31.7.06

Mamona: Milagre ou Sofisma?

Mamona: Milagre ou Sofisma?

Por Paulo Heuser

Lembrei de um animado diálogo que mantive com o dentista, no tempo que ainda se conseguia pagar por um. Agora estão bolando uns totens de auto-atendimento, nos shoppings. Você senta numa poltrona confortável e escolhe o pacote. Tudo por comando de voz. Maravilha, no meio da praça de alimentação. Depois que a coisa começa a furar, esmerilhar e serrar basta falar claramente “interromper o processo” no momento em que a luz vermelha acender. Em seguida, basta inserir mais créditos para que a coisa feche os dentes.
Ele (o dentista) falava pelos cotovelos – estava com as mãos ocupadas – enquanto colocava sugadores, espaçadores, alongadores, alargadores e outros dores na minha boca. Além de falar, indagava sobre diversos assuntos também. Estávamos naquele papo animado dentista/paciente:
- Já reparou como o óleo de rícino (óleo de mamona) é caro?
- Ãhmfã!
- sabe por que?
- Ãhnãhn...
- sccchhhluuurrrr.... (sugador).
- mamona dá com praga.
- Ãhmfã!
E assim seguiu o animado papo. Às piadas contadas pelo doutor, respondia com uma sonora gargalhada:
- Aãhmmpfáfáfá..., ...sccchhhluuurrrr....
Antes que alguém indague por que eu sabia o preço do óleo de rícino, esclareço que, como aeromodelista, o comprava para misturar ao álcool metílico e preparar o combustível. Quem já teve um DKW sabe. Como nenhum de vocês teve, ninguém sabe, sequer o que é um DKW. Talvez conheça Mamonas Assassinas.
Lembrei do assunto mamona do dentista e de uma frase de autor desconhecido, pelo menos por mim, que diz mais ou menos o seguinte: “Em não se plantando, tudo dão.” Aplicável não só a cultura involuntária da mamona. Seguida à risca por alguns movimentos sociais. O fato é que para não se plantar mamonas é necessário arrancá-las. Há de se tomar medidas expressas. O tácito que nada fizer, ou ficar em cima do muro, logo deixará de enxergar o muro.
Lendo sobre o milagre do biodiesel, tudo voltou à lembrança. Como completo ignorante - e curioso -, tentei descobrir se os processos de extração do óleo de mamona melhoraram tanto, ao longo dos anos, ou se estamos diante do Sofisma da Mamona – o produto final é mais barato que os insumos. Quanto mais li, menos entendi. Há quem diga que não se pode utilizar qualquer mamona para a extração comercial do óleo. Estariam de fora os hectares de plantações de mamona do Jardim do Éden Após o Primeiro Despejo. Os cultivares espontâneos dos futuros condomínios de alto luxo do Litoral Norte estão sendo analisados. A viabilidade técnica poderá inflacionar – ainda mais - os preços dos terrenos. É a mamona Premium.
Fiquei meio apreensivo com algumas coisas que li sobre mamonas. Com outras, muito. Entre as preocupações médias destaco a necessidade da mistura de álcool ao óleo de mamona para se obter o biodiesel. Todo mundo conhece o humor oscilante do preço do álcool. Também entre as médias coloco a preocupação com a monocultura. Talvez se possa optar pelo cultivo consorciado com o eucalipto. Como nem mamona nem eucalipto são comestíveis, pelo menos até onde eu sei, cuidem-se com as donas de casa, da Via Campesina. Há perigo adicional: a semente da mamona dá uma excelente munição para bodoques.
Ainda na categoria das preocupações médias, os aspectos ambientais da emissão de formol (formaldeído) e hidrocarbonetos aromáticos também preocupam. A emissão de formol deverá reduzir as rugas dos habitantes das grandes cidades pela fixação de tecidos in vivo (vivos). Botox genérico gasoso. Os aromáticos poderão ser alvo de confisco do monopólio dos hidrocarbonetos colombiano. Que levem os aromáticos!
O que me preocupa muito mesmo é o subproduto principal da transformação do óleo de mamona (transesterificação) em biodiesel: a glicerina. Muita glicerina. 10 litros de glicerina para cada 100 litros de biodiesel.
Vejo também inúmeras vantagens na substituição na mistura do biodiesel ao diesel convencional. Serão criados postos de trabalho e a emissão de resíduos poluentes será reduzida. Poderiam criar o Ministério da Mamona e o Ministério da Glicerina.
A propósito da glicerina, não apenas o sabão pode ser feito com ela. Há um outro produto, vendido em farmácias - o supositório de glicerina. Remédio infalível contra a tosse, segundo alguns.

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Fahrenheit 89,6

Fahrenheit 89,6
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Por Paulo Heuser
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O título do clássico Fahrenheit 451 (1966), de François Truffaut, baseado na obra literária homônima (1953) de Ray Bradbury, identifica a temperatura em que os livros de papel queimam. Nunca queimei um livro, apesar de alguns me despertarem instintos piromaníacos. Adaptei o título do livro à minha realidade. Se Michel Moore pode fazê-lo com sua tão aplaudida obra teórico-conspiratória Fahrenheit 9/11, também posso fazê-lo. Moore ainda concluirá que Adão e Eva apresentavam laço de família por ancestral comum. Denúncia-bomba em algum novo filme. Ou de que o falecido ex-presidente Ronald Reagan era primo do Alf, o E.Teimoso. Se o Michel Moore pode colocar os números dele, por que não posso também fazê-lo? Caso o Ray Bradbury ameace me processar, como fez com Moore, já tenho outros títulos na manga.
Manhã de inverno. Chego ao trabalho um pouco antes das 8 horas. O vento da Caldas Júnior – Mata Bancário – castiga quem passa. Sinto alívio ao entrar no prédio, as orelhas já não ameaçam cair. Ao entrar na sala descubro porque os amplos espaços de escritório não foram feitos para a convivência mútua de guris e gurias. Entendi também a razão de separarem guris e gurias em salas diferentes nos antigos colégios de padres e freiras. As gurias morrem de frio abaixo dos 28 C!
Calefação ligada a pleno, mal dá para respirar ali dentro. Começa a operação descasca cebola, retirando camadas de roupas. O termômetro se aproxima dos 29 C e uma das gurias comenta sobre o frio que faz. A calefação é desligada, sob protestos da ala feminina. Os computadores vão sendo ligados à medida que todos vão chegando. O ar aquece pelo calor gerado pelos monitores de vídeo e exaustores das CPU. Além de quente, agora está parado, denso.
Aí pelas 10h30, beirando os 31 C, chego à conclusão que há ectotérmicos – que mantêm a mesma temperatura do ambiente - entre nós. Parecem sentir-se perfeitamente bem. Noto que quase não se movem e mantém as pálpebras levemente fechadas. Mas no geral parecem vivos. Respiram e os mouses parecem mover-se, lentamente é verdade, mas movem-se.
O entorpecimento me obriga a tomar um café e a dar uma volta pelo corredor para respirar um pouco. Não posso tirar a camisa. Volto refeito à sala. As 11h30 o termômetro chega aos 31,9 C. O ar parado sufoca. As meninas começam a aparentar conforto. Comentam que já não faz tanto frio, podem tirar o casaco de pele. 89,6 F – 32 C – é o meu limiar de temperatura. Droga! Fui feito endotérmico – tenho de regular minha temperatura. Sinto gotas de suor correndo pelas costas. Os guris assumem uma coloração vermelha acinzentada, mas resistem bem. Basta não se moverem para não aumentar o calor.
Salvo pelo almoço! Saio à rua e respiro aquele ar gélido: 25 C. Após o almoço, nada como os 31,9 C para fazer a digestão. As gurias comentam que o dia está lindo aqui dentro. Pena que faz todo aquele frio lá fora. Quando a temperatura tende aos 32 C, alguém liga o ar-condicionado. Minha cor volta ao normal após 10 minutos, quando o termômetro desce à marca recorde de frio do dia: 27 C. As gurias começam a reclamar que ninguém agüenta trabalhar no Pólo Sul. Notei que um dos guris já consegue mover toda a cabeça. Lembrei da tartaruga que tinha quando criança. Só ficava ativa quando a temperatura subia.
Morro de medo do que acontecerá quando a temperatura atingir os 32 C, ou 89,6 F. Provavelmente uma das gurias vai reclamar do calor. Deveríamos separa o grupo em salas para guris e salas para gurias, com ar-condicionado independente e ajustado em 31,9 C, para elas, e 25 C, para eles. Certo, há exceções, ainda mais que os guris começam a fabricar menos testosterona à medida que a aposentadoria é um porto já visível no horizonte. Estes podem bandear-se para o outro lado. E comprar um par de pantufas.
Uma colega que observava tudo aquilo teve o lampejo para explicar o ambiente abafado e quente: na verdade trata-se de uma incubadora. Há incubadora de pintos, de empresas e as tecnológicas. A nossa é uma incubadora de gênios! Ainda não logramos êxito, mas persistimos chocando, digo, tentando.
Se Ray Bradbury reclamar, isto poderá se chamar Celsius 32 ou Kelvin 305. Se Truffaut ainda vivesse, já teria feito contato. Leio que Mel Gibson pretende produzir nova versão do Fahrenheit 451. Nesta, provavelmente, o bombeiro incendiário Guy Montag apanhará muito após rebelar-se. Sugiro o próprio Mel ou Bruce Willis para o papel.

