Divinos Decadentes, a Distância
Para o entendimento deste texto, se é que isto é possível, é necessário antes ter lido o Case Raimundo, disponível no blog, para quem não o recebeu ou jogou fora sem ler.
Divinos Decadentes, a Distância
Cruzei novamente com o Raimundo. Andava inquieto. A Cotraprotramdig (Vide o Case Raimundo) andava de vento em popa. Após uns probleminhas fiscais ocorridos no segundo ano, frutos da inexperiência fiscal do Japa, Diretor Financeiro, tudo transcorria as mil maravilhas. Contrataram um consultor fiscal que transformou a Cotra – nome reduzido – em braço do SindCotra, Sindicato dos Trabalhadores da Cooperativa dos Trabalhadores à Procura de Um Trabalho Mais Digno. Deu um certo trabalho, mas como o Zé Tongo é bem relacionado, acabou ajeitando tudo, inclusive a regulamentação da profissão de Trabalhador à Procura de Um Trabalho Mais Digno. Foram milhões de filiações em tempo recorde. Bastou conseguir o cadastro do seguro desemprego. Está difícil cobrar a contribuição do desempregado e a do desempregador, este inexistente. O pulo do gato é a isenção fiscal. Como os sindicatos não pagam impostos, a Cotra também não paga. Raimundo acabou se descobrindo como um empreendedor. Não foi apenas o troféu que comprou de uma promotora de eventos para a escolha do melhor empreendedor que se dispuser a pagar pelo troféu. Sentiu a coisa no sangue, o que o compele a ousar, inovar, empreender mesmo. A nova idéia veio com um e-mail recebido de um amigo, oferecendo um Curso de Formação de Pastor, na modalidade EAD – Ensino A Distância. Em 90 dias! Cobrando 750 reais pelo curso de bacharelado, 1300 reais pelo Mestrado em Bíblia e 1800 reais pelo Doutorado em Divindade. Raimundo estranhou um pouco os preços baixos. Pesquisando o sítio www.cursodepastor.com.br descobriu que há uma promoção de aniversário dando desconto de 50%. Convocou uma reunião da diretoria do SindCotra e expôs, em linhas gerais, a nova idéia: - vamos criar um curso de pastor para concorrer com aquele. Zé Tongo levantou a primeira questão: - Não dá para incluir na Cotra, é outra classe de trabalhadores. – qual? Perguntou o velho. Como ninguém sabia, Zé Tongo sugeriu a criação de um novo sindicato para os trabalhadores nas igrejas. O velho achou que já deveriam estar contemplados em algum outro sindicato. A irmã do Zé se meteu na conversa e manifestou sua dúvida quanto as igrejas que contratariam esses pastores EAD. Já deveriam ter algum tipo de acordo com o curso original. Seria difícil quebrar o monopólio da fé a distância. O velho sentenciou: - temos de criar uma igreja. Os trabalhadores desta igreja serão filiados ao novo sindicato, que também criaremos. Este, por sua vez, ministrará os cursos de formação de profissionais da fé genéricos. Finalmente, estes serão contratados pela nossa igreja, que cobrará dízimo dos nossos fiéis. Verticalizamos a fé, fechando o círculo, nem vicioso, nem virtuoso, apenas espantoso. Raimundo olhou satisfeito para os colegas de diretoria, acreditando que chegaram em algo. Precisaram encontrar um nome para a nova igreja. Após discutir amplamente o público (rebanho) alvo, optaram por arrebanhar não apenas o público alvo das outras igrejas, mas também o público alvo por elas desprezado. A escolha, sugestão do velho, foi ILEDCDAA – Igreja Laica do Evangelho Dodecaédrico dos Crentes, Descrentes, Agnósticos e Ateus. Raimundo adorava o velho pelas suas idéias na área de mercado. Imagine só se tivesse estudado Marketing, ao invés de afiar tesouras. Criar uma igreja que atendia os ateus era genial. Estavam ali, caindo de maduros, completamente desamparados. Os agnósticos, com um pé no ateísmo e outro na fé, deveriam até ser em maior número. Estas duas classes não precisariam freqüentar um templo. Bastaria depositar o dízimo. Tudo bem discreto, low profile. Declarar-se ateu, ou agnóstico, sempre deixa os crentes muito chocados. Agora poderiam declarar-se dodecaédricos! O Japa, sempre por dentro das novidades tecnológicas, teve o que parecia ser a melhor idéia: - vamos construir uma igreja virtual. Não precisamos de templo. Vamos além, criamos uma ONG o MST – Movimento dos Sem