23.7.06

Morrer. Pouco, Medianamente ou Muito?

Publicada na Gazeta do Sul em 26/07/2006
Morrer. Pouco, Medianamente ou Muito?

Por Paulo Heuser

Leio no jornal de sexta-feira que a Câmara e o Senado aprovaram por unanimidade um projeto de lei que altera o art. 218 do Código de Trânsito Brasileiro. Esta alteração cria uma faixa intermediária de excesso de velocidade e três valores para as multas. Trocando em miúdos, reduz o valor das multas aplicadas aos infratores que forem flagrados ultrapassando o limite de velocidade, em até 50%. Aí se entende o por que da unanimidade.
Nesta época os projetos estilo tira-um-bode-da-sala se tornam muito populares. E o presidente não será bobo em vetá-lo. Veja as armadilhas do FGTS das domésticas e do reajuste das aposentadorias. Deixaram o Presidente de calças curtas. Neste caso do art. 218 do CTB a alegria é geral, dos legisladores aos infratores. Quase geral. Os policiais rodoviários vão ter de juntar mais pedaços humanos.
Tudo que vejo a respeito dos perigos da velocidade excessiva no trânsito diz respeito à crescente dificuldade em se parar o veículo. Pouco se fala no que acontece quando o veículo colide. Sem utilizar muito fisiquês, apenas o que aprendemos ou decoramos no ensino médio, podemos ver que corpos em movimento possuem uma energia cinética. De onde veio? Do combustível que se queimou. Quando o carro colide com outro objeto essa energia tem de ser dissipada até que este e aquele atinjam a imobilidade. Acredite na conservação da energia, funciona assim mesmo. Lembra do bife e do croquete?
Quando os dois objetos ficarem imóveis a energia cinética terá se ido, ou melhor, se transformado. No quê? No estrondo da colisão, em calor e, principalmente, na força que deforma os objetos envolvidos na colisão, inclusive nós. Os carros de corrida desfazem-se espetacularmente em pedaços para absorver o máximo possível da energia cinética antes de deformar, digamos assim, o piloto.
Os carros de passeio modernos são projetados para deformar-se progressivamente durante as colisões. Não, não é para aumentar a despesa do reparo. É para proteger os ocupantes. Aí você dá uma de espertinho e coloca um gancho fixo para reboque no agregado traseiro do seu carro, não é? O carro de trás que se dane na colisão. Muito esperto, a energia que seria absorvida pela deformação do pára-choque agora é absorvida pelo seu pescoço. Perdem o seu mecânico e os pedestres que tropeçam naquela peça, ganha o seu ortopedista.
As velocidades e a massas dos objetos envolvidos entram no cálculo da energia cinética. Só que a velocidade entra ao quadrado (K=½ mv2). Ou seja, a energia cresce tremendamente à medida que a velocidade aumenta. Assim cresce a probabilidade de nos transformarmos em algo, digamos assim, morto. Um automóvel médio trafegando a 50 km/h adquire energia cinética de aproximadamente 96,5 kJ. O mesmo automóvel trafegando a 150 km/h adquire energia cinética de 868 kJ. Ao triplicar a velocidade aumentamos nove vezes o estrago que será produzido durante uma colisão. E aumentamos nove vezes a capacidade de transformar quem está lá dentro em objetos inanimados e disformes. Mortos.
Certo, chegaremos antes ao destino. Seja este qual for. E seja com que roupa for, esportiva ou de madeira. Até agora podíamos apenas morrer pouco ou muito. Após a sanção nova da lei poderemos morrer pouco, medianamente ou muito. Morrer e matar. Ou viver. É o livre arbítrio.

E-mail: prheuser@gmail.com

1 Comments:

At quarta-feira, 09 agosto, 2006, Anonymous Anônimo said...

Here are some links that I believe will be interested

 

Postar um comentário

<< Home