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27.7.06

Vale das Sanguessugas

Das Crônicas Raimundianas
Vale das Sanguessugas

Por Paulo Heuser

Raimundo o Empreendedor lia os jornais. Um dos candidatos a Presidente da República – dos que não estão no páreo – defendia, entre outras coisas, o imposto único e a privatização do sistema prisional. Do imposto único é melhor nem falar. Ou, indagar a opinião do Dr. Jatene sobre a contribuição provisória por ele criada. Sabe-se que o imposto único se transformaria em único a ser somado aos já existentes. Naquele momento. Depois poderiam se somar outros impostos únicos ao resultante. Neste caso, as emendas sempre são piores que o soneto.
Raimundo confessou a si mesmo que a idéia da privatização do sistema prisional até era bem atraente. Olhando assim por cima, os piores pesadelos do nosso sistema prisional eram a superlotação e o que daí advinha, como a ociosidade e a escola do crime. O sujeito que entrava lá por ter roubado uma galinha manca acabava saindo diplomado na guerrilha urbana. Havia de se oferecer instalações que mantivessem um mínimo de dignidade, pensou ele. Alimentação correta, higiene e assistência médica não são luxos. Oportunidade de trabalho também não. Reinclusão na sociedade é outro aspecto básico da não reincidência. É lógico que o cidadão dito “de bem”, que acaba não tendo acesso a esses direitos básicos, tentará negá-los a quem cometeu um crime. Especialmente quando tem seu direito à segurança suprimido. Vontade de vendeta.
Leu no mesmo jornal notícia a respeito de quanto o estado gasta com um presidiário – 1.500 reais por mês. Premiamos os comportados com um salário mínimo e pagamos mais de quatro destes pelo presidiário. No mesmo artigo constatou que havia uma multidão de 336 mil presos no País. Usando a calculadora chegou à assustadora cifra de 504 milhões de reais por mês ou seis bilhões de reais por ano de custo com o sistema prisional. É grana para ninguém botar defeito! Para dar uma noção de valor, um aluno de terceiro grau custa aproximadamente R$ 800,00 por mês ao erário.
Raimundo andava à cata de alguma oportunidade para investir em algo pesado. Aí estava. Convocou o Velho - sogro, Japa – diretor financeiro, Zé Tongo – RP e a irmã dele – recreacionista de jardim de infância e facilitadora em eventos de planejamento estratégico e governança para altos executivos.
Expôs sua idéia: entrar no ramo da privatização de presídios. A holding do Grupo Cotra já estava presente nos sindicatos, na igreja, no entretenimento, na política e em outros ramos correlatos. Ainda não estava presente no lado certo do crime. O Velho ouviu atentamente, entre goles do Macallan 25 que Raimundo lhe trouxera da Flórida. O 25 era menos da metade da 51 que tomava antes do boom das empresas de Raimundo, mas eram 25 anos. Quando ainda muito jovem, o Velho visitara Key West, na Flórida, e tomara o primeiro porre da sua vida, na casa de um sujeito muito deprimido chamado Ernesto Heming-qualquer-coisa - a ressaca o levara a esquecer o nome completo. Soube tempos depois que o sujeito se suicidara.
Colocada a idéia, Zé Tongo mostrou-se preocupado com a quantidade de escândalos pipocando todos os dias. Temia que o número de clientes com direito à prisão especial, até a condenação definitiva, crescesse muito. Como a condenação é protelada quase que ad eternum, isto poderia aumentar muito o custo com os viveiros para sanguessugas e outros clientes diplomados em potencial. Lembrou também que esse tipo de cliente é muito exigente, aumentando ainda mais o custo. O Velho lembrou que os clientes VIP não ficam presos muito tempo mesmo. Sempre conseguem uma medida cautelar ou são beneficiados com uma segunda chance. Quantas primeiras existiriam? Devido à alta rotatividade o número de acomodações VIP não cresceria significativamente. Nas próximas reuniões que fizeram, entenderam necessário o afastamento dos presídios para clientes comuns dos centros urbanos. Terras mais baratas eram mais interessantes.
Os aspectos institucionais da idéia foram resolvidos pelo Zé Tongo, misteriosamente, como de costume. O fato é que conseguiram vencer as concorrências para administrar o problema prisional. O velho defendia a colocação dos presídios para presos comuns, e os de alta periculosidade não diplomados, em terras que nem o MST queria. Conseguiram arrendar imensas áreas em terreno quase desértico.
Inicialmente levaram 750 presos para lá, acomodados em barracas, que providenciaram a construção das cercas e dos alojamentos para os 16 mil que se seguiram. Para guarnecer o local, contrataram a Gurka Security Guards, empresa indiana altamente qualificada. O velho insistiu para que a irmã do Zé Tongo seguisse na primeira leva. Não poderiam deixar aquela massa humana desocupada após a construção da hotelaria. Habituada a lidar com todo tipo de cliente, desde crianças de quatro anos até altos executivos de mais de 40, ela soube organizar atividades de recreação e de trabalho. Optou por desenvolver a pecuária de ovinos, em função do solo pobre – nada além de gramíneas – e da economia com carne que poderia ser feita. Começaram pagando meio salário mínimo àqueles que se dispusessem a trabalhar. Outros acabaram descobrindo que havia grande quantidade de pedras semi-preciosas naquele lugar. Parte dos convictos dedicou-se assim a extração de pedras. Os presos de melhor comportamento foram autorizados a se dedicar à pesca embarcada.
Em pouco tempo o Japa comunicou ao grupo que o retorno do investimento ocorreria dois anos antes do previsto. Decidiram aumentar o pagamento para um salário mínimo e instituíram a participação nos lucros. Os que não queriam ou não podiam trabalhar foram incluídos em grupos voltados aos esportes e educação. A UniCredo, braço universitário da Cotra, criou um campus avançado na URA – Unidade de Re-socialização Avançada. Criaram-se cursos de Ensino Fundamental, Médio e, principalmente, cursos técnicos.
Com o crescimento da produção de ovinos, a logística começou a ser um problema. Foi necessário começar a processar parte dos produtos primários ainda na origem. Novos ramos da Cotra surgiram nas áreas da logística e da indústria. A CotraLog comprou uma companhia aérea falida.
Fenômeno estranho ocorreu à medida que os primeiros clientes foram liberados. Ao invés de se afastarem dali o mais rápido possível, como seria de se esperar, optavam por pedir emprego lá mesmo ou na vila que se formou do lado de fora da cerca. Muitas famílias de clientes vieram também morar na vila e acabaram empregadas nas atividades de suporte a URA. Em pouco tempo foi necessário transformar a vila em algo mais estruturado com escolas, templos, mercados, hospital, etc. Foi necessário dar-lhe um nome também. Vila Presídio não ficava bem. Acabaram escolhendo o nome do primeiro cliente a desembarcar por lá, um tal de Sidinei, hoje capataz da construção de novos prédios. Hoje Vila Sidinei recebe migrantes não presidiários, a procura de um emprego.
Novamente reuniu-se a cúpula do Grupo Cotra para escolher um nome para o lugar que procurava emancipação política. A econômica já tinha há muito. O Velho acendeu um dos seus adorados Cohibas e deu uma boa baforada, enquanto olhava fixo para o mapa pendurado na parede. Soltando a fumaça, em círculos, exclamou: - Austrália!
Nada falei sobre a parte VIP? Não falei por que não há muito a falar. Raimundo optou pelo rompimento do contrato, apesar da pesada multa. Chegaram a criar uma cidade com prédios todos iguais, infra-estrutura de primeira. A construíram longe do centro de poder da época, nos moldes da Austrália. Os clientes de lá eram muito exigentes, reclamavam que a lagosta viajava muito e acabava com a carne dura por ficar indisposta; o vinho sacudia muito no transporte; o clima era muito seco; quando o faziam, só trabalhavam de terça a quinta; passavam o tempo todo em jogos de alcaguete, e assim por diante. Aquilo só dava prejuízo. Boa parte dos recursos era desviada. Ficava à margem de tudo, de lagos e da sociedade. Chegou a ser batizada Vale das Sanguessugas. Hoje sei que tem outro nome, não me recordo qual.

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O Carimbo

O Carimbo

Por Paulo Heuser

Recebi hoje um documento carimbado. Examinei bem de perto para certificar-me de que se tratava efetivamente de um carimbo. Daqueles que faz Plâm! Aparentemente não é uma cópia feita por computador, é um carimbo mesmo. Coisa rara hoje em dia. Os carimbos fizeram parte da vida de gerações, menos das últimas. Havia carimbos para tudo. Nossas certidões de nascimento eram carimbadas e ainda colavam alguns selos nelas.
Um presente infantil muito comum era o conjunto de carimbos de figuras diversas. Ótimo presente para crianças na faixa dos três anos. Especialmente se os pais compraram um sofá novo em cetim branco. Paredes brancas perdiam completamente a monotonia. Minhas filhas ganharam conjuntos de carimbos da Mônica. Guardei um deles. Quando os carimbos foram abolidos no meu trabalho, e alguém exigia que algo fosse carimbado, além de assinado, eu mandava um Cascão impresso sobre a assinatura. Nunca mais pediram carimbos.
Na pré-escola aprendemos a fazer carimbos com batatas. Uma batata e uma faca de ponta faziam verdadeiras obras de arte. Do primeiro carimbo a gente nunca se esquece. Lembro do meu. Recebi aquele carimbo limpinho, com o nome da empresa, meu nome e cargo. Observei que havia uma marca para indicar o lado de cima. Abri a caixa da almofada, coloquei tinta e mandei minha primeira carimbada profissional. Confesso que treinei primeiro numa folha em branco. Com um certo receio de borrar. Após a nona ou décima carimbada veio a confiança.
Os caixas de banco carimbavam de olhos fechados, no escuro, sem dar uma tremidinha sequer. Após a automação, muitos devem ter dado carimbadas no ar. Se carimbos trouxessem felicidade eu teria conhecido o sujeito mais feliz do mundo. Trabalhava na CEEE, no edifício Força e Luz, na Rua da Praia. Lá havia um setor de atendimento ao público, que recebia pedidos de ligação de rede, segundas-vias, etc. Tudo o que de lá saía, por ele era carimbado. E não havia apenas um ou dois carimbos. Eram pelo menos 30, dispostos em uma caixa de madeira forrada com veludo verde, internamente. Coisa finíssima! Os anos de experiência lhe permitiam encontrar um carimbo sem olhar para ele, enquanto lia o documento que seria objeto da sua especialidade. Estendia a mão em direção à caixa e sempre voltava com o carimbo certo. Ou seriam todos iguais? Nunca havia pensado nesta possibilidade!
No clube onde minhas filhas praticavam ginástica olímpica havia um treinador armênio. Todos os três armênios que conheci na vida têm nomes que lembram marcas de lavadoras de roupas. Gostaria de saber como se chamam lá as marcas das lavadoras de roupas. Apelidamos aquele em especial de Garrimba. Após o pagamento da inscrição em um campeonato, ele carimbava a ficha de inscrição. Tudo bem explicado em armenguês por meio da frase: - Zenhor paga, eu garrimba.
Os carimbos nos seguiam por tudo, nas cartas, nos documentos militares, atestados, certificados, e tudo o mais que a burocracia inventou. Imagino como seria na época do lacre de cera. Os maiores carimbos sempre foram os dos tabelionatos. Há também uma porção de flechas e mãos apontando com o dedo indicador.
Quando minhas filhas iniciaram sua vida social, descobri que carimbavam a mão dos menores de idade na entrada das casas noturnas para evitar que comprassem bebidas alcoólicas. Conheci no trabalho um sujeito que operava um imenso carimbo que imprimia “Arquive-se” em letras garrafais. Imagine só alguém mais velho receber um Arquive-se, ao entrar em uma casa noturna para jovens. Aquele carimbo era tão grande que sua batida tinha um som mais de “Fulmine-se” ou “Arrase-se”.
Não sei como andam as coisas, mas até pouco tempo atrás se recebia um carimbo também para partir desta.
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24.7.06

