24.2.08

O que é uma fêmea?



Foto: Paulo Heuser

O que é uma fêmea?

Por Paulo Heuser


Hipermercados são isso mesmo, são hiper. Perde-se um hipertempo lá dentro, realizando hipercaminhadas para comprar salsinha. A lógica da distribuição das mercadorias no interior dos hipermercados também é hiper, a hiperlógica que define que a salsinha deve ficar ao lado dos pneus. Os pneus para jipes 4X4, naturalmente. Os outros ficam ao lado dos defumados. Os hipermercados têm hiperquantidades das coisas que eu não desejo comprar.

Lá ia eu, compenetrado, procurando por um afiador de facas, de molas, quando aquela morena vistosa interrompeu minha busca e falou:

- Por favor, o que é uma fêmea?

Um turbilhão de respostas girou em torno da minha mente surpreendida pela pergunta. Sei lá porque, selecionei uma resposta que passou aleatoriamente pela minha frente. Apenas a peguei, e lhe respondi:

- Bem, sendo sincero, uma fêmea é uma mulher. - Simples assim.

- Oh! – disse ela – Não esse tipo de fêmea. Falo da tomada fêmea...

- Ah, bom. É aquela com furos. A outra, com pinos, é macho.

- Vou levar uma de cada! – exclamou ela, aparentemente feliz com sua dupla descoberta.

Logo a expressão dela mudou para a dúvida, denunciada pela testa franzida.

- Será que elas se encaixam? – continuou.

- Com certeza, nasceram uma para a outra! – afirmei.

E lá saiu ela, feliz com seu casal de tomadas. Eu fiquei lá parado, por um instante, pensando naquela pergunta até certo ponto estúpida. Como poderia alguém desconhecer uma tomada fêmea? Desisti do afiador de facas e fui procurar o item dois da minha lista de um item: a rúcula. Eu morro de inveja dos donos de churrascarias baratas. Parecem ser os únicos que conseguem comprar rúcula decente. Eu só consigo encontrar rúculas secas, no hipermercado. Não sei nem como se atrevem a vender aquelas folhas secas e quebradiças. Até que encontrei a rúcula com alguma facilidade. O gerente me informara, já na entrada, que a rúcula estava ao lado das tochas de jardim e das baterias de automóvel. Hiperlógica de hipermercado. Desisti da compra, ao deparar com aquelas folhas horríveis. Hora de voltar. Já estava escurecendo eu ainda teria de achar meu carro no hiperestacionamento, antes das 23 horas.

Quando eu passava pela seção de aquários para barracudas, lá pelas 22 horas, outra mulher interceptou minha jornada. Fazia um estilo refinado, tanto pelo nariz de grife, como pelas jóias. É o tipo de mulher que não bebe chá. Não em xícaras, pelo menos. Ela usa chávenas. Tampouco usa pasta de dente. Usa dentifrício. Durex? Nem sonhar, ela usa fita adesiva. Ela me olhou sem olhar, como esse tipo de mulher sabe fazer. Perguntou-me na lata, sem firulas:

- Onde está o almeirão?

- Ah, o almeirão. Bem, ele está ali, logo depois das seções de mangueiras de incêndio e colheitadeiras de trigo.

A mulher seguiu, sem pestanejar nem me agradecer. Ainda bem, pois eu ficaria com a consciência um pouco suja.

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