Bolachas Velhas
Bolachas Velhas
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Hoje passei pelo bastidor onde guardo os meus LPs (LongPlays). Cabe esclarecer, aos menos experientes, a terminologia aqui utilizada. LP é um disco de vinil, ou “bolacha”, precursor do CD. Bastidor é a palavra da língua portuguesa para rack. Várias vezes me senti tentado a passar no Brique da Redenção, ou nas lojas de discos da Marechal, para desovar meus LPs. Ocupam lugar. Os menos experientes olham incrédulos para aqueles discos. Ficam mais impressionados frente ao toca-disco, aparelho que fez parte da minha geração. As festas de garagem, onde os guris levavam a bebida e as gurias levavam a comida, eram embaladas ao som de toca-discos. Abrindo parênteses, esse negócio de cada guri levar a bebida, que o seu pai não queria em casa, gerava uma mistura terrível. Eu sempre levava rum. Meu pai ganhava uma caixa de rum, de brinde, a cada Natal, de uma grande empresa que vendia tintas. Era o cúmulo da originalidade. Em meados de dezembro, por anos a fio, um caminhão entregava outra caixa de rum. Como ninguém bebia rum em casa, as caixas foram sendo empilhadas no galpão, feito esconderijo do fruto da pilhagem de bucaneiros. Fechando parênteses, alguém era eleito para cuidar do som, precursor do DJ. Ninguém gostava de emprestar os LPs e compactos (discos de vinil para 2 ou 4 músicas) porque poderiam sair arranhados. Arranhões no vinil criavam chiados, estalos ou, pior, saltos na música. Quando o DJ já havia ingerido muito rum, misturado com Coca-Cola (Cuba Libre), espumante, cerveja ou qualquer outra coisa, começava a trocar as capas e arranhar os discos. Manchas de bebida ou churrasco também eram freqüentes. Na década de 70 entraram com mais força os gravadores de fita magnética, popularizados pelo formato Cassete (K7). Os de rolo, muito superiores em fidelidade, eram mais difíceis de operar. Era necessário enrolar a ponta da fita em um carretel. Virar a fita significava inverter os carretéis. Os gravadores reproduziam perfeitamente o som reproduzido através dos toca-discos. Uma das filhas, deparando-se com um destes, indagou sobre o funcionamento. Respondi-lhe que bastava pôr a agulha sobre o disco. Prontamente jogou a agulha, da altura que se encontrava, sobre o pobre LP. Ela nunca o vira funcionando. Comprei meu primeiro tocador de CDs no início da década de 80. Maravilha, cheio de teclas e LEDs (aquelas luzes pequeninas). Comprei também uns três CDs. O milagre se operou no momento que o CD sumiu aparelho adentro. Para onde foi o chiado da agulha na primeira trilha do disco? Sumiu, junto com outras coisas que não eram para sumir. Para onde foram os graves? O CD comeu. Faltava algo ali. O som ficou muito “frio”. O processo de digitalização das músicas suprime as freqüências mais altas e as mais baixas, cortadas por filtros passa-faixa. O mesmo álbum, em vinil e CD, apresentava som diferente. O ouvido humano é analógico, funcionando continuamente em um espectro muito grande de freqüências. Outras, mesmo inaudíveis, são perceptíveis e compõe o timbre. O CD introduziu um som sem graça. Venceu na praticidade e na longevidade do meio de gravação. Agora leio a respeito do toca-disco que usa um feixe laser para percorrer os sulcos dos velhos discos de vinil com sensibilidade até maior do que a apresentada pelas antigas cápsulas. Por via das dúvidas, guardo minhas bolachas. Vejo também uma discussão a respeito da IDM – Intelligent Dance Music, completamente eletrônica. Acho uma grande burrice, apesar do nome. Música inteligente é aquela produzida por uma orquestra, com instrumentos reais. Meu pai deve ter escrito coisa semelhante ao ouvir Twist And Shout pela primeira vez. Meu avô chamava isto de Schlangenmusik - música para cobras. Nas “reuniões dançantes” a briga ocorria pela escolha dos gêneros musicais, entre rock, pop e samba. Bandas show com 27 integrantes animam os bailes atuais. Uma cantora, vestindo traje de cowgirl estilizada, um tecladista, um baixo, um guitarrista, dois sopros e mais 21 pessoas, ninguém sabe porque lá estão. Após New York, New York passam para axé music, forró, valsa, ritmos caribenhos, frevo, vanerão, Metallica, boi-bumbá, slip jigs irlandeses, carimbó, tango, tecno, rumba, new age, pagode e, finalmente, todo mundo senta na garrafa ou na pocotó. Perfeito para quem fez o curso extensivo de dança de salão. Pelo menos 1/72 avos (de fração, não de vovô!) dos dançarinos estão contentes em um dado momento. Alguém aí já dançou slip jigs na ponta dos pés?