O Real Valor do Produto

O Real Valor do Produto

Por Paulo Heuser

Assisto a mais uma apresentação de um maravilhoso produto. Considerando tudo a que já assisti ao longo dos anos, o mundo deveria ser diferente. Todos seriam felizes e todas empresas dariam lucro. Afinal, foram centenas de apresentações de produtos que solucionariam todos os problemas das empresas. E fomos bem alimentados, através de centenas de coquetéis, coffee breaks (intervalos de café), wellcome coffees (cafés de boas vindas), almoços e outros tipos de lanches menos comuns.
A experiência me fez acreditar que a utilidade real do produto é inversamente proporcional ao número de refeições servidas durante a apresentação do mesmo. Se o evento de lançamento do produto incluir wellcome coffee, coffee break, almoço, novos coffee breaks e coquetel, certamente a coisa será quase impossível de ser vendida. A real utilidade do produto pode ser calculada através de um algoritmo de Marketing Quântico que estabelece um índice de utilidade real. Se este índice for muito alto, temos o PPI – Paradoxo do Produto Ideal, que sugere a inexistência deste. O que mais se aproxima no mundo real é a agulha para desentupir fogão, vendida pelo ambulante. Os eventos para divulgação de produtos de valor muito elevado – produtos de valor desagregado - são bastante semelhantes.
8h30 – o horário de início impresso no convite deve ser o da matriz, em outro fuso horário. Deparo com uma sala deserta e escura. Na recepção do hotel informam que o “pessoal já está descendo”.
8h55 surge um batalhão de lindas recepcionistas que não encontram o meu nome na lista de convidados, como invariavelmente acontece. Apenas o meu. Sempre o meu. Todos, menos eu, ganham crachás personalizados, bonitinhos, com a foto da mascote. O meu está superpersonalizado, escrito a pincel atômico. Fico com aquele ar de penetra de coffee break. Os previamente identificados recebem uma pasta contendo alguns papéis e um kit contendo caneta com rímel à prova d’água, caleidoscópio, saca-rolha e o que parece ser um quimono. Recebo apenas os papéis. Estão em alguma língua eslava.
9h20 – surge o batalhão de vendedores. Sorridentes, cumprimentam estranhos como se fossem irmãos, dando amplo tapa nas costas.
9h45 – as lindas recepcionistas convidam para o wellcome coffee no Salão Burujucutu. O garçom que serve o café me dá medo. Não sei se é um cacoete, mas ele coloca a ponta da língua para fora do canto da boca e fecha os olhos cada vez que entorna o bule. Creio que ele conta o tempo. O fato é que consegue parar de servir quando a xícara está cheia, mesmo de olhos fechados. Talvez por isto deixe o dedo dentro da xícara.
10h20 – passamos à Sala Brucupiruju para o início da apresentação. O Diretor de assuntos mercadológicos para as Hébridas, Marquesas e Brasil abre o evento falando da satisfação de estarrrrr..... Acordo sobressaltado, pois trocaram o sujeito, o novo anda de um lado para o outro contando piadas. Parece saído de um programa de auditório de sábado à tarde.
10h35 – somos convidados para o coffee break. Mesa farta, biscoitos finos, canapés, salgadinhos de massa podre (no bom sentido), sanduíches abertos, café, sucos, ou seja, um verdadeiro festim. Há risoles. Nunca os entendi. Do que serão feitos? Massa para calafetar frita? Os evito, não quero passar o resto do dia falando com a Dona Azia.
11h15 – com os estômagos forrados, vamos à nova palestra. Com forte sotaque francês, uma mulher explana a nova política de vendas da empresa ACME do Brazil Corp, falando inglês. Resolve então dispensar a tradução e seguir em frente em português, língua que dominara na sua primeira estada no País. De uma semana, faz oito anos. Até tentamos entender o genérico do Esperanto que ela falava. A tradutora também. Após gaguejar algumas coisas em holandês e finlandês, desistiu. E lá se vai nossa feliz colonizadora discorrendo sobre sei lá o quê naquela estranha língua, versão pós-última flor do Lácio, esta feia além de inculta. Ela deve ser aquela que tropeçou e não conseguiu fugir da Torre de Babel. Daí veio a glossolalia – falar línguas estranhas – praticada por pregadores.
11h19 - O sono se foi. A agonia supera qualquer sonolência decorrente da digestão do banquete. A coisa fica realmente emocionante quando nossa palestrante resolve interagir com a platéia. Caminhando aleatoriamente em meio aos assustados ouvintes, pára defronte algum e faz uma pergunta ininteligível, cara a cara, olho no olho. O pobre coitado que não entende por que foi o escolhido, muito menos do que se trata, balbucia algo em resposta. Como recompensa, ganha uma haste com uma bola de metal na ponta. A utilidade do brinde é tão identificável quanto a língua que ela fala. Para outros, que balbuciam e gemem algo mais longo, dá também uma régua preta sem escala. Será um instrumento para autoflagelo?
11h40 – salvos pelo almoço grátis. Agora entendo por que free lunch – almoço de graça - não existe. Pagamos com a tortura das apresentações. Longe daquela mulher, sinto um grande alívio. Podemos nos expressar em português novamente. Ou em qualquer outra língua conhecida. O cardápio é o padrão evento em hotel – arroz branco, strogonoff, caco de vidro (batata-palha), peito de frango ao molho Béchamel, legumes na manteiga e peixe à Belle Ménière. O garçom que pisca está servindo o strogonoff. Opto pelo peixe. E recuso o sorvete com calda de chocolate quente que ele serve a seguir. Noto o dedo marrom.
14h40 – as lindas recepcionistas tentam convencer os convidados encontrados acordados a voltar à Sala Brucupiruju. Assistimos a um vídeo de um caso bem sucedido da utilização do produto em um bar de praia nas Ilhas Marquesas. O piadista de auditório anuncia o sorteio de um fim de semana em Santos no próximo Ano Novo, partindo de São Paulo no dia 31, à tarde. Concorrerão apenas os que estiverem presentes no final do evento. O vídeo é narrado em francês. A glossolalista do Esperanto Genérico se apressa em fazer uma tradução simultânea, aos berros, para sua estranha língua.
15h05 – novo coffee break. O piadista anuncia que a mulher poliglota, ou melhor, panglota – que fala todas línguas ao mesmo tempo -, voltará com tudo após o intervalo. Inventamos (não fui apenas eu) hoje o coffee escape – fuga do café. Servidos de um cafezinho, andamos de costas em direção ao elevador, sempre sorrindo. Chegamos aliviados ao lobby. Os recepcionistas do hotel não conseguem entender por que todos que por ali passam deixam xícaras sobre o balcão da recepção.
15h09 - saio rápido do hotel, sem olhar para trás. Pena que não consegui descobrir o que vendiam.

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23.7.06

Morrer. Pouco, Medianamente ou Muito?

Publicada na Gazeta do Sul em 26/07/2006
Morrer. Pouco, Medianamente ou Muito?

Por Paulo Heuser

Leio no jornal de sexta-feira que a Câmara e o Senado aprovaram por unanimidade um projeto de lei que altera o art. 218 do Código de Trânsito Brasileiro. Esta alteração cria uma faixa intermediária de excesso de velocidade e três valores para as multas. Trocando em miúdos, reduz o valor das multas aplicadas aos infratores que forem flagrados ultrapassando o limite de velocidade, em até 50%. Aí se entende o por que da unanimidade.
Nesta época os projetos estilo tira-um-bode-da-sala se tornam muito populares. E o presidente não será bobo em vetá-lo. Veja as armadilhas do FGTS das domésticas e do reajuste das aposentadorias. Deixaram o Presidente de calças curtas. Neste caso do art. 218 do CTB a alegria é geral, dos legisladores aos infratores. Quase geral. Os policiais rodoviários vão ter de juntar mais pedaços humanos.
Tudo que vejo a respeito dos perigos da velocidade excessiva no trânsito diz respeito à crescente dificuldade em se parar o veículo. Pouco se fala no que acontece quando o veículo colide. Sem utilizar muito fisiquês, apenas o que aprendemos ou decoramos no ensino médio, podemos ver que corpos em movimento possuem uma energia cinética. De onde veio? Do combustível que se queimou. Quando o carro colide com outro objeto essa energia tem de ser dissipada até que este e aquele atinjam a imobilidade. Acredite na conservação da energia, funciona assim mesmo. Lembra do bife e do croquete?
Quando os dois objetos ficarem imóveis a energia cinética terá se ido, ou melhor, se transformado. No quê? No estrondo da colisão, em calor e, principalmente, na força que deforma os objetos envolvidos na colisão, inclusive nós. Os carros de corrida desfazem-se espetacularmente em pedaços para absorver o máximo possível da energia cinética antes de deformar, digamos assim, o piloto.
Os carros de passeio modernos são projetados para deformar-se progressivamente durante as colisões. Não, não é para aumentar a despesa do reparo. É para proteger os ocupantes. Aí você dá uma de espertinho e coloca um gancho fixo para reboque no agregado traseiro do seu carro, não é? O carro de trás que se dane na colisão. Muito esperto, a energia que seria absorvida pela deformação do pára-choque agora é absorvida pelo seu pescoço. Perdem o seu mecânico e os pedestres que tropeçam naquela peça, ganha o seu ortopedista.
As velocidades e a massas dos objetos envolvidos entram no cálculo da energia cinética. Só que a velocidade entra ao quadrado (K=½ mv2). Ou seja, a energia cresce tremendamente à medida que a velocidade aumenta. Assim cresce a probabilidade de nos transformarmos em algo, digamos assim, morto. Um automóvel médio trafegando a 50 km/h adquire energia cinética de aproximadamente 96,5 kJ. O mesmo automóvel trafegando a 150 km/h adquire energia cinética de 868 kJ. Ao triplicar a velocidade aumentamos nove vezes o estrago que será produzido durante uma colisão. E aumentamos nove vezes a capacidade de transformar quem está lá dentro em objetos inanimados e disformes. Mortos.
Certo, chegaremos antes ao destino. Seja este qual for. E seja com que roupa for, esportiva ou de madeira. Até agora podíamos apenas morrer pouco ou muito. Após a sanção nova da lei poderemos morrer pouco, medianamente ou muito. Morrer e matar. Ou viver. É o livre arbítrio.

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21.7.06

Terroirismo ou Mcdonalização?

Terroirismo ou Mcdonalização?

Por Paulo Heuser

Calma, é "terroirismo" mesmo.
Meu poder aquisitivo me faz passar longe dos vinhos franceses. Dos que prestam, pelo menos. Acabo me concentrando nos nacionais, chilenos e espanhóis. Confesso, alguns argentinos também. Dos portugueses e italianos pouco conheço. Ou seja, não sou um consumidor de vinhos franceses. Provavelmente seria, se pudesse.
Ontem assisti a um filme sobre vinhos franceses – Mondovino (2004), de Jonathan Nossiter. O que me chamou a atenção neste documentário não foi o vinho propriamente dito. Foi a prática comercial por trás da produção. Graças ao terroir, os vinhos de localidades até próximas umas das outras podem ser muito diferentes. Terroir é uma palavra francesa que identifica o conjunto formado pelo solo e pelo clima das pequenas regiões produtoras. O dicionário Laurousse de Vinhos inclui a mão de obra do trato da uva no terroir.
Por incrível que pareça, aquele que praticamente define quem é quem entre os vinhos franceses é um norte-americano, Robert M. Parker Jr. É o mais respeitado crítico de vinhos do mundo. Seus pareceres podem levar as adegas francesas ao topo ou ao fim do ranking de melhores vinhos do mundo. Sua língua e seu palato estão segurados por alta quantia. Adoraria ver uma minuta do contrato de um seguro desses. Haverá cláusulas específicas para queimaduras por pastéis estilo "vento preso", ingestão acidental de chumbo derretido ou Kartoffeln (batatas) de Oktoberfest (Oktoberfest mesmo!)?
Há uma grande disputa entre os tradicionais produtores de vinhos terroir e outros setores mais progressistas que fazem um vinho mais homogêneo, de mercado. Para se produzir um vinho considerado terroir é necessário evitar qualquer adição de produtos ou corte com uvas de outros locais e utilizar pipas velhas de carvalho ou tonéis de aço. Por quê? Porque o carvalho novo exacerba o gosto da madeira, impedindo ou dificultando a identificação do terroir.
Os produtores de vinhos de terroir resistem à homogenização por que perderiam o diferencial do local, ou seja, perderiam no preço. Claro que parte destes produtores quer manter o terroir para manter a tradição de muitos séculos, ou seja, orgulham-se do que produzem. O preço sobe muito também pela limitação de área da região. Não é possível plantar mais parreirais. Isto limita o número de garrafas produzidas. Um vinho de terroir bem classificado na lista de Parker tem seu preço nas nuvens. Estes produtores foram apelidados de "terroiristas", pois manteriam propositadamente os preços altos.
Os defensores da homogenização alegam que bons vinhos ficam mais acessíveis quando o terroir deixa de ter importância. Esta prática foi apelidada de "mcdonalização” do vinho. Na França se usa também o termo "carrefourização", como sinônimo de popularização.
Por que estou preocupado com os grandes vinhos franceses se eu e a maioria de vocês não podemos comprá-los? Por dois motivos. O primeiro é a tendência à extinção dos produtos que agregam alguma tradição e diferencial, também pelas bandas de cá. O fenômeno é semelhante.
Faz anos que você e sua família compram um queijo especial, um embutido, cuca ou qualquer outra especiaria, produzidos artesanalmente em alguma biboca do interior. São encontrados apenas na localidade e, eventualmente, em alguma banca do Mercado Público. Aí o filho do dono da fábrica da biboca estuda administração e vem com idéias inovadoras a respeito de conquista de novos mercados e redução do custo de produção. Assim que vovô ou o papai se aposentam, o filhinho empresário entra em cena.
Aquilo que era uma especiaria vira um produto fabricado em larga escala com insumos padronizados, vendido em grandes cadeias de supermercados. A carne dos porcos da Frau Schweinschlachter, lindeira da fábrica da biboca, dá lugar à carne dos porcos automatizados do grande frigorífico. Foi-se o terroir – porcoir, no caso? – da lingüiça da biboca. Sabe lá o que os porcos da Frau comiam? Perdem a Frau Schweinschlachter, os antigos clientes e a fábrica, que agora terá de enfrentar a concorrência daqueles grandes frigoríficos com nomes relacionados às aves. Vão-se o nome e a tradição. Quem veio do interior, sabe.
Este foi o primeiro motivo, não foi? O segundo tem a ver com as comemorações pós-campanha. O que seria delas sem o Romanée-Conti, Grand Cru da Borgonha, ou o Château Lafite-Rothschild, de Bordô? Os marketeiros apreciam.

