornece sinônimo, passatempo. Curioso, a vida é finita, e as pessoas procuram passatempos. Nos tempos pré-orkutianos, as pessoas tinham algo que era conhecido como Tempo Livre. Era o que o próprio nome indica, por mais incrível que possa parecer. Havia espaços não preenchidos nas agendas. A maioria nem tinha agenda. É verdade, creia. Saíam do trabalho, chegavam a casa, após alguns minutos, jantavam e dedicavam-se ao hobby, até a hora de se deitarem. Alguns colecionavam selos postais, eram filatelistas. Os numismatas colecionavam moedas. Havia um homem que colecionava borboletas mortas, lá em Santa Cruz. Era o Seu Amon, dono de uma fábrica de doces que fazia balas de eucalipto extraordinárias. A Frau Amon preparava Hefeschnecken inesquecíveis, principalmente para quem consegue se lembrar da palavra. Ele caçava lepidópteros, incluídos numa das maiores coleções do Brasil. Recebiam visitantes de toda parte, que se deliciavam chupando balas de eucalipto enquanto viam borboletas e sonhavam com Hefeschnecken. Esse era seu passatempo. Borboletas não têm passatempo, pois seu tempo passa antes que possam escolher algum. Também não chupam balas de eucalipto.

A existência de passatempos era justificada, convenhamos. Não havia TV, e os telefones eram raros. Também não havia telemarketing, e ninguém ousaria lhe vender alguma coisa à noite. O Tempo Livre era isso, livre. Contudo, o que mais chamaria a atenção de um moderno humano adestrado, seriam as Redes de Relacionamento. Eram dispositivos de pano suspensos entre cordas presas às paredes através de ganchos. Os participantes dessas redes sociais utilizavam-nas, geralmente aos pares, para um passatempo chamado Namoro Presencial. Passavam horas relacionando-se, cara a cara, em tempo real, com eventual contato físico. Os relacionamentos com número ímpar de participantes, veladamente desaconselhados, eram conhecidos como Desvios de Conduta. Hoje, aquelas redes são classificadas como ecologicamente perfeitas, por não demandarem combustíveis fósseis, apesar do potencial de aumento populacional.

O fato é que a virtualidade ainda não era modo de vida. Assombrosas eram as comunidades compostas de humanos físicos, sem avatares. Eles encontravam-se, de verdade, em sítios do Mundo Real. No lugar das carinhas, ou emoticons, riam ou faziam cara feia. O mais incrível ainda não foi revelado.

Tudo aquilo funcionava durante os apagões!


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