3.7.06

Soylent O Quê?

Soylent O Quê?

Maldita hora que escolhi para vir ao supermercado, antes do jogo. Toda cidade deve estar se preparando para assistir aos jogos de hoje na base do churrasco e cerveja. Os corredores estão entupidos de gente. Nunca entendi por que colocaram ilhas de mercadorias no meio dos corredores. Podem até vender o que há ali dentro, mas ninguém mais olha o que há nas margens do corredor, do lado de fora da ilha. Devem colocar ali os produtos que não vendem de forma nenhuma. Noto que em cada estreitamento provocado pelas ilhas há um carrinho de compras, ali deixado por alguém que não liga muito para o bom andamento da coisa. Passo pelo setor de embutidos. Constato horrorizado que há salsichas com diversos sabores, de pizza, de churrasco e outras coisas. Há até uma de sabor original. Qual será? Sabor de salsicha? Sabor de qual pizza? Não seria mais prático comprar uma pizza, se alguém deseja comer algo com sabor de pizza? Não vi pizzas sabor salsicha, tampouco churrasco sabor salsicha. Não há relação biunívoca. Aparentemente, o menos complexo leva o sabor do mais complexo. Sou minimalista. Salsichas devem ter gosto de salsichas. Pizzas, de pizza. Uma salsicha já é um enigma por si só. Melhor não saber o que há ali dentro. Com outros sabores, aumenta o enigma. E disfarça o gosto real daquela coisa. Do modo como avança a indústria alimentícia, em breve teremos mocotó sabor pizza. Curiosamente, os primeiros sabores alternativos sempre são pizza e churrasco. Basta dar uma olhada no setor dos salgadinhos. Lá impera também o bacon. O setor que fervilha neste momento é o das carnes. O que antes era um açougue transformou-se numa verdadeira butique de carnes. Não encontro as de sabor salsicha. Antigos cortes levam novos nomes, tornando-os infinitamente mais charmosos. Uma janela da costela poderá ser encontrada como fenêtre de plat-de-côtes, com o preço alinhado ao novo nome. Um corte chumbrega como o cupim, último colocado nos rodízios de churrascaria, retornará, embalado a vácuo, com a nova classificação mont-de-termite. Tudo fica mais elegante nos novos açougues de supermercado. A tradicional chuleta - bisteca para os lá de cima - vira um elegante cotê de boeuf. E o nosso tradicional vazio, corte que já teve o nome alterado para fralda, por influência externa ao Rio Grande, agora aparecerá como bavette d´aloyau. Com um nome destes pode cobrar mais do que pelo filé. A propósito, o preço da carne enlatada para o cachorro já ultrapassou o preço daquele. Não a provei ainda, mas estou tentado. A lata é tão bonitinha e o cachorro da foto do rótulo parece tão feliz! Passo pelo setor dos refrigerantes. Lembro de um sítio meio doido que vi ontem, estilo teoria da conspiração, onde um sujeito lança a hipótese da engorda do terceiro mundo para servir de alimento ao primeiro, quando vierem as vacas magras. O cidadão chama a atenção para o fato de que um refrigerante de 2 litros custa menos do que um de 600 ml, da mesma bebida. Sugere que os norte-americanos fariam estoque de gorduras nos vizinhos de baixo para transformá-los em ração no futuro. Começaram acumulando neles mesmos, pelo visto. O sujeito pode estar doido, mas o setor de salsichas dá o que pensar. Lembra o Soylent Green do filme homônimo (1973) de Richard Fleischer. Todo mundo comia aquela coisa, Soylent Red, Green e Yellow, produzida a partir de seres humanos reciclados. Por via das dúvidas, e do minimalismo, vou jantar pão, salame e queijo colonial. O primeiro com sabor de pão, o segundo com sabor de salame e o terceiro com sabor de queijo colonial! Meu Soylent Yellow particular. Melhor eu ficar em casa mesmo. Já passei da idade para reciclagem. Corro o risco de ser transformado em Soylent Pizza, Barbecue ou Bacon.
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Paulo Roberto Heuser