21.12.07

A formatura


Foto: Wikipedia
A formatura

Por Paulo Heuser


Cheguei cedo, pois sabia que faltariam lugares no salão. Formatura é sinônimo de casa cheia. Tal freqüência só se compara àquela das reuniões de condomínio cuja pauta inclui a execução sumária do síndico. Após o inevitável congestionamento de fim de tarde, consegui entrar na fila para o estacionamento. Logo apareceu um rapaz vestindo um traje em cores berrantes, identificado como manobrista, através do vistoso crachá. Fiquei na dúvida, por um momento. Seria mesmo um manobrista? O simpático e sorridente rapaz assumiu a direção e se foi, rua abaixo. Deixou-me um pedaço de papel numerado, contendo a tabela de preços. Primeira hora, sete reais. Primeira hora, em formatura? Só mesmo a da escola de mudos, com um formando apenas. Hora adicional, ou fração, cinco reais.

Dois integrantes da Guarda Suíça guardavam a porta do salão, realizando ostensivos movimentos com as lanças, cada vez que alguém cruzava por eles. O calor e a recepcionista esperavam por mim do lado de dentro. Ela usava um fone e murmurava frases ininteligíveis, enquanto sorria e indicava os assentos ainda vagos. Os assentos vagos são suspeitos, por essência. O simples fato de se encontrarem vagos indica potencial perigo. Há uma extensa lista de motivos para a existência de lugares vagos em formaturas. Alguns assentos estão quebrados, sem aparentá-lo. Descobrimos o defeito quando sentamos. No chão, bem entendido. Outro clássico é o chicabom que o pestinha deixou cair. Diversos assentos vagos ao redor de uma pessoa indicam campo minado. Certa feita, sentei-me num desses assentos. Não agüentei cinco minutos, pois o sujeito que representava o papel de ilha respirava de modo terrivelmente ruidoso. Algo como o som do estrebuchamento. Começava baixo e suave, crescendo para um som de apito engasgado. A expiração recebia acordes de fluidos trocando de lugar. O homem estava se afogando no seco. Impossível permanecer ao seu lado. Por fim, optei por assistir à formatura em pé.

Pontualmente na hora marcada, soou a fanfarra, anunciando a abertura da sessão solene. As luzes se apagaram, mantido apenas um foco de luz sobre um canto do palco, de onde surgiram pessoas vestidas em togas coloridas, que se dirigiram à mesa das autoridades. Seus passos foram cadenciados pelo rufar de bumbos e taróis. Quando entrou alguém com uma peruca branca, no melhor estilo Luis XIV, o som dos clarins se sobrepôs ao resto da fanfarra. Dois membros da Guarda Suíça bateram suas lanças no chão, no momento em que o tripulante da peruca sentou-se. Com certeza, seria o chefe, o diretor ou o reitor.

Dezenas de homens de preto revezavam-se carregando câmeras e iluminadores, enquanto outros moviam chaves deslizantes nas mesas de som. O canhão de luz voltou-se para acompanhar a entrada dos formandos, ao som da Marcha Radetzky, de Johann Strauss I, em ritmo de funk. A platéia aplaudia, berrava, uivava, apitava e soava buzinas de nevoeiro. O que se seguiu foi aquilo com o qual já nos acostumamos. Houve algo de novo, concordo. Eu ainda não havia visto essa nova alegoria dos formandos. Eles ocuparam os mezaninos laterais, após entrarem no salão. Quando chamados, deslizavam do mezanino até o palco, dependurados através de um cabo de aço quase invisível. O canhão de luz acompanhava a trajetória, produzindo efeito de vôo. A platéia foi ao delírio, a cada vôo rasante dos formandos. Depois aconteceu algo estranho. Divaguei, como já fiz em outros espetáculos que duraram mais do que quatro horas. O excesso de imagens e sons cansa. Tudo acaba tornando-se igual. O que causava arrepios, no início, vira chavão. É pena, pois nem me emocionei com as ginastas artísticas que executavam flick-flacks duplos, empunhando tochas, no fundo do palco. Nem reparei nos leões que saltavam entre os círculos produzidos pelas acrobacias das ginastas. Tudo culpa do excesso.
Em primeiro plano, professores homenageados digladiavam-se em uma dança cossaca burlesca. Nos meus devaneios, perguntei-me: - Como será a formatura de Ensino Médio desses alunos, daqui a três anos?

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