Minimalismo Chique
Minimalismo Chique
Por Paulo Heuser
Tenho notado uma tendência ao minimalismo nos ícones de consumo modernos. Pessoas importantes andam com telefones celulares, prateados, com flip, e a parte externa completamente lisa, despojada.
Há toda uma postura envolvida também. Preferencialmente deve-se utilizá-los enquanto se caminha, em ambientes amplos, numa direção qualquer, até chegar a uma parede ou outro obstáculo. Sem bater no obstáculo muda-se a direção e o processo continua. Aparência reservada e o olhar no infinito também fazem parte da atitude.
Tudo é muito similar ao comportamento das moléculas dos gases confinados em recipientes fechados. Movimentam-se aleatoriamente colidindo com as paredes do reservatório. A probabilidade de se encontrar uma pessoa importante falando ao celular com flip, prateado, num ambiente público, ou de trabalho, foi calculada inicialmente pelo austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844-1906).
O quê? Você notou que ele morreu muito antes da invenção do celular? Bem, ele ficou treinando com gases ideais e outras coisinhas enquanto esperava a invenção. Pena que demorou mais do que ele esperava. A equação acabou válida.
Noutro dia eu estava com o ego lá em baixo. Várias moléculas, digo, pessoas, andavam pela sala com seus celulares prateados, com flip, na orelha. Não sei como, conseguiam desviar umas das outras sem desviar o olhar do infinito. E eu com meu mísero celular preto, sem flip! Lembrei repentinamente do carregador de baterias da câmera digital. Lindo, prateado e de abrir ao meio (um flip finalmente!).
Não me fiz de rogado, abri o carregador, coloquei junto à orelha e saí caminhando pela sala. Consegui imitar bem a atitude. Os pinos para ligar na tomada, cromados, faziam um efeito estético todo especial. No meu havia duas antenas! Percebi os olhares disfarçados de inveja e admiração. Desde lá sempre levo um carregador no bolso.
Outro lugar onde se prova que menos é mais, é o shopping. Como se identifica uma loja que vende produtos caros e sofisticados? Não vale loja de geladeiras, fogões e televisores. Isto qualquer varejão vende. Falo de roupas caras, realmente caras. Identificam-se pelas vitrines.
Lojas caras apresentam vitrines completamente vazias, com exceção de um tronco de manequim sobre uma coluna neoclássica de gesso branco. Sobre um estrado de madeira clara. Tronco de manequim, porque não há cabeça nem membros. Também não veste roupa alguma. Apenas um colar de pequenas bolas brancas. Todo esse nada iluminado feéricamente por dezenas de lâmpadas dicróicas.
No interior da loja continua o minimalismo. Três vendedoras, vestindo conjuntos pretos de três peças, com ar triplo blasé, arrumam três peças de roupa em três cabides de três araras. Na parede oposta, três prateleiras de parede a parede (estas são apenas duas), com três peças de roupas em cada uma. Creio que andaram lendo Encontro com Rama do Arthur C. Clarcke. Todas as peças de roupa de mesmo número. Sem provadores, as clientes devem ter o manequim da grife, o contrário seria socialmente inaceitável.
Encontramos o minimalismo chique também nas bolsas femininas (nos bolsos certamente não). Minimalismo apenas nos materiais. Conseguiram fazê-las de papelão e chamaram de couro ecológico. Parece chique e politicamente correto. O preço é maximalista. Você leva papelão ao preço do couro do crocodilo nilótico de estimação da Cleópatra.
Já pensei em criar uma grife de bolsas minimalistas chamada Luis Vitão. Após a inauguração de uma loja em shopping, com uma imensa vitrine vazia, com exceção daquela bolsa de papelão sobre a coluna de gesso, três prateleiras, três bolsas, etc, espalharia os clones em pequenas e suspeitas lojas nas pequenas e suspeitas galerias do Centro. A original, com custo de fabricação de 15 reais, vendida por dois mil reais. As genéricas, de couro, com custo de fabricação de 50 reais, vendidas por 100 reais. Verticalização do negócio, do original ao falso.
Dá um ar verdadeiro ao falso, já que o verdadeiro tem ar de falso. Sei lá, talvez seja exatamente o contrário. Menos é mais! Senão, mais é menos!
