Sobre Batatas, RU e Revolução
Sobre Batatas, RU e Revolução
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Estava lendo um livro muito interessante, curiosamente intitulado "Sobre Volta, Batatas e Fótons", coletânea de textos sobre a pilha de Volta (pilha elétrica), que contém uma descrição de uma pilha elétrica feita com batatas. A versatilidade da batata realmente me impressiona. Não conheço alguém que não goste de batatas, em alguma de suas inúmeras formas de preparo. Até os ingleses gostam de batatas! Minha mulher faz um purê de batatas, que não ouso tentar imitar, tremendo sucesso, graças a porções secretas de manteiga, leite e queijo parmesão, conferindo sabor e textura inigualáveis. O peru da Ceia de Natal foi relegado à condição de guarnição do purê dela. Quem o prova, descobre que, até aquele momento, só havia comido míseras batatas amassadas. Há também a salada de batatas com maionese que ela prepara, realmente cremosa, mas isto já é outra história. Sintomaticamente, os sobrinhos de origem alemã preferem o purê, enquanto que os sobrinhos de origem italiana preferem a maionese. Fico imaginando o que os pobres europeus comiam até o século XVI. Não é para menos que se aventuravam naquelas caravelas, na procura de algo decente para comer. Os espanhóis se deram bem; Pena que os ingleses tenham achado o ketchup também. Curiosamente, este é uma corruptela do termo chinês Koechiap - sal para conservar peixes.
Inesquecível era o purê de batatas servido num restaurante universitário, em meados da década de 70 (do século passado). Apresentava um gosto peculiar, único mesmo, definitivamente exótico. Havia todo um folclore cercando a comida lá servida, a preço realmente irrisório. O preço continua o mesmo até os dias de hoje. Mas o purê de batatas mudou. Cada prato tinha um apelido divertido. O bife era o James Bond – nervos de aço. Eu sempre achei mais engraçado o apelido da galinha frita: Joana D'Arc – queimada viva. Intrigante era o apelido do pastel de camarão, servido aos sábados: coloidal. O purê, singularmente, não tinha apelido. Num dia, que começou como qualquer outro, o segredo do tempero do purê foi revelado por um aluno que anunciou, em voz alta e clara – Sei como esse purê é feito! Instantaneamente a boa nova propagou-se, de mesa em mesa, substituindo aquela zorra tradicional por um silêncio sepulcral de expectativa ante a iminente revelação. Olhando para os dois lados, para ter certeza que estava sendo ouvido por todos, ele revelou o segredo: uma cozinheira, senhora de dimensões avantajadas, ficaria sentada sobre uma banqueta, no centro da cozinha, tendo no seu lado direito uma panela com batatas cozidas inteiras. No seu lado esquerdo uma panela vazia, no chão. Com a mão direita pegaria as batatas inteiras, colocando-as sob a axila esquerda, fazendo um rápido movimento de contração do braço esquerdo. A batata esmagada sob a axila, já transformada em purê, cairia na panela vazia, pronta para ser servida. Seguiu-se um longo e profundo silêncio. E sobrou purê de batatas nas bandejas naquele dia.
Numa das tradicionais manifestações que os estudantes realizavam, naquela época, para protestar contra as tentativas de aumento, de 0,1%, do preço das refeições, a batata revelou seu lado revolucionário. Como de praxe, os manifestantes obstruíam uma avenida defronte ao restaurante. O batalhão de choque, chamado para liberar a avenida, vestido de azul, era recebido aos gritos de "Grêêêmiooo!", revidando com bombas de gás lacrimogêneo e cassetetes. Num desses eventos os revoltosos conseguiram apoderar-se de uma carga de batatas, destinada ao restaurante, e a transformaram em munição, na forma de petardos tuberculosos lançados contra os policiais. Esse aspecto revolucionário da batata ficava mais evidente quando, após as manifestações, os integrantes seguiam para o Alaska, na Esquina Maldita (Osvaldo Aranha com Sarmento Leite) onde discutiam o resultado das manobras em reuniões movidas a cerveja e batatas fritas. Afinal, o RU estava fechado mesmo!
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Paulo Roberto Heuser
1 Comments:
I like it! Good job. Go on.
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