29.11.07

O pesadelo



O Pesadelo, Henry Fuseli

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O pesadelo

Por Paulo Heuser


Pesadelo é como montanha russa. Podemos apenas rezar para que termine logo. O que incomoda mesmo nos pesadelos é o papel de meros passageiros, que assumimos. Os piores pesadelos ocorrem após os rodízios de pizza, já que dificilmente alguém comeria feijoada durante o jantar. Descobri que os mexilhões ao alho e óleo não causam pesadelos. Eles simplesmente impedem o sono. E sem sono, não há pesadelo. De qualquer forma, após o rodízio de pizzas aos 28 queijos, vem aquele sono irresistível.

Mal caímos no sono e já estamos descendo as Cataratas do Iguaçu a bordo de um pedalinho em forma de cisne, com o Pee-Wee Herman ao timão. E, como num pesadelo tudo sempre pode piorar, o aquecimento global secou as cataratas. Não há escapatória, sem acordarmos. Há pesadelos tão doidos que, mesmo dormindo, percebemos que estamos sonhando. Imagine o Chávez dançando uma valsa com o Evo, enquanto o Bush e o Ahmadinejad – do Irã – trocam receitas de bombas atômicas. Sabe como é, um prefere as de urânio, o outro, as de plutônio.

Estamos quase entrando no mês das compras de Natal. Milhões de consumidores natalinos só pensam na mesma coisa: comprar, comprar e comprar. E comprar. Poucos sabem sequer por que estão comprando. Mas, se todos compram, por que não comprar também? Todos vão às compras exatamente na hora em que também vamos. Essas coincidências são incríveis. Esse é um pesadelo acordado. Os pesadelos acordados podem ser minimizados, com algum planejamento. Contudo, podemos nos lembrar, na última hora, daquele celular de conta, por um real, para a vovó. Damos o celular, e a conta é por conta da vovó. Sábio presente, bolado por um grego chamado Odisseu. Da versão eqüina original, evoluiu para essa pequena maravilha da comunicação. O espírito do presente, porém, restou intacto.

Um célebre pesadelo acordado foi o grupo musical Menudo. Dizia-se que mesmo os homens mais treinados na tolerância à tortura confessariam qualquer coisa após ficarem trancados numa sala ouvindo Menudos ininterruptamente. Semelhante pesadelo ocorre nos bailes de Carnaval infantis, com o célebre Atirei o Pau no Gato, agora em versões politicamente corretas.

Meu mais novo pesadelo vem pela TV a cabo. Não consigo mais ligá-la. Suo frio, começo a tremer e desisto. Comprei uma antena interna, do camelô, aquela que tem um encaixe que não se encaixa em lugar nenhum, e passei a assistir à TV aberta. Troquei o Chávez pelo Chaves. Ambos são divertidos, porém o segundo não é perigoso. E não corro mais o risco de enlouquecer com o pesadelo da TV a cabo. Nem sei o nome daquela mulher que me enlouquece. Ela começa a falar quando aperto a tecla que liga o decodificador. Depois, não pára mais. Após a ducentésima quadragésima oitava vez que ela me mandou apertar a tecla vermelha após apertar... - Qual era mesmo? Ou seria a azul, após o asterisco? -, não suportei mais.
À medida que a repulsa provocada pela voz crescia, tentei diversas formas para abafá-la. Usei a clássica técnica adotada pelas crianças que não querem ouvir alguma coisa. Tapei os ouvidos e comecei a falar ininterruptamente, em voz alta. Porém, com as duas mãos ocupadas, não consegui apertar a tecla que me levaria a um canal seguro. Procurei alguma configuração que me permitisse atalhar diretamente a outro canal. Nada, em vão. Liguei fones de ouvido ao aparelho de som que, por sua vez, estava desgraçadamente ligado àquela caixinha de onde provém a tal da voz que nos instrui sem parar. Ouvi aquela voz amplificada, pesadelo também amplificado.

Por fim, comprei um daqueles abafadores acústicos para flanelinhas de Boeing 747. Funcionou, porém descobri um mundo silencioso que invariavelmente me levava ao sono recheado de pesadelos com mulheres que mandavam pressionar o * após do vermelho, ou seria o amarelo após o verde?


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