Terroirismo ou Mcdonalização?
Terroirismo ou Mcdonalização?
Por Paulo Heuser
Calma, é "terroirismo" mesmo.
Meu poder aquisitivo me faz passar longe dos vinhos franceses. Dos que prestam, pelo menos. Acabo me concentrando nos nacionais, chilenos e espanhóis. Confesso, alguns argentinos também. Dos portugueses e italianos pouco conheço. Ou seja, não sou um consumidor de vinhos franceses. Provavelmente seria, se pudesse.
Ontem assisti a um filme sobre vinhos franceses – Mondovino (2004), de Jonathan Nossiter. O que me chamou a atenção neste documentário não foi o vinho propriamente dito. Foi a prática comercial por trás da produção. Graças ao terroir, os vinhos de localidades até próximas umas das outras podem ser muito diferentes. Terroir é uma palavra francesa que identifica o conjunto formado pelo solo e pelo clima das pequenas regiões produtoras. O dicionário Laurousse de Vinhos inclui a mão de obra do trato da uva no terroir.
Por incrível que pareça, aquele que praticamente define quem é quem entre os vinhos franceses é um norte-americano, Robert M. Parker Jr. É o mais respeitado crítico de vinhos do mundo. Seus pareceres podem levar as adegas francesas ao topo ou ao fim do ranking de melhores vinhos do mundo. Sua língua e seu palato estão segurados por alta quantia. Adoraria ver uma minuta do contrato de um seguro desses. Haverá cláusulas específicas para queimaduras por pastéis estilo "vento preso", ingestão acidental de chumbo derretido ou Kartoffeln (batatas) de Oktoberfest (Oktoberfest mesmo!)?
Há uma grande disputa entre os tradicionais produtores de vinhos terroir e outros setores mais progressistas que fazem um vinho mais homogêneo, de mercado. Para se produzir um vinho considerado terroir é necessário evitar qualquer adição de produtos ou corte com uvas de outros locais e utilizar pipas velhas de carvalho ou tonéis de aço. Por quê? Porque o carvalho novo exacerba o gosto da madeira, impedindo ou dificultando a identificação do terroir.
Os produtores de vinhos de terroir resistem à homogenização por que perderiam o diferencial do local, ou seja, perderiam no preço. Claro que parte destes produtores quer manter o terroir para manter a tradição de muitos séculos, ou seja, orgulham-se do que produzem. O preço sobe muito também pela limitação de área da região. Não é possível plantar mais parreirais. Isto limita o número de garrafas produzidas. Um vinho de terroir bem classificado na lista de Parker tem seu preço nas nuvens. Estes produtores foram apelidados de "terroiristas", pois manteriam propositadamente os preços altos.
Os defensores da homogenização alegam que bons vinhos ficam mais acessíveis quando o terroir deixa de ter importância. Esta prática foi apelidada de "mcdonalização” do vinho. Na França se usa também o termo "carrefourização", como sinônimo de popularização.
Por que estou preocupado com os grandes vinhos franceses se eu e a maioria de vocês não podemos comprá-los? Por dois motivos. O primeiro é a tendência à extinção dos produtos que agregam alguma tradição e diferencial, também pelas bandas de cá. O fenômeno é semelhante.
Faz anos que você e sua família compram um queijo especial, um embutido, cuca ou qualquer outra especiaria, produzidos artesanalmente em alguma biboca do interior. São encontrados apenas na localidade e, eventualmente, em alguma banca do Mercado Público. Aí o filho do dono da fábrica da biboca estuda administração e vem com idéias inovadoras a respeito de conquista de novos mercados e redução do custo de produção. Assim que vovô ou o papai se aposentam, o filhinho empresário entra em cena.
Aquilo que era uma especiaria vira um produto fabricado em larga escala com insumos padronizados, vendido em grandes cadeias de supermercados. A carne dos porcos da Frau Schweinschlachter, lindeira da fábrica da biboca, dá lugar à carne dos porcos automatizados do grande frigorífico. Foi-se o terroir – porcoir, no caso? – da lingüiça da biboca. Sabe lá o que os porcos da Frau comiam? Perdem a Frau Schweinschlachter, os antigos clientes e a fábrica, que agora terá de enfrentar a concorrência daqueles grandes frigoríficos com nomes relacionados às aves. Vão-se o nome e a tradição. Quem veio do interior, sabe.
Este foi o primeiro motivo, não foi? O segundo tem a ver com as comemorações pós-campanha. O que seria delas sem o Romanée-Conti, Grand Cru da Borgonha, ou o Château Lafite-Rothschild, de Bordô? Os marketeiros apreciam.
