16.7.06

O Fim da Dialética

O Fim da Dialética

Por Paulo Heuser

Quando estudei Teoria Econômica, bem antes de ontem, assisti a duas aulas especiais, na forma do programa Pinga Fogo da TV Educativa. Foram dois debates entre Luis Carlos Prestes, da Coluna Prestes, e o ex-senador Roberto Campos. Dois homens geniais situados em pontos diametralmente opostos da ideologia política. Tese e antítese colocadas frente a frente, o comunismo versus capitalismo, defendidos pelos seus maiores expoentes no País.
Ambas as teses foram defendidas com inteligência, brilhantismo e educação. Aquelas duas aulas não foram apenas duas aulas fantásticas de Teoria Econômica. Foram duas aulas de dialética.
O método dialético, considerado o próprio método do aprendizado, baseia-se na síntese das idéias a partir de uma tese e uma antítese. Uma nova idéia construída a partir de argumentos e contra-argumentos. A pesquisa científica baseia-se na dialética. Naqueles debates entre Prestes e Campos a dialética pôde ser vista na prática. Ora a tese era o comunismo, defendido por Prestes, com o capitalismo, defendido por Campos, como antítese, ora o contrário.
Os alunos construíram sua própria síntese ao longo dos programas. Lá, e então, entendi definitivamente por que a Filosofia ensina o homem a pensar. Ninguém saiu de lá como entrou. Todos ali construíram um novo modelo de economia política, processo que poderia continuar ao longo da vida, se houvesse oportunidade. Que tipo de oportunidade? Outros debates, feito aqueles, com novos debatedores, mais atuais, mais centrados no mundo pós-Prestes e pós-Campos.
Por que não os temos mais? Creio que deve ter algo a ver com as campanhas eleitorais. Campos e Prestes, no Pinga-Fogo, não estavam em campanha. Seu amanhã não dependia da sua performance naqueles debates. Sua história já os construíra. Os atuais debates envolvem eternos candidatos que concorrem a cada dois anos a novos cargos eletivos. Muitos foram destruídos pela sua própria história. Outros tiveram sua história destruída pelos seus partidos.
Estamos perdidos na salada de siglas que tem em comum o Pê e, aparentemente, todo o resto. Há os desvirginados faz muito e os há nem tanto. Virgens mesmo apenas os novos. Esta falta de pureza, torna os debates mais acalorados e centrados nos deslizes éticos dos representantes dos partidos. Tentam provar desesperadamente que são apenas infiéis. Os outros seriam piores. Talvez seja o caso de se desenvolver um infidelímetro, dispositivo para medir a infidelidade do candidato com as idéias publicamente declaradas.
Nos atuais debates mede-se a quantidade de lama que um candidato consegue colar nos outros. Provavelmente Campos e Prestes sairiam dali derrotados. Não por máculas anteriores, mas pela incapacidade de defender o indefensável e pela sua honestidade e coerência política. O perigo não está no contraponto, está na incoerência. O incoerente não merece confiança.
Os novos debates concorrem com os programas de auditório. Falta apenas a claque. Qualquer deslize pode levar à derrota. Uma palavra a mais ou inserida num contexto errado termina com um longo trabalho de construção da imagem do candidato. A necessidade de sempre falar o que o povo quer ouvir transforma esses debates em espetáculos monolíticos sem teses e sem antíteses, restando apenas uma pseudo-síntese pré-fabricada. Defende-se furiosamente a mesma coisa, seja ela qual for, desde que tenha apelo populista. Todos prometem coisas irrealizáveis, como erradicar a miséria no País em quatro anos.
É fácil criticar sem apresentar soluções? Realmente é. Mas, talvez possamos iniciar algo novo com o seguinte discurso de campanha:
- sou honesto, não prometo mudar o País em quatro anos, não penso na reeleição como um fim, acredito na política com ética (aceitável) e me alinho ideologicamente com esta ou aquela corrente por este ou aquele motivo.
Este poderia ser um pequeno exercício de dialética. Faça sua síntese. Poderá ser a sua próxima tese.

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