Templo, para tirar algum do governo. – não dá, já existe esta sigla, disse o velho. Zé Tongo remendou: - MSTd – Movimento dos Sem Templo dodecaédricos. O velho estava mais aceso do que nunca. Deve ter sido a troca da pinga pelo uísque 18 anos. – faltou uma coisa. Para liberar verbas para a nossa igreja, e para a nossa ONG, necessitamos de alguns representantes no parlamento – as outras igrejas, já os têm. O velho serviu mais um copo, straight, tirou um Cohiba do bolso do Armani, cortou a ponta e o acendeu. Soltando uma longa baforada disse, como quem sugere uma troca de camisa: - precisamos fundar um partido político. O ábaco do Japa não parava de calcular, matrículas de cursos, dízimos, contribuições sindicais, doações partidárias, verbas parlamentares, tudo sem impostos! O mais difícil foi conseguir os parlamentares. Não havia prazo para entrar na eleição em curso, foi necessário arrebanhar alguns dos já existentes. Como o Zé conseguiu é segredo. Mas conseguiu. O MSTd ficou a cargo da irmã do Zé, especialista em ocupar desocupados. Rodas de ciranda, conselhos ao redor da fogueira e todo tipo de mobilização foi utilizado. Ela implementou um programa de intercâmbio, com ONGs de todo o mundo, para atrair estudantes, principalmente os ricos e idealistas dos países da Escandinávia. Mediante uma taxa social de cinco mil Euros, os estudantes estrangeiros têm o direito de realizar uma imersão de uma semana num acampamento-templo do MSTd, com direito a passar todas privações de um acampado nativo. Recebem, sem ônus adicional, um kit acampado, formado pela camiseta com a foto do Japa usando boina e barba, chaveiro do Toppo Giggio (o sogro do Japa tinha um estoque na loja falida), um berimbau, um par de havaianas com a sola virada e um pedaço de lona plástica preta. Deu um certo desconforto em função de alguém ter achado a foto do Japa, na camiseta, parecida com a de um estudante de medicina argentino. Deram a culpa à gráfica e ficou tudo por isso mesmo. A idéia da igreja virtual foi uma grande sacada, pois reduziu muito o custo operacional. Arrendaram grandes terrenos suburbanos para implantar os templos virtuais fixos. Um imenso telão projeta os inflamados sermões de um pregador contratado pela sua capacidade de provocar histeria e hipnose coletivas. Os videoclipes dos Faxineiros do Purgatório, banda de rock regressivo glossolalístico (referente a línguas estranhas), animam os fiéis e os infiéis. A entrada é franca para todos aqueles que aderiram a indulgências, pré ou pós-pagas. No primeiro caso, você compra um crédito de remissões e vai abatendo do saldo à medida que comete os pecados. No segundo caso, primeiro você peca, depois as remissões dos pecados são debitadas em conta corrente ou cartão de crédito. Há planos de 10, 50, 100 ou 500 pecados. O preço por remissão cai conforme o plano. Há um plano empresarial para lupanares (casas de costumes), bingos e outros ramos de serviços próximos da tentação. Para quem gosta do perdão por demanda, um serviço 0800. Basta passar o número do cartão de crédito e você já estará perdoado. As remissões são pessoais e intransferíveis, valendo para apenas um pecado. Qualquer tentativa de falsificação jogará os crentes ao mármore do inferno e os descrentes ao paraíso. A UniCredo, escola teológica de terceiro grau, tem mais de 18 mil alunos matriculados. Já estão previstos novos cursos de pós-graduação Sine Sensu, como os mestrados profissionalizantes em Exorcismo, Corpo Fechado e Mau Olhado. Todo material, inclusive o Porrete Ritualístico Extrator do Inominável, e a carteirinha de estudante, serão fornecidos opcionalmente pela escola. Na última reunião do Conselho decidiram comprar concessões de rádios e de canais de TV, além do espaço já alugado. Entram também em todas licitações de novas concessões. A RCC – Rede Credo de Comunicações cresce dia a dia. Raimundo e Zé Tongo estão de malas prontas para uma missão comercial aos EUA. Primeira parada em Orlando, onde farão tratativas para a implantação de um templo-parque. A segunda parada será em Redmond, Washington, para negociar um software especializado, o Windows of Heaven – Janelas do Paraíso.