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20.7.06

O Arquiteto

O Arquiteto

Por Paulo Heuser

Quem cruza pela Mauá no Centro de Porto Alegre já deve ter observado um sujeito maltrapilho que labuta nas proximidades da última estação do trem. Impossível passar despercebido. Ele geralmente se encontra no meio da avenida, provocando o balé dos automóveis ao estilo do aquecimento de pneus dos carros de corrida. Quem há muito passa por lá já conhece os prováveis locais onde exerce sua atividade. Assim, reduz a velocidade e fica atento.
Não sei o seu nome, vamos chamá-lo apenas de Arquiteto. Ele constrói estruturas no meio das pistas da Mauá. Inicia cedo, logo após o nascente. As estruturas assumem formatos circulares, conforme alguma regra desconhecida. É um especialista em natureza morta, tanto na sua aparência pessoal como nos materiais que emprega para compor suas obras – paus e pedras, basicamente.
A primeira atividade do dia é a varrição do local que receberá a obra do dia. Aí que inicia o concerto para pneus, lonas de freio e palavrões, proferidos pelos motoristas. Arisco, o Arquiteto varre logo após a curva da estação do trem, dificultando a sua visão por parte dos desavisados condutores. Após anos de encontros inesperados aprendi um truque. Sempre utilizo a pista do meio. O Arquiteto preferia a da direita, até cercarem a estação do trem. Guardava seu material junto à estação. Agora o tenho visto na pista da esquerda, junto ao meio-fio.
Uma vez limpo o asfalto, com uma vistosa vassoura cor-de-laranja, inicia-se o processo de construção propriamente dito. Algumas pedras colocadas em círculo produzem uma coisa semelhante à maquete das estruturas de Stonehenge - aquele círculo misterioso, no Sul da Inglaterra. A colocação de paus e galhos secos dispostos em alguma ordem misteriosa completa a obra.
Stonehenge foi construída por volta de 2950 a.C. Atribui-se sua construção a uma variedade de povos que vai dos celtas aos habitantes do Continente Perdido da Atlântida. Estes provavelmente não tinham de desviar de automóveis nem de um Viamão articulado. Perene, sua obra é visitada por milhões de turistas e aficionados do ocultismo. As obras do Arquiteto são efêmeras. Duram até o primeiro ônibus passar.
Olhando rapidamente para o Arquiteto, constato que está mais para a imagem que faço de um celta do que a imagem que Hollywood me deixou dos habitantes da Atlântida. Só consigo olhá-lo rapidamente mesmo. Quem observa o Arquiteto está sempre de passagem. A não ser que ocorra um engarrafamento. Ali não é muito comum. Torço para que ocorra algum, pois seria a oportunidade quase única de indagar o Arquiteto sobre a utilidade da sua obra. Poderia dar uma boa pista sobre a utilidade da obra de Stonehenge, igualmente ignorada.
Feitas por arquitetos fisicamente semelhantes, com aparência arquitetônica semelhante, as obras daqui e a de lá devem ter utilidade semelhante. Procurei e encontrei um livro, na minha arriada biblioteca de índice aleatório, intitulado Eram os Deuses Astronautas? (Chariots of the Gods) de Erich Von Däniken. Este autor atribui as construções das Pirâmides do Egito e de Stonehenge aos alienígenas. Não há nada lá a respeito das obras da Mauá. Certo, minha edição é de 1969 e o Arquiteto ainda não havia assumido sua obra. Talvez haja algo nas edições mais novas.
De alienígenas calvos como o Arquiteto os filmes do gênero estão recheados. Cabelos devem se perder ao longo da evolução e os alienígenas são mais evoluídos, não é? Mas, maltrapilhos?

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19.7.06

Sorte Com os Cavalos

Sorte Com os Cavalos

Passei ao lado de uma caminhonete muito velha, estilo "Faco Careto". O que me chamou a atenção foi uma miniatura de um cavalo de madeira colada sobre o capô do motor. Imaginei o estrago que aquilo faria numa vítima de atropelamento.
Há quem tenha muita sorte com os cavalos, seja nas apostas, seja na vida. Nas janelas da casa de uma ex-colega do colégio estava gravada uma inscrição em alemão, cujo texto não me recordo exatamente, a respeito da sorte daquela casa estar sobre o dorso dos cavalos. A ex-colega formou-se em Medicina Veterinária e trabalha com cavalos. Estes fazem parte da vida dela e da sua família. Uma das minhas filhas também se dá bem com os eqüinos, consegue cavalgar horas a fio em sintonia com a montaria.
Minha relação com os cavalos não é tão boa. Numa linda noite de verão na praia, faz alguns anos, no tempo em que não havia cerca ao redor dos terrenos, deixei o jogo de canastra de lado para fechar as janelas. Entrei no quarto escuro que dava à frente do terreno e puxei a veneziana. Dei de cara com dois imensos olhos me encarando, apavorados. O pavor foi mútuo. O cavalo disparou por sobre o muro, ou do que restou dele, e eu para o interior da casa. Consegui ouvir um relincho por detrás do meu berro de pavor. A seguir, um estrondo, um galope e o silêncio. Quando o nível de adrenalina retornou a um patamar aceitável, acendi a luz externa e fui conferir o quintal. Descobri marcas de cascos de cavalo no gramado e a falta de um pedaço do muro de tijolos. Isto explicava o estrondo. O cavalo apavorado traçara o caminho mais curto para fora do terreno, através do muro.
No dia seguinte encontrei o mesmo cavalo, presumivelmente, pastando tranqüilo no terreno baldio ao lado. Estava amarrado ao sólido tronco de um pé de mamona. Enquanto eu pensava no que fazer para evitar nova invasão, um vizinho festeiro apareceu inadvertidamente com a solução. Ainda comemorava a passagem de ano, com uns 27 dias de atraso, e resolveu soltar mais um dos inesgotáveis foguetes. O som do lançamento da carga explosiva fez o matungo sair a galope arrastando o pé de mamona. Quando a carga estourou o dito cujo já virava na esquina. Recordo que à tardinha apareceu um sujeito montado numa Caloi Ceci, indagando sobre o cavalo. Lembro bem porque a bicicleta era cor-de-rosa.
Eu ainda posso me considerar feliz. Há quem tenha uma relação pior com os cavalos. Meu amigo Hugo, por exemplo, tem uma casa numa praia que poderia ser chamada de Jardim do Éden Após O Primeiro Despejo. Só havia animais lá. Constatou isto ao lá chegar numa noite de sexta-feira, fora da temporada, e deparar-se com um espécime da fauna local. Um cavalo, por sinal. Não era um cavalo qualquer, daqueles que você faz chô cavalo e ele vai embora. Este era especial. Estava morto. Não morto apenas. Estava morto no alpendre da entrada, bloqueando a porta. Como não havia morrido exatamente naquele dia, assumira dimensões volumétricas nada usuais para um cavalo, mais compatíveis com as de um hipopótamo da safra. Escolhera a casa do Hugo para o seu último estertor. Singela homenagem que anônima mascote prestara ao seu desconhecido dono. Tocante!
Há casos eqüinos ainda piores. Você sabe aquela do sujeito que trocou o Acre por um cavalo?

Amigos Para Sempre?

Publicada na Gazeta do Sul, coluna opinião, em 21/07/2006
Amigos Para Sempre?

Por Paulo Heuser

Chegando ao trabalho, ontem pela manhã, me surpreendi com uma placa de propaganda eleitoral em um poste da Rua Siqueira Campos. Nada pequena, media um metro por meio metro, mais ou menos. Sabedor de que a prática de afixar placas de propaganda eleitoral nos postes está proibida, olhei ao redor, procurando outras. Nada, apenas postes limpos, nem propaganda de cursinhos preparatórios, nem de conserto de persianas. Olhei novamente - será que apenas eu estava vendo? Matei a charada ao cruzar pelo poste. Havia um sujeito segurando a placa contra o mesmo. Ou seja, não estava afixada.
Dou a mão à palmatória. Os marketeiros políticos são realmente criativos. Não sei o que ocorre quando bate a fiscalização do TRE, feito rapa eleitoral. O homem-poste – ou outdoor humano - sai correndo e assoviando para dar o alarme? Ou então, afasta a placa a um centímetro do poste e discute semântica eleitoral com os fiscais?
Esta é a época dos amigos. Somos cumprimentados alegremente pelos novos amigos ao chegar ao trabalho todas as manhãs. Até outubro, novembro no máximo. Depois, só em 2008. É a vantagem de se trabalhar em um prédio grande. Os novos amigos se concentram ali para fazer o maior número de amigos no menor tempo. Vêm em grupos. Aparentemente não são tão amigos entre si, apesar de os grupos diferentes subirem num palco e cantarem juras de amor. Só falta o Julio Iglezias ao fundo cantando Amigos Para Sempre.
Em outras épocas aparecem os vizinhos. Nunca os entendi muito bem. Completamente estranhos, falam algo a respeito de conselho tutelar, ou algo parecido. Também sorriem, muda apenas o tratamento. Estes nos chamam de vizinhos. Nunca os vi perto de casa.
Os novos amigos nos tratam por amigo, companheiro, camarada ou cidadão. Na sexta-feira passada uma nova amiga me tratou por “meu jovem”. Levou minha amizade, instantaneamente. “Meu companheiro” pode trazer algum comprometimento, especialmente se partir de uma nova amiga jovem e bonita e você estiver acompanhado do cônjuge. Terá de explicar essa amizade em casa. Ou na vara de família.
Não é para menos que o brasileiro é tão famoso por fazer amizade facilmente. Temos esta institucionalizada, a cada dois anos, com direito aos vizinhos nos interregnos da amizade. Os vizinhos só se tornam amigos no condomínio, na véspera da eleição para o novo síndico. No dia seguinte voltam a vizinhos. Ou nem tanto.
Esta proibição de poluir as ruas e avenidas com a propaganda dos novos amigos deve estar cozinhando o cérebro dos marketeiros. Estarão à cata de novas oportunidades para afixação de propaganda. Nas fronhas de travesseiros de motéis, por exemplo. Quem sabe nos espetos das churrascarias de rodízio? Ao cortar um pedaço de carne surge o nome do amigo. Nas carnes poderia ser utilizado um carimbo azul, com o número do amigo, semelhante àquele da fiscalização sanitária. As agremiações que utilizam o vermelho sairiam perdendo nas carnes malpassadas. O fio dental poderia ser um local para declarar amizade aos extremamente míopes.
Nas sinaleiras não se podem nem se devem afixar as placas dos amigos. Além de ser proibida aos amigos a colocação, elas geralmente estão escondidas atrás dos galhos das árvores, o que dá um efeito muito bonito à noite, tirando a visibilidade da propaganda. É lindo de se ver as luzes verdes, amarelas e vermelhas piscando por detrás das folhas – é Natal!
Se você é um tipo turrão, que não acredita em novas amizades, ao menos poderá acreditar no Bom Velhinho.