Por Paulo Heuser
Tenho notado uma tendência ao minimalismo nos ícones de consumo modernos. Pessoas importantes andam com telefones celulares, prateados, com flip, e a parte externa completamente lisa, despojada.
Há toda uma postura envolvida também. Preferencialmente deve-se utilizá-los enquanto se caminha, em ambientes amplos, numa direção qualquer, até chegar a uma parede ou outro obstáculo. Sem bater no obstáculo muda-se a direção e o processo continua. Aparência reservada e o olhar no infinito também fazem parte da atitude.
Tudo é muito similar ao comportamento das moléculas dos gases confinados em recipientes fechados. Movimentam-se aleatoriamente colidindo com as paredes do reservatório. A probabilidade de se encontrar uma pessoa importante falando ao celular com flip, prateado, num ambiente público, ou de trabalho, foi calculada inicialmente pelo austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844-1906).
O quê? Você notou que ele morreu muito antes da invenção do celular? Bem, ele ficou treinando com gases ideais e outras coisinhas enquanto esperava a invenção. Pena que demorou mais do que ele esperava. A equação acabou válida.
Noutro dia eu estava com o ego lá em baixo. Várias moléculas, digo, pessoas, andavam pela sala com seus celulares prateados, com flip, na orelha. Não sei como, conseguiam desviar umas das outras sem desviar o olhar do infinito. E eu com meu mísero celular preto, sem flip! Lembrei repentinamente do carregador de baterias da câmera digital. Lindo, prateado e de abrir ao meio (um flip finalmente!).
Não me fiz de rogado, abri o carregador, coloquei junto à orelha e saí caminhando pela sala. Consegui imitar bem a atitude. Os pinos para ligar na tomada, cromados, faziam um efeito estético todo especial. No meu havia duas antenas! Percebi os olhares disfarçados de inveja e admiração. Desde lá sempre levo um carregador no bolso.
Outro lugar onde se prova que menos é mais, é o shopping. Como se identifica uma loja que vende produtos caros e sofisticados? Não vale loja de geladeiras, fogões e televisores. Isto qualquer varejão vende. Falo de roupas caras, realmente caras. Identificam-se pelas vitrines.
Lojas caras apresentam vitrines completamente vazias, com exceção de um tronco de manequim sobre uma coluna neoclássica de gesso branco. Sobre um estrado de madeira clara. Tronco de manequim, porque não há cabeça nem membros. Também não veste roupa alguma. Apenas um colar de pequenas bolas brancas. Todo esse nada iluminado feéricamente por dezenas de lâmpadas dicróicas.
No interior da loja continua o minimalismo. Três vendedoras, vestindo conjuntos pretos de três peças, com ar triplo blasé, arrumam três peças de roupa em três cabides de três araras. Na parede oposta, três prateleiras de parede a parede (estas são apenas duas), com três peças de roupas em cada uma. Creio que andaram lendo Encontro com Rama do Arthur C. Clarcke. Todas as peças de roupa de mesmo número. Sem provadores, as clientes devem ter o manequim da grife, o contrário seria socialmente inaceitável.
Encontramos o minimalismo chique também nas bolsas femininas (nos bolsos certamente não). Minimalismo apenas nos materiais. Conseguiram fazê-las de papelão e chamaram de couro ecológico. Parece chique e politicamente correto. O preço é maximalista. Você leva papelão ao preço do couro do crocodilo nilótico de estimação da Cleópatra.
Já pensei em criar uma grife de bolsas minimalistas chamada Luis Vitão. Após a inauguração de uma loja em shopping, com uma imensa vitrine vazia, com exceção daquela bolsa de papelão sobre a coluna de gesso, três prateleiras, três bolsas, etc, espalharia os clones em pequenas e suspeitas lojas nas pequenas e suspeitas galerias do Centro. A original, com custo de fabricação de 15 reais, vendida por dois mil reais. As genéricas, de couro, com custo de fabricação de 50 reais, vendidas por 100 reais. Verticalização do negócio, do original ao falso.
Dá um ar verdadeiro ao falso, já que o verdadeiro tem ar de falso. Sei lá, talvez seja exatamente o contrário. Menos é mais! Senão, mais é menos!
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E-mail: prheuser@gmail.com
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