Paulo Roberto Heuser
Divinos Decadentes, a Distância
Cruzei novamente com o Raimundo. Andava inquieto. A Cotraprotramdig (Vide o Case Raimundo) andava de vento em popa. Após uns probleminhas fiscais ocorridos no segundo ano, frutos da inexperiência fiscal do Japa, Diretor Financeiro, tudo transcorria as mil maravilhas. Contrataram um consultor fiscal que transformou a Cotra – nome reduzido – em braço do SindCotra, Sindicato dos Trabalhadores da Cooperativa dos Trabalhadores à Procura de Um Trabalho Mais Digno. Deu um certo trabalho, mas como o Zé Tongo é bem relacionado, acabou ajeitando tudo, inclusive a regulamentação da profissão de Trabalhador à Procura de Um Trabalho Mais Digno. Foram milhões de filiações em tempo recorde. Bastou conseguir o cadastro do seguro desemprego. Está difícil cobrar a contribuição do desempregado e a do desempregador, este inexistente. O pulo do gato é a isenção fiscal. Como os sindicatos não pagam impostos, a Cotra também não paga. Raimundo acabou se descobrindo como um empreendedor. Não foi apenas o troféu que comprou de uma promotora de eventos para a escolha do melhor empreendedor que se dispuser a pagar pelo troféu. Sentiu a coisa no sangue, o que o compele a ousar, inovar, empreender mesmo. A nova idéia veio com um e-mail recebido de um amigo, oferecendo um Curso de Formação de Pastor, na modalidade EAD – Ensino A Distância. Em 90 dias! Cobrando 750 reais pelo curso de bacharelado, 1300 reais pelo Mestrado em Bíblia e 1800 reais pelo Doutorado em Divindade. Raimundo estranhou um pouco os preços baixos. Pesquisando o sítio www.cursodepastor.com.br descobriu que há uma promoção de aniversário dando desconto de 50%. Convocou uma reunião da diretoria do SindCotra e expôs, em linhas gerais, a nova idéia: - vamos criar um curso de pastor para concorrer com aquele. Zé Tongo levantou a primeira questão: - Não dá para incluir na Cotra, é outra classe de trabalhadores. – qual? Perguntou o velho. Como ninguém sabia, Zé Tongo sugeriu a criação de um novo sindicato para os trabalhadores nas igrejas. O velho achou que já deveriam estar contemplados em algum outro sindicato. A irmã do Zé se meteu na conversa e manifestou sua dúvida quanto as igrejas que contratariam esses pastores EAD. Já deveriam ter algum tipo de acordo com o curso original. Seria difícil quebrar o monopólio da fé a distância. O velho sentenciou: - temos de criar uma igreja. Os trabalhadores desta igreja serão filiados ao novo sindicato, que também criaremos. Este, por sua vez, ministrará os cursos de formação de profissionais da fé genéricos. Finalmente, estes serão contratados pela nossa igreja, que cobrará dízimo dos nossos fiéis. Verticalizamos a fé, fechando o círculo, nem vicioso, nem virtuoso, apenas espantoso. Raimundo olhou satisfeito para os colegas de diretoria, acreditando que chegaram em algo. Precisaram encontrar um nome para a nova igreja. Após discutir amplamente o público (rebanho) alvo, optaram por arrebanhar não apenas o público alvo das outras igrejas, mas também o público alvo por elas desprezado. A escolha, sugestão do velho, foi ILEDCDAA – Igreja Laica do Evangelho Dodecaédrico dos Crentes, Descrentes, Agnósticos e Ateus. Raimundo adorava o velho pelas suas idéias na área de mercado. Imagine só se tivesse estudado Marketing, ao invés de afiar tesouras. Criar uma igreja que atendia os ateus era genial. Estavam ali, caindo de maduros, completamente desamparados. Os agnósticos, com um pé no ateísmo e outro na fé, deveriam até ser em maior número. Estas duas classes não precisariam freqüentar um templo. Bastaria depositar o dízimo. Tudo bem discreto, low profile. Declarar-se ateu, ou agnóstico, sempre deixa os crentes muito chocados. Agora poderiam declarar-se dodecaédricos! O Japa, sempre por dentro das novidades tecnológicas, teve o que parecia ser a melhor idéia: - vamos construir uma igreja virtual. Não precisamos de templo. Vamos além, criamos uma ONG o MST – Movimento dos Sem Templo, para tirar algum do governo. – não dá, já existe esta sigla, disse o velho. Zé Tongo remendou: - MSTd – Movimento dos Sem Templo