A classe média II - O sindicato
Foto: Wikipedia
- E aí, já conseguiu mostrar a verdade para alguém?
- Quase, quase! Vocês são meio cabeças-duras, por aqui! – disse o estranho, enquanto fitava o copo, desconfiado.
- É que nós cultivamos a cultura dos nossos antepassados. Não gostamos de novidades. O que está para lá do cinamomo, não nos interessa muito, além do comércio.
O estranho fez uma careta estranha, talvez pela última frase do Linoberto, talvez pela amargura da “boa”. E continuou:
- Esse é o problema! Vocês impedem a revolução proletária! – O estranho elevou o tom de voz. O terneiro, já crescido, mugiu em resposta.
- Hoje ouvi no noticiário o tal de Jabor dizendo que nós somos a classe média confusa e desinformada. – disse Linoberto.
- Não gosto daquele jornalista, pois escreve textos contra a única verdade. É um servo do imperialismo bushista-sarkozysta. Porém, quanto à classe média, tem razão. Dou a mão à palmatória.
- Ou seja, apanhamos de cima e de baixo. – disse Linoberto.
- Pudera, vocês não são pobres nem ricos. Compram ingressos para o canadense Cirque du Soleil (cúmulo do bushismo-sarkozysmo) em prestações. Os proletários não vão, ficam manobrando os carros das elites que vão, e pagam à vista. Vocês vão ao bistrô do Pierre e perguntam se aceitam vale-refeição. Suas mulheres se enchem de cremes contra rugas, enquanto as elites mandam trocar a cara no Pitangy. Vocês põem o lixo em sacos de supermercado. Proletário junta o lixo, enquanto a elite joga fora lagosta vincenda hoje, em sacos de lixo com propaganda de uísque escocês. Vocês põem película escura no vidro do carro, para não serem multados por falar ao celular. Pobre anda de Kadet com todos os vidros abertos, bombando som, enquanto as elites andam com os vidros fechados, falando pelos handsfree.
O terneiro, já crescido, aproveitou a deixa, para mugir. O estranho começou a acreditar que aquilo fazia parte de uma espécie de claque para ridicularizá-lo.
- Pois aqui nós não temos dessas coisas, não. – disse Linoberto, enquanto saboreava mais um gole daquele elixir da amargura.
- Ah, não têm? E o que é aquele sujeito parado do outro lado do balcão? Proletário, não é! É um proprietário, com certeza! Portanto, membro da elite local, que explora a classe média como você, que impede a ascensão das minorias proletárias oprimidas, como aquele sujeito que você mantém trabalhando na sua terra, de sol a sol. – o estranho estava cada vez mais alterado.
O sexto dos 12 irmãos achou que o estranho passara da conta, expulsando-o do bar, restaurante e borracharia. Chamá-lo de proprietário, tudo bem. Porém, chamá-lo de elite local? Ele nem entendia direito o que seria isso. Por via das dúvidas, melhor mandá-lo pastar, desde que não incomodasse o terneiro, já crescido, que mugiu.
Linoberto chegou em casa, com aquele ar de preocupação que Maria bem conhecia. Vira aquela expressão por duas vezes, nos últimos 11 anos. A primeira, quando o terneiro nasceu e o cunhado não pode levar o leite para lá do cinamomo. A segunda, no dia em que o estranho chegou, lhes dizendo que fariam parte da classe média, o colchão de proteção das elites imperialistas degeneradas, bushistas-sarkozystas, com certeza.
- O que foi, Lino? O estranho, novamente?
- É Maria, o Sexto o botou para fora do bar, armazém e borracharia. Aí o estranho procurou teu pai para convencê-lo a fazer greve.
- Meu pai?
- Sim, ele disse que o teu pai é um proletário explorado pelas elites, através de nós, classe média, colchão imperialista decadente.
- Mas, meu pai trabalha na terra que nos deixou, conosco, como família!
- Sei, mas ele disse que isso não muda nada. Camponês sempre é explorado, parente ou não. Estava tentando convencê-lo a fundar um sindicato. Ele traria todo o material necessário, do outro lado do cinamomo.
- Meu pai não aceitou, não é?
- Não, Maria.
- Graças a Deus!
- Bem, tive de lhe fazer algumas concessões. A partir de amanhã, quando assinaremos o acordo coletivo de trabalho, o velho poderá fumar escondido quantas vezes quiser e poderá ir oito vezes por dia até o 12 Irmãos.
O terneiro, já crescido, mugiu.
A classe média II – O sindicato
Por Paulo Heuser
Linoberto Classe Média viu-se novamente sentado numa das desconfortáveis cadeiras do Bar, Armazém e Borracharia 12 Irmãos. Viu-se, pois havia um espelho na parede oposta. O copo com a dose da “boa” repousava sobre a mesa, entre um e outro gole, prudentemente espaçados. Repetiu-se o ritual da chegada do estranho, o mesmo do colchão imperialista. O estranho pediu novamente o mesmo que Linoberto bebia, e assim por diante.
