22.6.06

Fausto e Eu

Fausto e Eu

Durante o jogo de hoje, Brasil X Japão, pela Copa do Mundo, assistimos à redenção do Ronaldo. Execrado, crucificado e ressurgido, tudo em minutos. O locutor que narrava o jogo foi mudando de tom a medida em que o jogo avançava. De gordo, decrépito e paquidérmico, Ronaldo foi guindado a maciço e musculoso, após o seu primeiro gol no jogo, e touro, forte e maior artilheiro de todas as copas, após o segundo. É a história de Rocky Balboa, em alguns dos muitos Rocky 1,2,3,4,5,... (confesso, assisti a uns três), condensada em 90 minutos. Chega a ser emocionante! Esquecemos os cartolas, os patrocinadores e os argentinos, por alguns instantes. Inevitável transferência, lavamos a alma com o ex-gordo, agora um Atlas. Remete à imagem do Silvestre Stásozinho correndo pelas ruas de Nova Iorque com um bando de crianças atrás, tudo emoldurado pela música tema. O patrocinador lavou, além da alma, o caixa. Até agora, a melhor coisa que vi, nas transmissões da Copa, foi uma propaganda de banco que passa nos intervalos. Tem música e fotografia fantásticas. Existem heróis e heróis. A diferença entre eles? Ora, os primeiros são heróis. Os últimos também o são, de outra forma apenas. Há o herói de 90 minutos e o herói de 90 anos - 91 para ser mais exato. Antes da redenção do gordo forte, assistimos à redenção de José Mindlin, desnecessária por sinal. A biografia já o imortalizou. Mindlin, mais novo imortal da ABL – Academia Brasileira de Letras, construiu, ao longo de mais de 70 anos, a maior biblioteca particular do país, com mais de 30 mil títulos. Iniciou a coleção aos 13 anos e não parou mais, declarando ter compulsão pela compra de livros. Outros têm compulsão pela compra de sapatos, como a Imelda Marcos, cuja coleção teria mais de 900 pares ou três mil, segundo alguns. Tenho uma sobrinha que ainda chegará lá. A coleção da Imelda vai a leilão, pois foi comprada com dinheiro público. A da sobrinha, com o próprio. Mindlin também construiu a coleção com o próprio dinheiro, que não lhe falta por sinal. Não recomendo colecionar livros se você não for rico e for apegado aos livros. Digo isto enquanto olho, preocupado, para uma estante abarrotada de livros, já apresentando uma certa inclinação lateral pelo peso. Em duas ocasiões criei coragem para vender parte do acervo (fica chique). Na primeira, uma amiga me desestimulou com o seguinte argumento: - não se vendem livros, fazem parte da nossa alma. Autêntico, e gélido, balde de água fria. Senti-me como o Fausto (vendeu a alma a Mefistófeles, o diabo) de Göethe. Não sucumbi à tentação, era a desculpa que faltava para me fazer desistir. No verão passado, resolvi tentar novamente, a alma que se exploda! Falta-me espaço físico. Resolvi fazer uma lista dos títulos e levá-la aos sebos, para avaliação. O trabalho não avançou, parava a cada pouco para dar uma olhadinha naqueles livros, alguns traziam lembranças há muito esquecidas. Títulos e autores para cada época da vida. Após duas horas, e não mais do que 20 itens na lista, eu desisti. A gota d’água foi um livro sobre Astronáutica, da década de 60, escrito por um cientista russo e um então jovem estudante brasileiro, Ronaldo Rogério de Freitas Mourão – cientista hoje laureado e reconhecido internacionalmente. Tenho consciência de que muitos daqueles livros não serão sequer abertos, nos próximos anos. Alguns, talvez, nunca mais. Como algumas partes da minha alma, espero. Mas, como vendê-los? Seria o triunfo de Mefistófeles? Sei que corro perigo. Por um lado, Mefistófeles já me convidou duas vezes para adentrar sua sala - na terceira serei conivente. Seria a minha lista de livros o contrato, por ele exigido? Por outro lado, corro o risco de ser despejado, pela família, com as minhas relíquias literárias. Há estante de livros, estante feita de livros, livros em armários, livros sob a churrasqueira e, pasmem, alguns já rodaram pela cidade no porta-malas do carro. Biblioteca itinerante particular. Esta nem Mindlin tentou. Será que o condomínio se oporia a um puxadinho feito com livros? Daria um ar cult à fachada do prédio. E eu poderia mandar Mefistófeles chupar traças!

Paulo Roberto Heuser

3 Comments:

At quarta-feira, 09 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

Here are some links that I believe will be interested

 
At quinta-feira, 10 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

Your are Excellent. And so is your site! Keep up the good work. Bookmarked.
»

 
At terça-feira, 15 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

Great site lots of usefull infomation here.
»

 

Postar um comentário

<< Home