6.2.08

Chevette turbo


Foto: Paulo Heuser
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Chevette turbo

Por Paulo Heuser


Esta não aconteceu em Veneza. Aconteceu em Punta Del Este, Uruguai. Mais precisamente na Rambla Cláudio William, na Parada Um da Praia Mansa, onde a Punta realmente começa a ser uma ponta.

Que o Uruguai é um país de contrastes automobilísticos, todo mundo sabe. Verdadeiros destroços móveis arrastam-se em meio aos carros modernos e caríssimos. E é exatamente na Punta que esse contraste se exacerba. O novíssimo Porsche Carrera divide a rua com o Renault 4CV – Rabo Quente – da década de 50. Caminhões Fargo, sabe-se lá de quando, caranguejam ao lado da Ferrari Qualcosa. E assim la nave va, especialmente na marina del Este.

O papo no bar ao ar livre girava em torno de um tal de Gaby Alvarez, relações públicas argentino que cobrava até 50 mil dólares para introduzir seus clientes numa das festas das celebridades que recheiam as noites da capão-canônica Punta del Este. Pois o tal RP cruzava pela Ruta 10 a 140 km/h, falando ao telefone móvel, na altura de San Ignácio, no carro dirigido pelo seu secretário particular, quando teve um faniquite e resolveu puxar o freio de mão, em protesto contra algo que seu interlocutor dizia. Provocou um acidente que matou um casal de turistas argentinos que trafegavam de moto pela pista contrária. Pois lá não há cesta básica que livre o Gaby da cadeia, nem aquelas recheadas com Taittinger e patê de foie gras. Gaby foi em cana, junto com seu secretário.

Em meio ao papo do momento e aos tim-tins dos cálices de champanha e vinho branco, um cabriolé Mercedes Benz estacionou na Rambla, chamando a atenção de quem por ali passava. Um casal de idade-inteira tripulava aquela fantástica máquina tedesca. Enquanto os tripulantes da nave atravessavam a rua, uma legião de farofeiros apressou-se em fotografar o carro, utilizando telefones móveis com câmeras. O felizardo casal, alheio ao furor que seu veículo causara, postou-se ao lado de um Chevette Hatch estacionado do outro lado da Rambla. Não era exatamente um Chevette Hatch. Fora, um dia. A ferrugem carcomera sua traseira e seu prumo lateral, transformando-o num destroço ambulante. Aquela coisa ainda era capaz de cruzar a Rambla, dar a volta pela Gorlero e passear entre os pelados de Chihuahua. Um sujeito, que ou era albino, ou pintor de paredes, desceu do naufrágio terrestre para conversar com o casal. Após rápida discussão, chegaram ao acordo comercial. O pinto albino saiu feliz da vida, a pé, contando um maço de dólares, enquanto o dono do cabriolé olhava satisfeito para seu novo Chevette-destroço.

Sem demora um jornalista do bar reconheceu Tony Fortunategaray, rico empresário argentino e novo proprietário do Chevette. A entrevista que se seguiu esclareceu algumas coisas. O entrevistador perguntou-lhe por que adquirira aquele monte de sucata e ferrugem, quando podia tripular coisas como aquela Mercedes SLR, alvo de tanta admiração de todos, lagosteiros ou farofeiros. Tony apressou-se em explicar:
- Nós estamos indo passar o verão no Brasil (pronuncia-se Brasssil) e ouvimos falar que as multas serão proporcionais ao valor do carro. Assim trocaremos a carroceria do SLR pela do Chevette.

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