dodecaédricos. O velho estava mais aceso do que nunca. Deve ter sido a troca da pinga pelo uísque 18 anos. – faltou uma coisa. Para liberar verbas para a nossa igreja, e para a nossa ONG, necessitamos de alguns representantes no parlamento – as outras igrejas, já os têm. O velho serviu mais um copo, straight, tirou um Cohiba do bolso do Armani, cortou a ponta e o acendeu. Soltando uma longa baforada disse, como quem sugere uma troca de camisa: - precisamos fundar um partido político. O ábaco do Japa não parava de calcular, matrículas de cursos, dízimos, contribuições sindicais, doações partidárias, verbas parlamentares, tudo sem impostos! O mais difícil foi conseguir os parlamentares. Não havia prazo para entrar na eleição em curso, foi necessário arrebanhar alguns dos já existentes. Como o Zé conseguiu é segredo. Mas conseguiu. O MSTd ficou a cargo da irmã do Zé, especialista em ocupar desocupados. Rodas de ciranda, conselhos ao redor da fogueira e todo tipo de mobilização foi utilizado. Ela implementou um programa de intercâmbio, com ONGs de todo o mundo, para atrair estudantes, principalmente os ricos e idealistas dos países da Escandinávia. Mediante uma taxa social de cinco mil Euros, os estudantes estrangeiros têm o direito de realizar uma imersão de uma semana num acampamento-templo do MSTd, com direito a passar todas privações de um acampado nativo. Recebem, sem ônus adicional, um kit acampado, formado pela camiseta com a foto do Japa usando boina e barba, chaveiro do Toppo Giggio (o sogro do Japa tinha um estoque na loja falida), um berimbau, um par de havaianas com a sola virada e um pedaço de lona plástica preta. Deu um certo desconforto em função de alguém ter achado a foto do Japa, na camiseta, parecida com a de um estudante de medicina argentino. Deram a culpa à gráfica e ficou tudo por isso mesmo. A idéia da igreja virtual foi uma grande sacada, pois reduziu muito o custo operacional. Arrendaram grandes terrenos suburbanos para implantar os templos virtuais fixos. Um imenso telão projeta os inflamados sermões de um pregador contratado pela sua capacidade de provocar histeria e hipnose coletivas. Os videoclipes dos Faxineiros do Purgatório, banda de rock regressivo glossolalístico (referente a línguas estranhas), animam os fiéis e os infiéis. A entrada é franca para todos aqueles que aderiram a indulgências, pré ou pós-pagas. No primeiro caso, você compra um crédito de remissões e vai abatendo do saldo à medida que comete os pecados. No segundo caso, primeiro você peca, depois as remissões dos pecados são debitadas em conta corrente ou cartão de crédito. Há planos de 10, 50, 100 ou 500 pecados. O preço por remissão cai conforme o plano. Há um plano empresarial para lupanares (casas de costumes), bingos e outros ramos de serviços próximos da tentação. Para quem gosta do perdão por demanda, um serviço 0800. Basta passar o número do cartão de crédito e você já estará perdoado. As remissões são pessoais e intransferíveis, valendo para apenas um pecado. Qualquer tentativa de falsificação jogará os crentes ao mármore do inferno e os descrentes ao paraíso. A UniCredo, escola teológica de terceiro grau, tem mais de 18 mil alunos matriculados. Já estão previstos novos cursos de pós-graduação Sine Sensu, como os mestrados profissionalizantes em Exorcismo, Corpo Fechado e Mau Olhado. Todo material, inclusive o Porrete Ritualístico Extrator do Inominável, e a carteirinha de estudante, serão fornecidos opcionalmente pela escola. Na última reunião do Conselho decidiram comprar concessões de rádios e de canais de TV, além do espaço já alugado. Entram também em todas licitações de novas concessões. A RCC – Rede Credo de Comunicações cresce dia a dia. Raimundo e Zé Tongo estão de malas prontas para uma missão comercial aos EUA. Primeira parada em Orlando, onde farão tratativas para a implantação de um templo-parque. A segunda parada será em Redmond, Washington, para negociar um software especializado, o Windows of Heaven – Janelas do Paraíso.
Paulo Roberto Heuser
2 Comments:
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