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18.7.06

Privilégios

Privilégios

Por Paulo Heuser

Sábado comprei uma lata de carne para cachorro. Não para mim, foi para a cadela Poodle. Compro a carne em lata nos dias que asso churrasco. Assim o bicho não fica tão desesperado com o cheiro que sai da churrasqueira. Por que não dou a carne do churrasco? Porque é muito gorda, dá um revertério no intestino da coitada.
Olhei para o preço da carne para cachorro e cheguei à conclusão de que é mais cara do que a carne para consumo humano. Pela cara de felicidade do cachorro no rótulo, dá até vontade de provar. Pelo preço deve se tratar de filé mignon.
Noto uma estranha tendência a tornar os produtos, de uso animal, mais atraentes do que aqueles para consumo humano. Tome o exemplo da embalagem das rações para cachorros. Resistentes, coloridas, bem impressas e impermeáveis. Agora olhe para as embalagens de arroz, feijão e farinha, por exemplo. Frágeis, com informações quase ilegíveis e deixando a luz penetrar. Alguém já ouviu falar da necessidade de escolher a ração? De feijão e lentilhas, com certeza. Alguém lava a ração antes de servi-la? O arroz, sim.
Esses cachorros de madame devem ter sido desenvolvidos, em laboratório, pelos fabricantes dos produtos para uso animal. Cachorro que se preza pode roer ossos, os de madame, apenas simulacros de couro. Soltos na natureza, devem durar menos do que uma semana. São idiotas. Vira-latas sobrevivem não apenas pelo imenso espectro de alimentos que podem ingerir. São espertos também, conseguem atravessar ruas em meio ao trânsito intenso. Por isto estão aí. Os que não sabem, já foram.
Os privilégios caninos não ficam por aí. Na área da medicina canina – veterinária é coisa para cavalos e bois – o tratamento dispensado também é muito superior àquele dispensado aos humanos que pagam a conta. Você por acaso é buscado em casa, semanalmente, para ir ao médico fazer revisão? Se for, provavelmente já estará em negociação de um imóvel nos altos da Oscar Pereira ou na Lomba do Pinheiro. Os cães são buscados, mesmo quando sadios. E mais, cortam seu cabelo, lhe dão banho e cortam as unhas? Já lhe fizeram uma poda higiênica? Deve ser um espetáculo estranho. Por acaso lhe entregam em casa, feito o tratamento? Se a sua resposta for sim, para todas perguntas, menos a da poda higiênica, você deve estar morando em uma casa geriátrica. Se sua resposta for sim para todas as perguntas, você deve ser um cão.
Você sabia que os impostos cobrados sobre medicamentos de uso animal são menores do que os cobrados sobre os medicamentos de uso humano? Certo, você sempre pode fazer um plano de saúde Golden Bone. Não esqueça de ensinar ao cão os sintomas da sua doença.
Os filhos perderam terreno para os animais de estimação. Você pesquisa preços antes de comprar sucrilhos, achocolatados e iogurtes para seus filhos. Eles podem se acostumar com outra marca, não é? A marca do alimento canino que você compra e sempre aquela que o miserável gosta. Coitado, imagine só se ele não gostar ou for alérgico!
A perda de território dos filhos se fez sentir também nas lojas de vestuário infantil e brinquedos. Cresce vertiginosamente o número de Pet Shops. Aquelas desaparecem.
Temos muita sorte. Já imaginou se cachorro gostasse de televisão? Você teria de se acostumar com a novela das oito - Cheiradas Mútuas. Os programas de auditório até que estão bem compatíveis.
Coisa difícil de se espetar, tenho de arrumar espetos mais finos.

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17.7.06

Água É Energia?

Água É Energia?

Por Paulo Heuser

Finalmente entendi por que há garrafas d’água, tipo PET, sobre as casinhas dos medidores de energia elétrica em frente às propriedades em algumas estradas do interior, onde antes se via um tarro de leite à espera do caminhão. A garrafa d’água desafiava a minha imaginação. Tive vontade de parar e perguntar o porquê. O medo de pagar mico superou a curiosidade.
Até que um dia, não agüentando mais de curiosidade, parei na estrada junto a dois sujeitos que conversavam ao lado de um medidor de energia com uma garrafa d’água sobre ele. Minha abrupta chegada interrompeu a conversa e passaram a me olhar desconfiados. Perguntei meio sem jeito o porque da garrafa estar sobre o medidor. Os dois sujeitos, com aparência de quem se chamava Alirípio e Ananério - série dos actinídios na tabela periódica dos elementos? -, trocaram um olhar de espanto e desataram a rir. Rir é eufemismo, gargalhavam mesmo. Tanto que não conseguiam responder. Apenas apontavam para a minha humilhada figura e iniciavam nova seqüência de gargalhadas.
Sumi dali o mais rápido possível, já que o pessoal que esperava o ônibus, do outro lado da estrada, começava a cruzá-la para entender a piada. Antes de fechar a porta do carro ainda consegui ouvir um comentário, em meio ao choro de riso, a respeito da esperteza do pessoal da cidade grande. Coloquei uma pedra sobre este assunto.
Passado algum tempo, nova viagem, e aquelas malditas garrafas me desafiando a curiosidade. Pensei em inúmeras possibilidades. Devido à seca os recolhedores do leite estariam fazendo escambo por água? Ou por aguardente? Seria uma forma de aplacar a sede de eventuais andarilhos? Passaria por ali algum ministro religioso que faria a benzedura a domicílio? Teriam lançado o leite tipo Z, com zero por cento de proteínas, gordura e cálcio? O mistério aumentou quando vi uma garrafa ao lado do tarro de leite. Obviamente não se tratava de escambo. A não ser que se tratasse de duplo escambo. Restava ainda a possibilidade de a água estar ali para ser bebida pelo recolhedor do leite. Mas, todas estavam cheias até os gargumilhos.
Esqueci este assunto até o almoço de hoje. Em meio a outro assunto qualquer, surgiu o comentário de que estariam colocando garrafas d’água sobre os medidores de energia para reduzir a conta de luz. Assim como há dias da caça e há dias do caçador, há dias de Alirípio e Ananério e há os meus. Tive um acesso de riso e acabei quase engasgando. Recomposto, pedi detalhes.
Há uma crença na capacidade da garrafa d’água de reduzir o consumo de energia medido. O que faz algum sentido, se a água for derramada sobre o medidor. Após o curto-circuito não medirá mais nada. Por trás de muitos mitos há alguma justificativa plausível, ao menos em parte. Dá-se chá de carretel aos acometidos de diarréia porque em algum momento no passado os carretéis de linha foram pintados com tinta a base de carvão. Hoje não faze sentido, mas um dia fez.
O Alirípio e o Ananério que me desculpem, não consigo achar explicação para as garrafas deles. Estou louco para parar defronte a entrada da propriedade e desatar a rir. Será que me chamarão de louco? Não faz mal, será minha vingança.
Há algo que ainda me incomoda. Hoje fiz uma pesquisa e descobri que a companhia de distribuição de energia condena aquela prática. Por que o fariam? Teriam descoberto a Energia D’Água? Estarão com medo de ficar no prejuízo?

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16.7.06

O Fim da Dialética

O Fim da Dialética

Por Paulo Heuser

Quando estudei Teoria Econômica, bem antes de ontem, assisti a duas aulas especiais, na forma do programa Pinga Fogo da TV Educativa. Foram dois debates entre Luis Carlos Prestes, da Coluna Prestes, e o ex-senador Roberto Campos. Dois homens geniais situados em pontos diametralmente opostos da ideologia política. Tese e antítese colocadas frente a frente, o comunismo versus capitalismo, defendidos pelos seus maiores expoentes no País.
Ambas as teses foram defendidas com inteligência, brilhantismo e educação. Aquelas duas aulas não foram apenas duas aulas fantásticas de Teoria Econômica. Foram duas aulas de dialética.
O método dialético, considerado o próprio método do aprendizado, baseia-se na síntese das idéias a partir de uma tese e uma antítese. Uma nova idéia construída a partir de argumentos e contra-argumentos. A pesquisa científica baseia-se na dialética. Naqueles debates entre Prestes e Campos a dialética pôde ser vista na prática. Ora a tese era o comunismo, defendido por Prestes, com o capitalismo, defendido por Campos, como antítese, ora o contrário.
Os alunos construíram sua própria síntese ao longo dos programas. Lá, e então, entendi definitivamente por que a Filosofia ensina o homem a pensar. Ninguém saiu de lá como entrou. Todos ali construíram um novo modelo de economia política, processo que poderia continuar ao longo da vida, se houvesse oportunidade. Que tipo de oportunidade? Outros debates, feito aqueles, com novos debatedores, mais atuais, mais centrados no mundo pós-Prestes e pós-Campos.
Por que não os temos mais? Creio que deve ter algo a ver com as campanhas eleitorais. Campos e Prestes, no Pinga-Fogo, não estavam em campanha. Seu amanhã não dependia da sua performance naqueles debates. Sua história já os construíra. Os atuais debates envolvem eternos candidatos que concorrem a cada dois anos a novos cargos eletivos. Muitos foram destruídos pela sua própria história. Outros tiveram sua história destruída pelos seus partidos.
Estamos perdidos na salada de siglas que tem em comum o Pê e, aparentemente, todo o resto. Há os desvirginados faz muito e os há nem tanto. Virgens mesmo apenas os novos. Esta falta de pureza, torna os debates mais acalorados e centrados nos deslizes éticos dos representantes dos partidos. Tentam provar desesperadamente que são apenas infiéis. Os outros seriam piores. Talvez seja o caso de se desenvolver um infidelímetro, dispositivo para medir a infidelidade do candidato com as idéias publicamente declaradas.
Nos atuais debates mede-se a quantidade de lama que um candidato consegue colar nos outros. Provavelmente Campos e Prestes sairiam dali derrotados. Não por máculas anteriores, mas pela incapacidade de defender o indefensável e pela sua honestidade e coerência política. O perigo não está no contraponto, está na incoerência. O incoerente não merece confiança.
Os novos debates concorrem com os programas de auditório. Falta apenas a claque. Qualquer deslize pode levar à derrota. Uma palavra a mais ou inserida num contexto errado termina com um longo trabalho de construção da imagem do candidato. A necessidade de sempre falar o que o povo quer ouvir transforma esses debates em espetáculos monolíticos sem teses e sem antíteses, restando apenas uma pseudo-síntese pré-fabricada. Defende-se furiosamente a mesma coisa, seja ela qual for, desde que tenha apelo populista. Todos prometem coisas irrealizáveis, como erradicar a miséria no País em quatro anos.
É fácil criticar sem apresentar soluções? Realmente é. Mas, talvez possamos iniciar algo novo com o seguinte discurso de campanha:
- sou honesto, não prometo mudar o País em quatro anos, não penso na reeleição como um fim, acredito na política com ética (aceitável) e me alinho ideologicamente com esta ou aquela corrente por este ou aquele motivo.
Este poderia ser um pequeno exercício de dialética. Faça sua síntese. Poderá ser a sua próxima tese.