Paulo Roberto Heuser
Hoje passei pelo bastidor onde guardo os meus LPs (LongPlays). Cabe esclarecer, aos menos experientes, a terminologia aqui utilizada. LP é um disco de vinil, ou “bolacha”, precursor do CD. Bastidor é a palavra da língua portuguesa para rack. Várias vezes me senti tentado a passar no Brique da Redenção, ou nas lojas de discos da Marechal, para desovar meus LPs. Ocupam lugar. Os menos experientes olham incrédulos para aqueles discos. Ficam mais impressionados frente ao toca-disco, aparelho que fez parte da minha geração. As festas de garagem, onde os guris levavam a bebida e as gurias levavam a comida, eram embaladas ao som de toca-discos. Abrindo parênteses, esse negócio de cada guri levar a bebida, que o seu pai não queria em casa, gerava uma mistura terrível. Eu sempre levava rum. Meu pai ganhava uma caixa de rum, de brinde, a cada Natal, de uma grande empresa que vendia tintas. Era o cúmulo da originalidade. Em meados de dezembro, por anos a fio, um caminhão entregava outra caixa de rum. Como ninguém bebia rum em casa, as caixas foram sendo empilhadas no galpão, feito esconderijo do fruto da pilhagem de bucaneiros. Fechando parênteses, alguém era eleito para cuidar do som, precursor do DJ. Ninguém gostava de emprestar os LPs e compactos (discos de vinil para 2 ou 4 músicas) porque poderiam sair arranhados. Arranhões no vinil criavam chiados, estalos ou, pior, saltos na música. Quando o DJ já havia ingerido muito rum, misturado com Coca-Cola (Cuba Libre), espumante, cerveja ou qualquer outra coisa, começava a trocar as capas e arranhar os discos. Manchas de bebida ou churrasco também eram freqüentes. Na década de 70 entraram com mais força os gravadores de fita magnética, popularizados pelo formato Cassete (K7). Os de rolo, muito superiores em fidelidade, eram mais difíceis de operar. Era necessário enrolar a ponta da fita em um carretel. Virar a fita significava inverter os carretéis. Os gravadores reproduziam perfeitamente o som reproduzido através dos toca-discos. Uma das filhas, deparando-se com um destes, indagou sobre o funcionamento. Respondi-lhe que bastava pôr a agulha sobre o disco. Prontamente jogou a agulha, da altura que se encontrava, sobre o pobre LP. Ela nunca o vira funcionando. Comprei meu primeiro tocador de CDs no início da década de 80. Maravilha, cheio de teclas e LEDs (aquelas luzes pequeninas). Comprei também uns três CDs. O milagre se operou no momento que o CD sumiu aparelho adentro. Para onde foi o chiado da agulha na primeira trilha do disco? Sumiu, junto com outras coisas que não eram para sumir. Para onde foram os graves? O CD comeu. Faltava algo ali. O som ficou muito “frio”. O processo de digitalização das músicas suprime as freqüências mais altas e as mais baixas, cortadas por filtros passa-faixa. O mesmo álbum, em vinil e CD, apresentava som diferente. O ouvido humano é analógico, funcionando continuamente em um espectro muito grande de freqüências. Outras, mesmo inaudíveis, são perceptíveis e compõe o timbre. O CD introduziu um som sem graça. Venceu na praticidade e na longevidade do meio de gravação. Agora leio a respeito do toca-disco que usa um feixe laser para percorrer os sulcos dos velhos discos de vinil com sensibilidade até maior do que a apresentada pelas antigas cápsulas. Por via das dúvidas, guardo minhas bolachas. Vejo também uma discussão a respeito da IDM – Intelligent Dance Music, completamente eletrônica. Acho uma grande burrice, apesar do nome. Música inteligente é aquela produzida por uma orquestra, com instrumentos reais. Meu pai deve ter escrito coisa semelhante ao ouvir Twist And Shout pela primeira vez. Meu avô chamava isto de Schlangenmusik - música para cobras. Nas “reuniões dançantes” a briga ocorria pela escolha dos gêneros musicais, entre rock, pop e samba. Bandas show com 27 integrantes animam os bailes atuais. Uma cantora, vestindo traje de cowgirl estilizada, um tecladista, um baixo, um guitarrista, dois sopros e mais 21 pessoas, ninguém sabe porque lá estão. Após New York, New York passam para axé music, forró, valsa, ritmos caribenhos, frevo, vanerão, Metallica, boi-bumbá, slip jigs irlandeses, carimbó, tango, tecno, rumba, new age, pagode e, finalmente, todo mundo senta na garrafa ou na pocotó. Perfeito para quem fez o curso extensivo de dança de salão. Pelo menos 1/72 avos (de fração, não de vovô!) dos dançarinos estão contentes em um dado momento. Alguém aí já dançou slip jigs na ponta dos pés?
Paulo Roberto Heuser
3 Comments:
I say briefly: Best! Useful information. Good job guys.
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Looks nice! Awesome content. Good job guys.
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Great thoughts you got there, believe I may possibly try just some of it throughout my daily life.
LED luzes de rack
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