2.3.06

De Dar Água na Boca

Publicada na coluna do Paulo Sant'ana na Zero Hora de 04/03/2006

De dar água na boca

Recebi não sei de quem nem por que este texto fenomenal sobre comidas exóticas: "Hoje havia sushi no buffet a quilo do almoço, num ristorante italiano do Centro, diga-se de passagem. Talvez por isso tive um pouco de dificuldade para descobrir do que foi feito o dito-cujo. Além do pepininho japonês tradicional, e de cenoura, havia uma coisinha em forma de paralelepípedo, cor entre o sépia e o marrom, pouco densa e sem gosto identificável. Excluída a possibilidade de ser tofu ou kani kama, embebidos em shoyu, por um momento fiquei com a terrível sensação de estar comendo um sushi de mortadela ou de salsicha. Enquanto comia meu sushi de embutidos (?), não pude deixar de pensar na infinita capacidade do homem (ou dos donos de buffets) de adaptar os pratos típicos de cozinhas exóticas ao gosto dos comensais locais. Vejam só o exemplo da pizza. Os italianos inventaram aquelas deliciosas pizzas de massa fininha com cobertura de iguarias de boa qualidade, pouco queijo, geralmente parmesão. Os americanos, habituados a comer quilos de bacon e coisas gordurosas em geral, criaram versões com massa de cuca e toneladas de queijo de baixa qualidade e bacon; afinal, o que interessa é comer muito e gordo.

Nenhuma das duas versões, nem a original nem a americana, agradaram ao gosto tupiniquim. Como tudo na cozinha se adapta, surgiram os rodízios de pizza, com novos e inusitados sabores. Afinal, o que interessa é o número de sabores. Inicialmente os vôos não foram muito altos, surgindo sabores ousados para a época, década de 70, como lombinho de porco e à califórnia. Quem é experiente o suficiente com certeza recorda-se do Roda Pizza (ou era o Gira Pizza) na Maranguape, em Petrópolis, começando a roubar os clientes da La Bote e do Sherezade. Seguiram-se outros como Gira Pizza (ou era Roda Pizza), culminando com o inferno gastronômico de uma avenida do bairro Floresta, próximo da Ramiro. Aí sim que a coisa descambou de vez. A concorrência exacerbou a criatividade dos pizzaiolos (que me perdoem os verdadeiros), surgindo coisas impensáveis como pizza de strogonoff de galinha com catupiry, a um preço que deve estar beirando os R$ 3,99. Aliás, chamam de catupiry uma coisa feita com gordura vegetal vendida em bisnagas, sem qualquer semelhança com o clássico da caixinha de madeira. Depois da borda dessa coisa pastosa inventaram a borda de salsicha. No afã de vencer a concorrência, ainda criarão a pizza de arroz-de-leite com torresmo e borda de puxa-puxa, se ainda não o fizeram. Naturalmente sem azeite nem orégano, coisas de gringo. E as tradicionais galeterias que servem mais porco do que galeto? Nesse momento, enquanto olhava para o resto do meu sushi de mortadela (?), me ocorreu a idéia de popularizar a comida oriental no Brasil. É evidente que um sushi japonês não agrada ao gosto popular. Arroz empapado com saquê, enrolado com uma coisa preta que parece uma fita isolante e recheado com peixe cru, quando não é algo pior, cheio duns pontinhos pretos, é difícil de engolir, para a maioria da população. Tem nojo só de pensar. A primeira medida para popularizar o sushi é tirar a tal da fita isolante (a alga) e colocar um arroz menos metido a besta, com cachaça talvez. Um ponto de partida pode ser o de enrolar com a massa, como num rondelli. Bacon enrolado quem sabe? O peixe cru poderá ser trocado por pedaços de traíra grelhada, mortadela, salsicha coquetel, sardinha de lata, almôndegas (brilhante contribuição do colega Hugo), croquete, coração de galinha, doce de leite, brigadeiro nuguets-sabe-lá-do-quê, rinhones ou outra coisa qualquer. Aqueles outros componentes indecifráveis podem ser trocados por ovo de codorna em conserva, pepino em conserva, picles e, glória suprema, batata palha. Para os sushis doces, não esquecer do de prestígio e bala de goma. O shoyu dá lugar ao ketchup, mais denso e colorido, tirando aquele ar de resto de aula de anatomia. Mostarda amarela e molho de pimenta substituem o wasabi. No auge da concorrência, poderemos ter o sushi sabor pizza de 5 queijos (prato, lanche, reprocessado de cheddar e reprocessado ralado). Faltou um? Tasca catupiry mesmo. E o sushi sabor churrasco, recheado com picanha na brasa? O de strogonoff de frango é apenas uma conseqüência lógica. Bom apetite! Abraço, (ass.) Paulo Roberto Heuser".