Por Paulo Heuser
Linoberto Classe Média viu-se novamente sentado numa das desconfortáveis cadeiras do Bar, Armazém e Borracharia 12 Irmãos. Viu-se, pois havia um espelho na parede oposta. O copo com a dose da “boa” repousava sobre a mesa, entre um e outro gole, prudentemente espaçados. Repetiu-se o ritual da chegada do estranho, o mesmo do colchão imperialista. O estranho pediu novamente o mesmo que Linoberto bebia, e assim por diante.
- E aí, já conseguiu mostrar a verdade para alguém?
- Quase, quase! Vocês são meio cabeças-duras, por aqui! – disse o estranho, enquanto fitava o copo, desconfiado.
- É que nós cultivamos a cultura dos nossos antepassados. Não gostamos de novidades. O que está para lá do cinamomo, não nos interessa muito, além do comércio.
O estranho fez uma careta estranha, talvez pela última frase do Linoberto, talvez pela amargura da “boa”. E continuou:
- Esse é o problema! Vocês impedem a revolução proletária! – O estranho elevou o tom de voz. O terneiro, já crescido, mugiu em resposta.
- Hoje ouvi no noticiário o tal de Jabor dizendo que nós somos a classe média confusa e desinformada. – disse Linoberto.
- Não gosto daquele jornalista, pois escreve textos contra a única verdade. É um servo do imperialismo bushista-sarkozysta. Porém, quanto à classe média, tem razão. Dou a mão à palmatória.
- Ou seja, apanhamos de cima e de baixo. – disse Linoberto.
- Pudera, vocês não são pobres nem ricos. Compram ingressos para o canadense Cirque du Soleil (cúmulo do bushismo-sarkozysmo) em prestações. Os proletários não vão, ficam manobrando os carros das elites que vão, e pagam à vista. Vocês vão ao bistrô do Pierre e perguntam se aceitam vale-refeição. Suas mulheres se enchem de cremes contra rugas, enquanto as elites mandam trocar a cara no Pitangy. Vocês põem o lixo em sacos de supermercado. Proletário junta o lixo, enquanto a elite joga fora lagosta vincenda hoje, em sacos de lixo com propaganda de uísque escocês. Vocês põem película escura no vidro do carro, para não serem multados por falar ao celular. Pobre anda de Kadet com todos os vidros abertos, bombando som, enquanto as elites andam com os vidros fechados, falando pelos handsfree.
O terneiro, já crescido, aproveitou a deixa, para mugir. O estranho começou a acreditar que aquilo fazia parte de uma espécie de claque para ridicularizá-lo.
- Pois aqui nós não temos dessas coisas, não. – disse Linoberto, enquanto saboreava mais um gole daquele elixir da amargura.
- Ah, não têm? E o que é aquele sujeito parado do outro lado do balcão? Proletário, não é! É um proprietário, com certeza! Portanto, membro da elite local, que explora a classe média como você, que impede a ascensão das minorias proletárias oprimidas, como aquele sujeito que você mantém trabalhando na sua terra, de sol a sol. – o estranho estava cada vez mais alterado.
O sexto dos 12 irmãos achou que o estranho passara da conta, expulsando-o do bar, restaurante e borracharia. Chamá-lo de proprietário, tudo bem. Porém, chamá-lo de elite local? Ele nem entendia direito o que seria isso. Por via das dúvidas, melhor mandá-lo pastar, desde que não incomodasse o terneiro, já crescido, que mugiu.
Linoberto chegou em casa, com aquele ar de preocupação que Maria bem conhecia. Vira aquela expressão por duas vezes, nos últimos 11 anos. A primeira, quando o terneiro nasceu e o cunhado não pode levar o leite para lá do cinamomo. A segunda, no dia em que o estranho chegou, lhes dizendo que fariam parte da classe média, o colchão de proteção das elites imperialistas degeneradas, bushistas-sarkozystas, com certeza.
- O que foi, Lino? O estranho, novamente?
- É Maria, o Sexto o botou para fora do bar, armazém e borracharia. Aí o estranho procurou teu pai para convencê-lo a fazer greve.
- Meu pai?
- Sim, ele disse que o teu pai é um proletário explorado pelas elites, através de nós, classe média, colchão imperialista decadente.
- Mas, meu pai trabalha na terra que nos deixou, conosco, como família!
- Sei, mas ele disse que isso não muda nada. Camponês sempre é explorado, parente ou não. Estava tentando convencê-lo a fundar um sindicato. Ele traria todo o material necessário, do outro lado do cinamomo.
- Meu pai não aceitou, não é?
- Não, Maria.
- Graças a Deus!
- Bem, tive de lhe fazer algumas concessões. A partir de amanhã, quando assinaremos o acordo coletivo de trabalho, o velho poderá fumar escondido quantas vezes quiser e poderá ir oito vezes por dia até o 12 Irmãos.
O terneiro, já crescido, mugiu.
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