29.6.06

O Condomínio

O Condomínio

Dizem filósofos e sociólogos que o homem é um ser gregário, por natureza. Os homens (e as mulheres, naturalmente) unem-se para compartilhar experiências, proteger-se mutuamente, etc, etc. Sublinhe-se o por natureza. Acrescento eu, hipoteticamente. Por hipótese, porque na prática, pouco se comprova. A menor célula da nossa sociedade é a família. Lembra do papai e da mamãe das cavernas protegendo sua prole das cavernas, ao redor do fogo? Pois é, em família até que dá para considerá-lo gregário. Bem mais do que o Dragão de Komodo, cuja dieta alimentar inclui os filhinhos, dragõezinhos de Komodo menores de dois anos. Estes, após o nascimento, sobem em árvores, o mais rápido possível, pois papai tem fome. Papai fica em baixo da árvore, de boca aberta, dizendo: - dorme filhinho, dorme... Como ser gregário o homem passou a viver em grupo. Nesse momento foram inventados os vizinhos. E o adultério. Vizinhos convivem bem enquanto não se vêem, ouvem ou se relacionam de qualquer outra forma. Os que vivem na santa paz são os que ignoram que há alguém morando ao lado. Na medida que os grupos foram crescendo, e as cavernas ficando apertadas, organizaram-se em cavernas-sobre-cavernas, hoje chamadas de edifícios. No início era o caos individual. Vieram então os primeiros condomínios, o caos coletivo. Assim como a família tinha um chefe, o homem naquela época, a caverna coletiva necessitou de um chefe para organizar o caos. Deu-se o nome de síndico ao chefe do condomínio. Este zelava pelo bem estar dos cavernosos (os condôminos), resolvendo rusgas intra-caverna, proibia a presença de javalis de estimação, impedia os cavernosos de urinar e fazer coco no interior da caverna, orientava quanto ao uso das coisas comuns, como a fogueira central, os guarda-dinossauros e o depósito de ossos. Foi incumbência do chefe recrutar homens para manter a segurança da entrada da caverna contra ataques de outros grupos, de outras cavernas. Nas noites de mudança de lua o chefe controlava as festas ritualísticas promovidas pelos cavernosos adoradores da Lua. Proibido uivar e bater ossos após a 22ª estrela se pôr. Para os cavernosos infratores das leis da caverna foram criadas punições, proporcionais a gravidade do ato. A mais branda era ouvir grunhidos do chefe, em caráter de advertência. Na reincidência, porretadas. Na terceira vez os cavernosos eram jogados às feras de plantão no sopé do morro. Para manter o síndico e os seus colaboradores foi instituída uma contribuição a ser paga pelos cavernosos. Geralmente carne para alimentação. Junto com as cavernas-sobre-cavernas surgiram os políticos, na figura do chefe e seu séqüito. Não demorou, para que alguns cavernosos demonstrassem interesse em ocupar a posição de síndicos também. Ou procuravam outros grupos para se impor ou entravam em luta com o síndico atual num processo chamado de eleição. Cavernosos candidatos entravam em luta, apoiados pelos seus grupos familiares, cabendo ao vencedor (o sobrevivente), a chefia. Com o crescimento contínuo dos sistemas de cavernas, novas estruturas sociais foram surgindo, como as cidades e os estados, cada um com sua chefia. O síndico continuou existindo e se atualizando com o tempo. Hoje não podem mais matar os condôminos faltosos. Sua vida foi facilitada quando surgiram grupos que se propunham a auxiliá-los nas atividades mais enfadonhas, como a cobrança da contribuição. Antes o síndico era obrigado a roubar os animais dos cavernosos que estavam em falta com a contribuição. Não raras vezes o chefe de uma família a abandonava, para viver com outra, obrigando o síndico a jogar o resto da família às feras, processo chamado de despejo. Com o surgimento da imobiliária, delegou essas tarefas desagradáveis. Hoje já há cavernas-ao-lado-de-cavernas, amontoado humano chamado de condomínio horizontal. Independentemente da sua orientação, vertical ou horizontal, ou do tamanho, todos condomínios tem uma coisa em comum: a encrenca. Tudo começa inocentemente. O pessoal da caverna XXXIII pendura seus pêlos no peitoril do buraco. Acaba pingando sangue sobre os trapos da mulher do XXIII, que os vestiria no ritual noturno. Após uma troca de grunhidos, está feita a cizânia. Pode ser também que as crianças do XLI joguem ossos de javali nas crianças do síndico, enquanto papai vai à caça e mamãe esfola um veado. Hoje há uma inversão de papéis também. O número mínimo de cavernosos para gerar encrenca é dois. Após a invenção da roda as coisas pioraram, pois os cavernosos começaram a trazer carroças para dentro dos conjuntos de cavernas. A luta pelo espaço já fez muitas vítimas. Os síndicos passaram a contratar pessoas, os zeladores, para uma função até hoje não bem entendida. Pela Carta Grande, que tudo regulamenta, não podem trabalhar, aparentemente. Quando o fazem, entram depois com um processo contra a caverna e acabam ficando com o Salão de Rituais, que pode ir a leilão. Podem incomodar os moradores e os funcionários. Está achando graça? Espere, lembre-se da frase: - Condomínio, você ainda vai morar em um! Mora em casa? Tem vizinhos? Quantos? Um ou mais?
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Paulo Roberto Heuser

4 Comments:

At sexta-feira, 30 junho, 2006, Anonymous Anônimo said...

Adorei essa! A parte do homem das cavernas é muito boa!
Sabe que ainda nem conheço meus vizinhos?

 
At sábado, 12 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

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At quinta-feira, 17 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

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At quinta-feira, 17 abril, 2008, Anonymous Anônimo said...

muito legal seu texto. progredimos? por um instante me senti numa caverna.
talvez a diferença singela esteja no ambiente poluido e nos alimentos industrializados.

 

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