E-mail: prheuser@gmail.com
Por Paulo Heuser
Calma, é "terroirismo" mesmo.
Meu poder aquisitivo me faz passar longe dos vinhos franceses. Dos que prestam, pelo menos. Acabo me concentrando nos nacionais, chilenos e espanhóis. Confesso, alguns argentinos também. Dos portugueses e italianos pouco conheço. Ou seja, não sou um consumidor de vinhos franceses. Provavelmente seria, se pudesse.
Ontem assisti a um filme sobre vinhos franceses – Mondovino (2004), de Jonathan Nossiter. O que me chamou a atenção neste documentário não foi o vinho propriamente dito. Foi a prática comercial por trás da produção. Graças ao terroir, os vinhos de localidades até próximas umas das outras podem ser muito diferentes. Terroir é uma palavra francesa que identifica o conjunto formado pelo solo e pelo clima das pequenas regiões produtoras. O dicionário Laurousse de Vinhos inclui a mão de obra do trato da uva no terroir.
Por incrível que pareça, aquele que praticamente define quem é quem entre os vinhos franceses é um norte-americano, Robert M. Parker Jr. É o mais respeitado crítico de vinhos do mundo. Seus pareceres podem levar as adegas francesas ao topo ou ao fim do ranking de melhores vinhos do mundo. Sua língua e seu palato estão segurados por alta quantia. Adoraria ver uma minuta do contrato de um seguro desses. Haverá cláusulas específicas para queimaduras por pastéis estilo "vento preso", ingestão acidental de chumbo derretido ou Kartoffeln (batatas) de Oktoberfest (Oktoberfest mesmo!)?
Há uma grande disputa entre os tradicionais produtores de vinhos terroir e outros setores mais progressistas que fazem um vinho mais homogêneo, de mercado. Para se produzir um vinho considerado terroir é necessário evitar qualquer adição de produtos ou corte com uvas de outros locais e utilizar pipas velhas de carvalho ou tonéis de aço. Por quê? Porque o carvalho novo exacerba o gosto da madeira, impedindo ou dificultando a identificação do terroir.
Os produtores de vinhos de terroir resistem à homogenização por que perderiam o diferencial do local, ou seja, perderiam no preço. Claro que parte destes produtores quer manter o terroir para manter a tradição de muitos séculos, ou seja, orgulham-se do que produzem. O preço sobe muito também pela limitação de área da região. Não é possível plantar mais parreirais. Isto limita o número de garrafas produzidas. Um vinho de terroir bem classificado na lista de Parker tem seu preço nas nuvens. Estes produtores foram apelidados de "terroiristas", pois manteriam propositadamente os preços altos.
Os defensores da homogenização alegam que bons vinhos ficam mais acessíveis quando o terroir deixa de ter importância. Esta prática foi apelidada de "mcdonalização” do vinho. Na França se usa também o termo "carrefourização", como sinônimo de popularização.
Por que estou preocupado com os grandes vinhos franceses se eu e a maioria de vocês não podemos comprá-los? Por dois motivos. O primeiro é a tendência à extinção dos produtos que agregam alguma tradição e diferencial, também pelas bandas de cá. O fenômeno é semelhante.
Faz anos que você e sua família compram um queijo especial, um embutido, cuca ou qualquer outra especiaria, produzidos artesanalmente em alguma biboca do interior. São encontrados apenas na localidade e, eventualmente, em alguma banca do Mercado Público. Aí o filho do dono da fábrica da biboca estuda administração e vem com idéias inovadoras a respeito de conquista de novos mercados e redução do custo de produção. Assim que vovô ou o papai se aposentam, o filhinho empresário entra em cena.
Aquilo que era uma especiaria vira um produto fabricado em larga escala com insumos padronizados, vendido em grandes cadeias de supermercados. A carne dos porcos da Frau Schweinschlachter, lindeira da fábrica da biboca, dá lugar à carne dos porcos automatizados do grande frigorífico. Foi-se o terroir – porcoir, no caso? – da lingüiça da biboca. Sabe lá o que os porcos da Frau comiam? Perdem a Frau Schweinschlachter, os antigos clientes e a fábrica, que agora terá de enfrentar a concorrência daqueles grandes frigoríficos com nomes relacionados às aves. Vão-se o nome e a tradição. Quem veio do interior, sabe.
Este foi o primeiro motivo, não foi? O segundo tem a ver com as comemorações pós-campanha. O que seria delas sem o Romanée-Conti, Grand Cru da Borgonha, ou o Château Lafite-Rothschild, de Bordô? Os marketeiros apreciam.
E-mail: prheuser@gmail.com
2 Comments:
I like it! Good job. Go on.
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Hi! Just want to say what a nice site. Bye, see you soon.
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