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13.7.06

Fecharam o Genésio

Fecharam o Genésio
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Por Paulo Heuser

Leio na Folha a notícia do fechamento prematuro do Genésio na madrugada de ontem. Acordei muito cedo, resolvi dar uma passada pelos jornais.
O Genésio, para quem não o conhece, é um bar da Vila Madalena, em São Paulo, reduto da boemia. Acostumados a deixar o Genésio nos primeiros raios de sol, os freqüentadores fugiram por volta da meia noite, com medo dos atentados terroristas que sacudiram a cidade.
A gota d’água – de fogo no caso – foi um coquetel molotov jogado contra um coletivo na Rua Fidalga, a mesma Genésio. Já havia fortes indícios de que São Paulo estava em guerra civil. O fechamento prematuro do Genésio apenas veio prová-lo definitivamente.
Mesmo durante os bombardeios de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, os pubs mantiveram-se abertos até a hora regulamentar. Os bares de Stalingrado também funcionaram, enquanto tiveram algo para servir, durante o cerco de 900 dias. O Genésio fechou mais cedo por falta de clientes.
Seriam os boêmios paulistanos menos fleumáticos e estóicos do que os londrinos e os russos? Ou a cena do adolescente jogando uma bomba incendiária num ônibus é mais aterrorizante do que as frias bombas que caiam do céu? Lá sabiam quem era o inimigo. Ele tinha bandeira, pátria, uniforme e se sabia quem o comandava.
Podia também ser classificado ideologicamente. Certa ou errada, havia uma ideologia. Aqui o que temos? A cleptocracia? Quem são, onde estão, misturados ao povo? Fazem parte do povo? Quem efetivamente os lidera? O que os inventou se sabe. E agora, esperamos a chegada de um exército salvador de outro continente? Nosso inverno, fraco, não vai vencê-los.
Nossa próxima eleição vem tarde, muito tarde mesmo. Se alguém sobrar para ser votado após um evento que ocorrerá em breve. O I CNCA - I Congresso Nacional dos Compradores de Ambulâncias. Resolverão boa parte dos problemas na área da saúde pública. Não restarão pacientes. Teria a impaciência, dos potenciais pacientes, levado à anarquia?
Nosso inimigo, ao contrário do exército alemão, não tem uma cara muito definida, seu uniforme é a roupa de toda gente, seus coturnos são os tênis velhos e os chinelos. Seus oficiais de ordens até podemos conhecer. Quem serão seus comandantes? Qual será sua ideologia?
Bem, chega de interrogações – contei 12 explícitas até aqui. Ao votar votaremos em partidos. O que os separa em partidos é a ideologia. Alguém aí sabe qual é? (treze). Eles têm alguma ideologia? (catorze).
Quando jogamos seres humanos, por mais desumanos que sejam, dentro de um fosso, assumimos a barbárie. Quando começamos a considerar fato corriqueiro, criamos o verdadeiro Risco Brasil. Para medi-lo, descubra a que horas o Genésio fechou.
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12.7.06

Minimalismo Chique

Minimalismo Chique

Por Paulo Heuser

Tenho notado uma tendência ao minimalismo nos ícones de consumo modernos. Pessoas importantes andam com telefones celulares, prateados, com flip, e a parte externa completamente lisa, despojada.
Há toda uma postura envolvida também. Preferencialmente deve-se utilizá-los enquanto se caminha, em ambientes amplos, numa direção qualquer, até chegar a uma parede ou outro obstáculo. Sem bater no obstáculo muda-se a direção e o processo continua. Aparência reservada e o olhar no infinito também fazem parte da atitude.
Tudo é muito similar ao comportamento das moléculas dos gases confinados em recipientes fechados. Movimentam-se aleatoriamente colidindo com as paredes do reservatório. A probabilidade de se encontrar uma pessoa importante falando ao celular com flip, prateado, num ambiente público, ou de trabalho, foi calculada inicialmente pelo austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844-1906).
O quê? Você notou que ele morreu muito antes da invenção do celular? Bem, ele ficou treinando com gases ideais e outras coisinhas enquanto esperava a invenção. Pena que demorou mais do que ele esperava. A equação acabou válida.
Noutro dia eu estava com o ego lá em baixo. Várias moléculas, digo, pessoas, andavam pela sala com seus celulares prateados, com flip, na orelha. Não sei como, conseguiam desviar umas das outras sem desviar o olhar do infinito. E eu com meu mísero celular preto, sem flip! Lembrei repentinamente do carregador de baterias da câmera digital. Lindo, prateado e de abrir ao meio (um flip finalmente!).
Não me fiz de rogado, abri o carregador, coloquei junto à orelha e saí caminhando pela sala. Consegui imitar bem a atitude. Os pinos para ligar na tomada, cromados, faziam um efeito estético todo especial. No meu havia duas antenas! Percebi os olhares disfarçados de inveja e admiração. Desde lá sempre levo um carregador no bolso.
Outro lugar onde se prova que menos é mais, é o shopping. Como se identifica uma loja que vende produtos caros e sofisticados? Não vale loja de geladeiras, fogões e televisores. Isto qualquer varejão vende. Falo de roupas caras, realmente caras. Identificam-se pelas vitrines.
Lojas caras apresentam vitrines completamente vazias, com exceção de um tronco de manequim sobre uma coluna neoclássica de gesso branco. Sobre um estrado de madeira clara. Tronco de manequim, porque não há cabeça nem membros. Também não veste roupa alguma. Apenas um colar de pequenas bolas brancas. Todo esse nada iluminado feéricamente por dezenas de lâmpadas dicróicas.
No interior da loja continua o minimalismo. Três vendedoras, vestindo conjuntos pretos de três peças, com ar triplo blasé, arrumam três peças de roupa em três cabides de três araras. Na parede oposta, três prateleiras de parede a parede (estas são apenas duas), com três peças de roupas em cada uma. Creio que andaram lendo Encontro com Rama do Arthur C. Clarcke. Todas as peças de roupa de mesmo número. Sem provadores, as clientes devem ter o manequim da grife, o contrário seria socialmente inaceitável.
Encontramos o minimalismo chique também nas bolsas femininas (nos bolsos certamente não). Minimalismo apenas nos materiais. Conseguiram fazê-las de papelão e chamaram de couro ecológico. Parece chique e politicamente correto. O preço é maximalista. Você leva papelão ao preço do couro do crocodilo nilótico de estimação da Cleópatra.
Já pensei em criar uma grife de bolsas minimalistas chamada Luis Vitão. Após a inauguração de uma loja em shopping, com uma imensa vitrine vazia, com exceção daquela bolsa de papelão sobre a coluna de gesso, três prateleiras, três bolsas, etc, espalharia os clones em pequenas e suspeitas lojas nas pequenas e suspeitas galerias do Centro. A original, com custo de fabricação de 15 reais, vendida por dois mil reais. As genéricas, de couro, com custo de fabricação de 50 reais, vendidas por 100 reais. Verticalização do negócio, do original ao falso.
Dá um ar verdadeiro ao falso, já que o verdadeiro tem ar de falso. Sei lá, talvez seja exatamente o contrário. Menos é mais! Senão, mais é menos!
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10.7.06

Bacon e Fé

Bacon e Fé

Após uma sexta-feira muito chata, com direito à tentativa de golpe do seqüestro, passei a maior parte do sábado e do domingo fazendo o que faço com alguma freqüência, cozinhando na paróquia. Não me importo de ceder alguns finais de semana por ano para atividades relacionadas à cozinha, já que sou chegado em um fogão. Normalmente piloto apenas o de quatro bocas, doméstico, mas não resisto ao desafio de um de seis bocas industrial, com queimadores duplos e acendimento manual.
Assemelha-se à situação do atravessador da Ceasa, com sua perua Fargo 48, que é convidado para correr na Fórmula Truck. Ali você descobre o que é um verdadeiro fogão!
O cardápio do dia foi feijoada completa. Completa significa completa mesmo! Com direito a todos aqueles entulhos que nunca passarão perto de uma prateleira de produtos light ou diet. Tudo de uma coerência total.
A feijoada poderia ser rotulada com adesivos do tipo “100% Colesterol” ou “Cholesterol Full”. Na entrada da cozinha poderia estar um cartaz com a inscrição “Por favor, não deixe seu cardiologista visitar a nossa cozinha”. Noutro poderia estar dito algo como “Fat is beatiful”, ou melhor, “Fat is flatusfull”.
Já havia cozinhado em outros eventos, cujo cardápio era um pouco mais leve. Na primeira vez em que cozinhei uma feijoada na paróquia, me senti culpado pelo provável entupimento das artérias de todas aquelas almas, 270 aproximadamente. Por que as coisas menos saudáveis são as melhores?
Fiquei ainda mais preocupado quando constatei que as almas já haviam rodado bastante, ultrapassando de longe a revisão dos 70 mil km. Neste sábado o mesmo sentimento de culpa retornou. Quilos e mais quilos de bacon, lingüiças de diversos tipos e calibres, salsichão, carne de porco, bacon novamente, mais bacon, pele, manta do bacon e, finalmente, muito bacon. Havia a aparentemente inocente farofa, frita no, adivinhe só, bacon. Uma feijoada dessas tem efeito semelhante ao das bombas atômicas. Inclusive no poder explosivo.
No domingo ao meio-dia, vencidos todos desafios, servida a feijoada, fiquei sentado olhando para toda aquela gente. Percebi duas coisas. Todos ali pareciam felizes. Conversavam, riam e aparentavam jovialidade incomum. O feijão não provoca toda essa felicidade. Teria algo a ver com o espírito de colaboração que reinava ali? Os que estavam trabalhando eram voluntários. Trabalhavam porque assim o desejavam. Os que vieram para almoçar a bomba vieram para colaborar com a paróquia.
Percebi também que Darwin fez um ponto. Os felizardos que estavam degustando nosso tributo às gorduras saturadas são o resultado da seleção natural. Os que não sobrevivem ao pièce de résistance provavelmente estavam em casa tomando uma sopinha, vítimas de continuadas feijoadas anteriores. Ou seja, à minha frente estava reunida uma gente privilegiada. E de fé.
Ou, teriam uma ajuda lá de cima?
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Paulo Roberto Heuser

7.7.06

O Pingüim e a Degustação

O Pingüim e a Degustação

O telefone toca. Estou jantando. Por que o telefone sempre toca enquanto estou jantando? A bina mostra um daqueles números bonitinhos, cheios de algarismos repetidos. A propósito de algarismos, por que o numeral quatro dos relógios que utilizam algarismos romanos é IIII, e não IV? Teria ocorrido a primeira reforma ortográfica do latim? Achei inúmeras explicações, mais ou menos plausíveis, desde Luis XIV, passando pela estética, até Júpiter. Ou seja, ninguém sabe mesmo. Deve ter começado com um relojoeiro semi-analfabeto e virou moda. Antes da brutal interrupção, tratávamos do telefonema. Atendo, a contragosto.
- Alô!
– Boa noite! Estou falando com o Sr. Paulo?
– Não, aqui é o pingüim da geladeira. O Sr. Paulo levou o crocodilo para passear.
– Sr. Pingüim, o senhor seria o responsável pela TV por assinatura? Aqui quem fala é Isaura da Anghumfn – operadora de TV. O senhor disporia de um minuto da sua atenção?
– Sim, desde que eu não precise descer da geladeira.
– Sr. Pingüim, a Anghumfn estará deixando à sua disposição, sem compromisso algum, uma degustação dos canais à la carte.
Silêncio. Tento entender o que ela esta me oferecendo.
Mais silêncio.
– Sr. Pingüim? Alô?
– Sim, estou aqui. Não entendi do que se trata.
– O senhor estará degustando nossos canais à la carte sem pagar nada a mais por isso, durante 30 dias!
– São canais sobre culinária? O Jeff Smith voltou? Algum é sobre sardinhas?
– São canais de conteúdo adulto.
– Como?
– São os canais de sexo....
Novo silêncio.
- Sr. Pingüim? Restou alguma dúvida?
Muitas menina, muitas.
- Degustação de sexo pela televisão?
- Sr. Pingüim? Restou alguma dúvida?
- Não entendi como degustar alguma coisa pela TV. E, ...sexo?
- Sr. Pingüim? Restou alguma dúvida?
- Bem, na verdade não entendi....
- Sr. Pingüim? Restou alguma dúvida?
- Acho que não vou querer.
- Sr. Pingüim? Restou alguma dúvida?
- Não quero!
- Sr. Pingüim, foi um prazer atender a sua ligação. A Anghumfn agradece. São 21h38, esta foi Isaura e o seu protocolo de atendimento é #3789089$9000000009871-7659/984759,7. Há mais alguma coisa que poderei estar fazendo pelo senhor?
- Mas, não fui eu quem ligou....
- Então, faça sempre o que o senhor fez, ligue sempre que precisar. Esta ligação custa apenas um real!
- Mas, não fui eu quem ligou!
- Boa noite Sr. Pingüim, seu pedido será atendido em até 72 horas.
Droga, a sopa esfriou. E para aquecê-la novamente tenho de descer da geladeira. Antes que o crocodilo volte.
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Paulo Roberto Heuser

