31.5.06

O Ovo da Caninana

O Ovo da Caninana

Durante um jantar, ouvi um empresário comentar, em tom de desabafo, como seria bom se pudesse fechar a empresa e reabri-la do outro lado da rua, partindo do zero. Referia-se aos vícios de gestões passadas, aos encargos sociais e a todo outro tipo de legado, às vezes maldito, carregado pelas empresas. Talvez este seja o motivo do sucesso das pequenas empresas, ágeis, sem um legado trabalhista importante, terceirizando tudo aquilo que não faz parte da sua atividade fim. Essas pequenas empresas mordem os calcanhares das grandes, até que estas as comprem. Os ex-donos, com dinheiro no bolso, novamente criam pequenas empresas, que mordem novamente os calcanhares, seguindo-se tudo novamente. As grandes tornam-se maiores e assim por diante. Só não há mais lugar para as empresas médias. O que atrapalha este círculo, virtuoso ou vicioso, conforme de que lado se vê, é o estado. Digo o estado, pois é impossível culpar apenas um ou outro governo. O ovo da caninana (o da serpente era alemão, imortalizado por um sueco) foi posto faz muito. As empresas podem terceirizar livremente as atividades que não lhes interessam. A logística é um bom exemplo. Qualquer motoboy é fruto da terceirização desta. Na verdade, terceirizamos tudo, iniciando pelo comércio e terminando com a indústria, literalmente. Esta para a China. Compram-se coisas inimagináveis nas ruas das nossas grandes cidades. Nas pequenas, o monopólio é das lojas de 1,99. Lembro-me ainda de quando os camelôs vendiam pentes Flamengo e espelhinhos redondos com a foto da Wanderléa. Hoje há pilhas, que duram 7 minutos (não os de Irving Wallace), lâminas de barbear, complexos vitamínicos, computadores, medicamentos, eletrodomésticos, material cirúrgico, vestuário falso de grife, brinquedos, suprimentos em geral, filmes e jogos em DVD e qualquer outra coisa que possa, ou não, ser vendida. Os cigarros falsos fazem grande sucesso. Matam duas vezes. Sempre fiquei impressionado com os filmes, estilo 1001 noites, rodados em Bagdá ou lugar equivalente, onde reinava o caos completo, nas vielas tomadas por vendedores, lá de tapetes e vasos de barro. Provavelmente trocavam vasos por tapetes para, após alguns instantes, trocá-los novamente por vasos. Chegavam em casa, orgulhosos, com o mesmo vaso que tinham pela manhã. Hoje, além desses produtos, há bombas também. Aqui só diferem os produtos, o caos já é o mesmo. Partiremos para o escambo, em breve, trocando lâminas de barbear, de pouco uso, por laxantes ou cremes para o rosto. Somente as pilhas, de 7 minutos, ficam de fora no escambo. Criado o monstro da informalidade, difícil é matá-lo. Vão-se os tributos e os encargos sociais, fica a livre, e põe livre nisso, iniciativa.
Não consigo deixar de comparar empresas com estados. Apenas as muito grandes e as muito pequenas sobrevivem. Empresas muito grandes tem dono, que não quer companhia. Deixemo-las para o Guilherme Portões (o do Fenestras XP). As pequenas empresas são ágeis pela simplicidade. Assim poderia ser o estado. Coloco em minúsculas para reduzir o risco de ser preso. O estado é complexo demais, nada pode funcionar direito dessa forma. As empresas trocam, com alguma freqüência, suas diretorias e os funcionários nos postos-chave. Mas não trocam todos, em todos departamentos, ao mesmo tempo. Os governos trocam. As empresas escolhem os homens-chave visando o lucro. Os governos os escolhem pelo barulho que fizeram na campanha. Empresas não colocam médicos na contabilidade nem filósofos no planejamento e controle da produção. O lucro do estado deveria ser o social. Só vemos prejuízos, econômicos e sociais.
Uma primeira medida lógica, para saneamento de um estado, poderia ser o fim do contrato, de prazo fixo, para presidentes. Deu prejuízo continuado, mande embora e contrate outro. Mais ou menos como no futebol. Não existe estado constituído sem uma constituição (minúsculas novamente, para não ser preso). Não pode ser um emaranhado confuso e gigantesco, onde todo mundo meteu a colher, mas a colher de alguns era muito maior do que a dos outros. Lembro do conselho que um engenheiro me deu, quando o inquiri a respeito da melhor marca de determinado tipo de produto. Respondeu-me que indicaria aquela da qual ninguém falava, a que daria menos problemas. Alguém já ouviu falar de algum problema constitucional em Andorra ou Liechtenstein? Não? Devem ser bons modelitos para uma constituição. Lá vivem felizes e ricos. Há aquele setor que deveria fazer as normas, mas só faz encher o próprio bolso e lutar com seus pares. Como não pode ser terceirizado, temos de apelar para a criatividade. Uma forma de sair desse enrosco seria a criação de um conselho normativo, a Câmara dos Comuns, composto por não mais do que 50 membros. O que fazer com os atuais? Colocá-los na Câmara dos Incomuns, onde todos poderiam trabalhar (?) felizes. Pagaríamos seus vencimentos, carros, moradia e demais regalias institucionalizadas. O dinheiro verdadeiro, de verbas parlamentares dos Incomuns, daria lugar ao dinheiro do Banco Imobiliário (o jogo). O dinheiro de verdade seria administrado pela diretoria executiva e sua destinação referendada pela Câmara dos Comuns, sem direito a emendas e remendos. Os demais homens-chave seriam funcionários de carreira, sem cargos de confiança. Se não há confiança neles, por que contratá-los? Os membros da Câmara dos Incomuns passariam a lutar entre si, sem causar mais prejuízos além daqueles inerentes à sua manutenção. Poderiam permanecer em constante campanha para reeleição e comporiam quantas comissões desejassem. Só não poderiam criar normas nem brincar com dinheiro de verdade. Política assim não tem graça? E alguém disse que tem? As instalações já existentes, aqueles prédios cartões-postais, seriam transformados em parque temático – ChamberLand (Camaralândia). Os canais de TV criariam programas como A Casa do Congressista e Sobrevivente da CPI, com direito a paredão e tudo o mais. Neste último o grande sucesso poderia ser um quadro chamado Prisão do Advogado Engraçadinho. A entidade classista destes poderia criar um novo tipo de censura pública aos infringentes do seu código de ética: contar piadinhas sobre a atuação das comissões, ao vivo, na Câmara dos Incomuns. Parte do lucro, auferido com os programas, poderia reverter ao estado, para custeio dos representantes do na Câmara dos Incomuns. Um daqueles prédios-panela-wok, emborcada ou não, poderia ser reformado para virar cassino, fora dos horários das sessões, das sextas às segundas-feiras. ChamberLand poderia virar a Las Vegas tupiniquim - aquilo está no meio da nada mesmo -, recebendo centenas de aviões recheados com vereadores ávidos por congressos. De fazer inveja a Miami.
A Câmara dos Comuns poderia ficar junto à parte produtiva do país.

Paulo Roberto Heuser

5 Comments:

At quarta-feira, 31 maio, 2006, Anonymous Anônimo said...

Ótima crônica!

 
At domingo, 02 julho, 2006, Anonymous Anônimo said...

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At quinta-feira, 20 julho, 2006, Anonymous Anônimo said...

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