12.6.06

Subversivo aos 11!

Subversivo aos 11!

É verdade, descobri ser um subversivo aos 11 anos de idade. Era escoteiro e fui detido enquanto tentava introduzir material impresso suspeito nos pavilhões da FENAF – Festa Nacional do Fumo de 1966, em Santa Cruz do Sul. Fui incumbido de levar o material para ser distribuído durante um desfile de carros alegóricos. Interceptado por dois soldados quando passava pelas roletas carregando o pacote, fui levado para um barracão de madeira no interior do parque, hoje da Oktoberfest. Após um interrogatório que deve ter durado 20 minutos, mas que pareceu durar 20 horas, um tenente entrou no barracão, ouviu o relato de um sargento, examinou o material suspeito e olhou ao redor com a expressão de quem dizia: “O que fiz para merecer isto?”. Deparou-se com um escoteiro completamente apavorado, detido por carregar panfletos contendo o programa do desfile de carros alegóricos da FENAF, que meu pai organizara. Ele fez parte da comissão organizadora da festa. Até aquele dia eu nem sabia o que era um subversivo. Não deixa de ser curioso o fato de alguém deter um escoteiro, membro de uma organização paramilitar, considerada de direita na época, como elemento subversivo. Estranhos tempos aqueles. Alguns anos mais tarde, um amigo teve a brilhante idéia de ir ao baile de carnaval, no Corinthians Sport Club, vestindo uma farda camuflada do exército. Se não bastasse, tinha o cabelo raspado porque passara no vestibular da UFRGS. Naqueles tempos, tantos os cabeludos como os carecas eram subversivos em potencial. Os primeiros o eram porque lembravam Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara. Dos últimos, não sei o porquê. Por parecerem diferentes, reacionários talvez. Em todo caso, o amigo foi gentilmente convidado, por uma patrulha da PE, a trocar a noite entre confetes e serpentinas pela noite no quartel, discorrendo sobre suas crenças políticas. Uma das diversões do pessoal que estudava química, no segundo grau (ensino médio), era a construção de foguetes. Participei de um grupo que conseguia elevar apenas pedaços, já que derretiam, sem sair do chão, ou explodiam. Algo como Werners Von Braun que não deram certo. Não como fogueteiros. Lembre-se que não havia Google nem http://www.feiradeciencias.com.br/. Era tudo muito empírico. Os testes de combustível eram realizados no antigo Campo dos Eick (creio ser um nome informal), próximo a Casa Textor. Esse campo era tomado por mato e pés de mamona. A rua que hoje liga a Rua Marechal Deodoro à Rua Tomás Flores estava sendo aberta. Enterramos no leito da nova rua uma lata de aerosol, sem a válvula, contendo o combustível de teste. Papel higiênico recheado com pólvora preta fez às vezes de rastilho. Temendo nova explosão, nos escondemos atrás de um barranco. Ignição, não explodiu! Não logo, pelo menos. Após uns dois segundos iniciais de sucesso, levantamo-nos para ver melhor. Vimos pedras, terra e mamonas voando para todos os lados, após violenta explosão. Saímos correndo como loucos. Na debandada fui ultrapassado, em meio a fumaça, por um aluno interno do colégio que apresentava uma deficiência em uma das pernas. Ele tinha múltiplas razões para correr mais do que todos. Acabara de detonar uma involuntária bomba, era cabeludo, barbudo e pertencia ao grêmio estudantil do colégio. Um verdadeiro prototerrorista. O diretor do colégio tentava barrar o fornecimento de produtos químicos, pelas farmácias, falando com os proprietários. Para burlar o boicote íamos, um de cada vez, a diferentes farmácias. Enxofre era conseguido argumentando que seria usado como remédio para o estômago do vovô. Carbono se comprava na Ferragem Mailander, defronte ao Quiosque da Praça, na forma do insuspeito Pó de Sapato (negro-de-fumo). A todo custo deveria ser evitado um laboratório de análises em especial, pois o proprietário era professor de química do colégio. A mistura dos compostos era feita em locais como o orquidário do meu pai. Realmente somos sobreviventes. Apenas um dos fogueteiros, hoje médico e professor universitário em Porto Alegre, resultou ferido, sem gravidade, sem todos os pêlos do rosto também, em decorrência de uma explosão. Nessa época emprestei, para alunos internos do colégio, um radiotransmissor, construído pelo meu irmão. Assim foi fundada no internato, para desespero da direção, a Rádio Interno Livre. As freqüências e os horários de transmissão eram passados, de aluno para aluno, durante o dia, dificultando a localização através de equipamentos de busca. Tempos realmente estranhos. Estranhos, porém inesquecíveis.

Paulo Roberto Heuser

3 Comments:

At terça-feira, 01 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

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At quarta-feira, 09 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

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At quinta-feira, 10 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

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