6.7.06

Mistérios Primordiais

Publicada no Portal Sulmix em 11/07/2006:
Mistérios Primordiais

Leio notícia da BBC sobre a reinserção da Teoria Evolucionista, de Charles Darwin, no programa de ensino das escolas italianas. Pode ter passado despercebida, aqui, a notícia da exclusão desta teoria, dos programas escolares italianos, em fevereiro deste ano de 2006.
A Teoria da Evolução prega que os seres vivos evoluíram, até a forma atual, a partir de ancestral comum, primordial.
A Teoria Criacionista, em oposição, prega a Criação, a partir de ato divino. O corretor ortográfico insiste em declarar sua preferência ao marcar o criacionismo em vermelho, como erro.
Tudo na natureza tende ao equilíbrio, menos o corretor ortográfico. O que está quente cede calor (energia) ao que está frio; bolas rolam para o local mais baixo e os excitados tendem a se acalmar. Foi o que aconteceu na educação italiana. De uma posição radical, evoluiu para uma posição equilibrada, contemplando as duas teorias. E foi além ao criar uma comissão para estudar a forma de ensinar essas teorias aos alunos das séries iniciais. Sem entrar no mérito de uma ou de outra, o nó provocado na cabeça das crianças é um sério problema.
Sou um aficionado da Cosmologia, ramo da Física que estuda a criação do Universo. Hoje a Teoria do Big-Bang – a explosão primordial que teria criado o Universo – é aceita quase que universalmente. Interessante notar que contempla as duas teorias, a criacionista e a evolucionista. Santo Agostinho (Aurélio Agostinho), padre e filósofo do século IV, já defendia a idéia de que o teria havido um início do tempo, pela Criação. Este conceito é difícil de se internalizar. O homem se aceita como nascido e tem consciência, apesar de retulante, do seu fim, fisicamente.
Complicada é a noção de que o Universo teria iniciado em algum momento. Por que seria exatamente aquele o momento? Os criacionistas respondem que o momento foi aquele porque Deus assim o quis. Ao que os descrentes treplicam indagando sobre o que fazia o Criador antes da Criação. Santo Agostinho responde dizendo que Ele estava construindo o Inferno, para lá colocar aqueles que ousassem fazer uma pergunta como esta. A questão em si já é completamente paradoxal, se não havia o tempo, poderia haver um antes? A resposta de Santo Agostinho foi uma maneira tremendamente espirituosa e metafórica de propor a limitação do homem em entender a Criação, ou o Big-Bang, que estaria acima da sua capacidade de compreensão. E aparentemente está, pelo menos por enquanto. Físicos, matemáticos, filósofos e teólogos correm desesperadamente atrás da resposta. Se nunca a encontrarem, Santo Agostinho estará certo.
A falta de respostas às perguntas primordiais move a fé e a curiosidade do homem. Para tornar um assunto já complicado, em algo bem pior, acrescentamos a dúvida quanto ao futuro. Novamente diversas teorias se digladiam. A aceitação de um início sem um fim é inaceitável, para mim, pelo menos. Releio minha última frase, em dúvida se eu mesmo a entendi. Na religião se explica pela continuidade da alma e nas outras ciências pela conservação da energia.
De qualquer forma, procuramos desesperadamente descobrir o futuro do Universo. Da Copa já sabemos, em parte. Aceitamos que o nosso corpo se vá. Mas e o Universo? Uma corrente científica defende o Big-Crunch – voltará a se contrair até a singularidade. E aí explodirá novamente? A corrente mais aceita atualmente, defende a expansão indefinida do Universo esfriando-se até um escurecimento total. De um lado defendem-se múltiplos inícios e fins. De outro, um início e um fim.
Curioso mesmo é o Princípio Antrópico. Os que defendem o criacionismo utilizam o argumento de que seria impossível a existência de um ser tão complexo como o homem sem a existência de uma arquitetura inteligente por trás disso, ou seja, a mão do Criador. Diz aquele princípio que o mundo é como é porque estamos aqui para vê-lo, ou seja, estamos aqui porque o Universo é assim.
São questões que envolvem muita filosofia para permitir uma compreensão maior, da minha parte. Infelizmente pertenço a uma geração alijada do ensino da Filosofia. Com todas evidências, físicas e matemáticas, sou obrigado a acreditar na Teoria do Big-Bang. Parece natural que a explosão ocorreu, criando o espaço e o tempo. Cursei disciplinas de Física, Química, Astronomia e Astrofísica. Sem querer ser repetitivo, mas o sendo, acredito no Big-Bang.
Mas, pelo amor de Deus, alguém me responda! Quem riscou o fósforo?
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Paulo Roberto Heuser

5.7.06

De Penicos e Relógios

De Penicos e Relógios

Fiquei olhando o chip GSM à minha frente. Estava morto, Kaputt, Schluss! Pena que não me avisaram da morte iminente da minha agenda ao solicitar o cancelamento do serviço de telefone móvel. Poderia ao menos salvá-la no telefone. É a vingança da operadora. Já que o infiel se converte à outra religião, fulmina seus escritos através de um raio mandado de longe. Alguma coisa me disse para copiá-la para o novo aparelho antes de solicitar o cancelamento. Acertou. Não resisti à tentação de desmontar o chip para espiar o que havia ali. Desmontar o quê? Papéis colados sobre papéis. Dobrando e usando as unhas consegui descolar aquelas partes condutoras e, finalmente, a nudez revelada. Olhar o quê? Um mísero circuito, impossível de ser visto em detalhes a olho nu, especialmente por quem já passou dos 40. Estes sofrem, além da visão deficiente, de uma grande frustração ao abrir as coisas modernas para investigar seu princípio de funcionamento. Não há nada para ser visto. Se há, não apresenta componentes discretos, identificáveis. Qual é a graça?
Começo a entender as crianças da geração pós-radinho-de-pilha. Não há o que desmontar. A vida nos apartamentos não ajuda. Impossível se manter aquele quarto de tralhas onde se guarda a alegria do Mensageiro da Caridade. Eletrodomésticos velhos, pedaços de canos, fios e coisas dos avós, não identificáveis. Se o Santo Graal existe, fisicamente, deve estar em um quarto ou garagem, misturado com as outras tralhas.
Apresente uma criança urbana a um penico - aquele vaso esmaltado utilizado como sanitário móvel -, indagando sobre a sua utilidade. Seria uma panela leiteira gigante? A caneca de chope do vovô? A maior parte das pessoas julga ser o telefone móvel celular a invenção mais importante do século 20. Pergunte para alguém que está “apertado”, longe de um banheiro, qual é a coisa mais útil do mundo.
Houve uma grande perda. As crianças ganharam a Internet, com suas virtudes e defeitos, perderam a capacidade de analisar os artefatos e os fenômenos. Há coisas que foram feitas para não serem desmontadas. Os gafanhotos se incluem nesta classe. Na infância, um amigo e eu decidimos descobrir como funcionava um gafanhoto. No passado, pois deixou de funcionar após a investigação. Dissecação in vivo. Do primeiro gafanhoto ninguém se esquece. Com certeza será também o último. O Criador deve ter colocado aquela nojeira ali dentro para afastar os humanos curiosos. Até há algo ali dentro, nada para ser visto, no entanto. Crianças, não tentem! Creia-me, aquela visão deixa doente, por dias a fio. Aqueles que almejam cursar Medicina devem deixar o gafanhoto por último. Caso contrário, poderão desistir da pretensão. Descobrimos naquele fatídico dia que basta um gafanhoto para se ter uma praga.
Hoje as crianças estão bem mais seguras. Não brincam mais de lança-chamas usando bombas de flit (Cazuza conhecia) e não constroem armamentos medievais a partir de tralhas. Talvez explique a falta de interesse pelas engenharias, nos dias de hoje. É claro que o mercado para os engenheiros também encolheu. Importamos tudo onde há tecnologia avançada. Poucas fábricas produzem muito. A curiosidade matou o gato, e foi morta pela miniaturização e pela automação de projeto.
O filé mignon dos demolidores curiosos era o relógio. Mecânico, é claro. Dava um prazer enorme retirar peça por peça. A mola da corda saltava traiçoeiramente, cortando algum dedo. Sem dúvida, o 13º Trabalho de Hércules foi o de recolocar uma mola de relógio no lugar original. A expressão latina in statu quo ante – no estado que se encontrava antes – deixa de ter qualquer significado na relojoaria amadora doméstica. O mesmo acontece com o zíper das calças. Ele já nasceu engatado. Nenhum humano conseguirá colocá-lo de volta no trilho, ao se soltar. Do que vivem os mecânicos sem os carburadores?
Já reparou naquele estranho cinzeiro, em formato de cálice, na sala da casa da tia Hermenegilda? Será?
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Paulo Roberto Heuser

4.7.06

Não Deu o Vermelho 27

Não Deu o Vermelho 27

Quando Herivelto Martins e David Nasser compuseram o tango Vermelho 27 (1956), não poderiam imaginar que este poderia ser o réquiem da última esperança da sociedade, em 2006. Surrada pelos repetidos escândalos, que afloram do mar de lama no qual atolamos, alijada de ícones pelos quais vale a pena lutar, nossa sociedade apostou todas fichas no vermelho 27. Aqueles neo-europeus seriam nossos mensageiros perante o mundo. Mostrariam que somos os melhores. Se o somos individualmente, seremos também coletivamente. As casas, as ruas e as gentes se tingiram de verde-amarelo para ter esperança, mesmo que efêmera. Vencendo a Copa, mais uma vez, poderíamos inflar o peito e gritar – Vencemos! Em lugar do grito veio o tango, brasileiro por ironia:
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Vermelho 27
Quando a sorte caprichosa o abandonou
Vermelho 27
Cada amigo num estranho se tornou
Os ossos do banquete
Aos cães ele atirou
A vida, a honra, tudo
Num lance ele arriscou
Deu preto 17
Nem um cão entre os amigos encontrou

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Perdemos o jogo, perdemos a Copa, ficamos com o eco de uma Abertura de 1812, de Tchaikowsky, ao contrário, com a Marselhesa se sobrepondo ao hino, não mais o russo, agora o brasileiro. Faltou o ribombar dos canhões, substituído pelo espocar longínquo de alguns foguetes estourados pelos argentinos que humilhamos na véspera. Engolimos ditos sobre a educação das nossas crianças. Engolimos em seco porque não havia contra-argumento que molhasse nossa garganta. Lutamos através dos soldados da fortuna. Eles também? Então souberam comprá-los melhor. Não aprendemos a lição. A imprensa especula sobre a Seleção de 2010. Nem retiramos as suturas dos nossos ferimentos e já oferecem nosso peito à nova metralha. Salve-se quem puder, salve-se quem quiser.

(*) do tango Vermelho 27 (1956) (Herivelto Martins/ Dadid Nasser)
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Paulo Roberto Heuser

3.7.06

Divinos Decadentes, a Distância

Para o entendimento deste texto, se é que isto é possível, é necessário antes ter lido o Case Raimundo, disponível no blog, para quem não o recebeu ou jogou fora sem ler.

Divinos Decadentes, a Distância

Cruzei novamente com o Raimundo. Andava inquieto. A Cotraprotramdig (Vide o Case Raimundo) andava de vento em popa. Após uns probleminhas fiscais ocorridos no segundo ano, frutos da inexperiência fiscal do Japa, Diretor Financeiro, tudo transcorria as mil maravilhas. Contrataram um consultor fiscal que transformou a Cotra – nome reduzido – em braço do SindCotra, Sindicato dos Trabalhadores da Cooperativa dos Trabalhadores à Procura de Um Trabalho Mais Digno. Deu um certo trabalho, mas como o Zé Tongo é bem relacionado, acabou ajeitando tudo, inclusive a regulamentação da profissão de Trabalhador à Procura de Um Trabalho Mais Digno. Foram milhões de filiações em tempo recorde. Bastou conseguir o cadastro do seguro desemprego. Está difícil cobrar a contribuição do desempregado e a do desempregador, este inexistente. O pulo do gato é a isenção fiscal. Como os sindicatos não pagam impostos, a Cotra também não paga. Raimundo acabou se descobrindo como um empreendedor. Não foi apenas o troféu que comprou de uma promotora de eventos para a escolha do melhor empreendedor que se dispuser a pagar pelo troféu. Sentiu a coisa no sangue, o que o compele a ousar, inovar, empreender mesmo. A nova idéia veio com um e-mail recebido de um amigo, oferecendo um Curso de Formação de Pastor, na modalidade EAD – Ensino A Distância. Em 90 dias! Cobrando 750 reais pelo curso de bacharelado, 1300 reais pelo Mestrado em Bíblia e 1800 reais pelo Doutorado em Divindade. Raimundo estranhou um pouco os preços baixos. Pesquisando o sítio
www.cursodepastor.com.br descobriu que há uma promoção de aniversário dando desconto de 50%. Convocou uma reunião da diretoria do SindCotra e expôs, em linhas gerais, a nova idéia: - vamos criar um curso de pastor para concorrer com aquele. Zé Tongo levantou a primeira questão: - Não dá para incluir na Cotra, é outra classe de trabalhadores. – qual? Perguntou o velho. Como ninguém sabia, Zé Tongo sugeriu a criação de um novo sindicato para os trabalhadores nas igrejas. O velho achou que já deveriam estar contemplados em algum outro sindicato. A irmã do Zé se meteu na conversa e manifestou sua dúvida quanto as igrejas que contratariam esses pastores EAD. Já deveriam ter algum tipo de acordo com o curso original. Seria difícil quebrar o monopólio da fé a distância. O velho sentenciou: - temos de criar uma igreja. Os trabalhadores desta igreja serão filiados ao novo sindicato, que também criaremos. Este, por sua vez, ministrará os cursos de formação de profissionais da fé genéricos. Finalmente, estes serão contratados pela nossa igreja, que cobrará dízimo dos nossos fiéis. Verticalizamos a fé, fechando o círculo, nem vicioso, nem virtuoso, apenas espantoso. Raimundo olhou satisfeito para os colegas de diretoria, acreditando que chegaram em algo. Precisaram encontrar um nome para a nova igreja. Após discutir amplamente o público (rebanho) alvo, optaram por arrebanhar não apenas o público alvo das outras igrejas, mas também o público alvo por elas desprezado. A escolha, sugestão do velho, foi ILEDCDAA – Igreja Laica do Evangelho Dodecaédrico dos Crentes, Descrentes, Agnósticos e Ateus. Raimundo adorava o velho pelas suas idéias na área de mercado. Imagine só se tivesse estudado Marketing, ao invés de afiar tesouras. Criar uma igreja que atendia os ateus era genial. Estavam ali, caindo de maduros, completamente desamparados. Os agnósticos, com um pé no ateísmo e outro na fé, deveriam até ser em maior número. Estas duas classes não precisariam freqüentar um templo. Bastaria depositar o dízimo. Tudo bem discreto, low profile. Declarar-se ateu, ou agnóstico, sempre deixa os crentes muito chocados. Agora poderiam declarar-se dodecaédricos! O Japa, sempre por dentro das novidades tecnológicas, teve o que parecia ser a melhor idéia: - vamos construir uma igreja virtual. Não precisamos de templo. Vamos além, criamos uma ONG o MST – Movimento dos Sem Templo, para tirar algum do governo. – não dá, já existe esta sigla, disse o velho. Zé Tongo remendou: - MSTd – Movimento dos Sem Templo dodecaédricos. O velho estava mais aceso do que nunca. Deve ter sido a troca da pinga pelo uísque 18 anos. – faltou uma coisa. Para liberar verbas para a nossa igreja, e para a nossa ONG, necessitamos de alguns representantes no parlamento – as outras igrejas, já os têm. O velho serviu mais um copo, straight, tirou um Cohiba do bolso do Armani, cortou a ponta e o acendeu. Soltando uma longa baforada disse, como quem sugere uma troca de camisa: - precisamos fundar um partido político. O ábaco do Japa não parava de calcular, matrículas de cursos, dízimos, contribuições sindicais, doações partidárias, verbas parlamentares, tudo sem impostos! O mais difícil foi conseguir os parlamentares. Não havia prazo para entrar na eleição em curso, foi necessário arrebanhar alguns dos já existentes. Como o Zé conseguiu é segredo. Mas conseguiu. O MSTd ficou a cargo da irmã do Zé, especialista em ocupar desocupados. Rodas de ciranda, conselhos ao redor da fogueira e todo tipo de mobilização foi utilizado. Ela implementou um programa de intercâmbio, com ONGs de todo o mundo, para atrair estudantes, principalmente os ricos e idealistas dos países da Escandinávia. Mediante uma taxa social de cinco mil Euros, os estudantes estrangeiros têm o direito de realizar uma imersão de uma semana num acampamento-templo do MSTd, com direito a passar todas privações de um acampado nativo. Recebem, sem ônus adicional, um kit acampado, formado pela camiseta com a foto do Japa usando boina e barba, chaveiro do Toppo Giggio (o sogro do Japa tinha um estoque na loja falida), um berimbau, um par de havaianas com a sola virada e um pedaço de lona plástica preta. Deu um certo desconforto em função de alguém ter achado a foto do Japa, na camiseta, parecida com a de um estudante de medicina argentino. Deram a culpa à gráfica e ficou tudo por isso mesmo. A idéia da igreja virtual foi uma grande sacada, pois reduziu muito o custo operacional. Arrendaram grandes terrenos suburbanos para implantar os templos virtuais fixos. Um imenso telão projeta os inflamados sermões de um pregador contratado pela sua capacidade de provocar histeria e hipnose coletivas. Os videoclipes dos Faxineiros do Purgatório, banda de rock regressivo glossolalístico (referente a línguas estranhas), animam os fiéis e os infiéis. A entrada é franca para todos aqueles que aderiram a indulgências, pré ou pós-pagas. No primeiro caso, você compra um crédito de remissões e vai abatendo do saldo à medida que comete os pecados. No segundo caso, primeiro você peca, depois as remissões dos pecados são debitadas em conta corrente ou cartão de crédito. Há planos de 10, 50, 100 ou 500 pecados. O preço por remissão cai conforme o plano. Há um plano empresarial para lupanares (casas de costumes), bingos e outros ramos de serviços próximos da tentação. Para quem gosta do perdão por demanda, um serviço 0800. Basta passar o número do cartão de crédito e você já estará perdoado. As remissões são pessoais e intransferíveis, valendo para apenas um pecado. Qualquer tentativa de falsificação jogará os crentes ao mármore do inferno e os descrentes ao paraíso. A UniCredo, escola teológica de terceiro grau, tem mais de 18 mil alunos matriculados. Já estão previstos novos cursos de pós-graduação Sine Sensu, como os mestrados profissionalizantes em Exorcismo, Corpo Fechado e Mau Olhado. Todo material, inclusive o Porrete Ritualístico Extrator do Inominável, e a carteirinha de estudante, serão fornecidos opcionalmente pela escola. Na última reunião do Conselho decidiram comprar concessões de rádios e de canais de TV, além do espaço já alugado. Entram também em todas licitações de novas concessões. A RCC – Rede Credo de Comunicações cresce dia a dia. Raimundo e Zé Tongo estão de malas prontas para uma missão comercial aos EUA. Primeira parada em Orlando, onde farão tratativas para a implantação de um templo-parque. A segunda parada será em Redmond, Washington, para negociar um software especializado, o Windows of Heaven – Janelas do Paraíso.

Paulo Roberto Heuser

Soylent O Quê?

Soylent O Quê?

Maldita hora que escolhi para vir ao supermercado, antes do jogo. Toda cidade deve estar se preparando para assistir aos jogos de hoje na base do churrasco e cerveja. Os corredores estão entupidos de gente. Nunca entendi por que colocaram ilhas de mercadorias no meio dos corredores. Podem até vender o que há ali dentro, mas ninguém mais olha o que há nas margens do corredor, do lado de fora da ilha. Devem colocar ali os produtos que não vendem de forma nenhuma. Noto que em cada estreitamento provocado pelas ilhas há um carrinho de compras, ali deixado por alguém que não liga muito para o bom andamento da coisa. Passo pelo setor de embutidos. Constato horrorizado que há salsichas com diversos sabores, de pizza, de churrasco e outras coisas. Há até uma de sabor original. Qual será? Sabor de salsicha? Sabor de qual pizza? Não seria mais prático comprar uma pizza, se alguém deseja comer algo com sabor de pizza? Não vi pizzas sabor salsicha, tampouco churrasco sabor salsicha. Não há relação biunívoca. Aparentemente, o menos complexo leva o sabor do mais complexo. Sou minimalista. Salsichas devem ter gosto de salsichas. Pizzas, de pizza. Uma salsicha já é um enigma por si só. Melhor não saber o que há ali dentro. Com outros sabores, aumenta o enigma. E disfarça o gosto real daquela coisa. Do modo como avança a indústria alimentícia, em breve teremos mocotó sabor pizza. Curiosamente, os primeiros sabores alternativos sempre são pizza e churrasco. Basta dar uma olhada no setor dos salgadinhos. Lá impera também o bacon. O setor que fervilha neste momento é o das carnes. O que antes era um açougue transformou-se numa verdadeira butique de carnes. Não encontro as de sabor salsicha. Antigos cortes levam novos nomes, tornando-os infinitamente mais charmosos. Uma janela da costela poderá ser encontrada como fenêtre de plat-de-côtes, com o preço alinhado ao novo nome. Um corte chumbrega como o cupim, último colocado nos rodízios de churrascaria, retornará, embalado a vácuo, com a nova classificação mont-de-termite. Tudo fica mais elegante nos novos açougues de supermercado. A tradicional chuleta - bisteca para os lá de cima - vira um elegante cotê de boeuf. E o nosso tradicional vazio, corte que já teve o nome alterado para fralda, por influência externa ao Rio Grande, agora aparecerá como bavette d´aloyau. Com um nome destes pode cobrar mais do que pelo filé. A propósito, o preço da carne enlatada para o cachorro já ultrapassou o preço daquele. Não a provei ainda, mas estou tentado. A lata é tão bonitinha e o cachorro da foto do rótulo parece tão feliz! Passo pelo setor dos refrigerantes. Lembro de um sítio meio doido que vi ontem, estilo teoria da conspiração, onde um sujeito lança a hipótese da engorda do terceiro mundo para servir de alimento ao primeiro, quando vierem as vacas magras. O cidadão chama a atenção para o fato de que um refrigerante de 2 litros custa menos do que um de 600 ml, da mesma bebida. Sugere que os norte-americanos fariam estoque de gorduras nos vizinhos de baixo para transformá-los em ração no futuro. Começaram acumulando neles mesmos, pelo visto. O sujeito pode estar doido, mas o setor de salsichas dá o que pensar. Lembra o Soylent Green do filme homônimo (1973) de Richard Fleischer. Todo mundo comia aquela coisa, Soylent Red, Green e Yellow, produzida a partir de seres humanos reciclados. Por via das dúvidas, e do minimalismo, vou jantar pão, salame e queijo colonial. O primeiro com sabor de pão, o segundo com sabor de salame e o terceiro com sabor de queijo colonial! Meu Soylent Yellow particular. Melhor eu ficar em casa mesmo. Já passei da idade para reciclagem. Corro o risco de ser transformado em Soylent Pizza, Barbecue ou Bacon.
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Paulo Roberto Heuser