Santos Antônios
Foto: Wikipedia
Santos Antônios
Por Paulo Heuser
Aconteceu no sábado à tarde, no Mercado. Eu havia ido até lá para comprar camarões e outras coisinhas, como a lingüiça calabresa que faria um calabrês beber a metade do Mar Tirreno para aplacar a ardência. A chuva caia, como seria de se esperar. Encontrei os camarões na peixaria, como também seria de se esperar. Crus, simpáticos, só não consegui olhá-los olho no olho porque alguém lhes arrancara os olhos.
- Boa tarde!
- Boa tarde! Oitocentos gramas desse camarão cru, por favor.
- O senhor já conhece este camarão?
- Errr...Bem, não... – se eu já o conhecesse, fresco não seria, com certeza.
- Este é o camarão Santo Antônio.
- É de Santo Antônio da Patrulha? – pergunte-lhe, admirado.
- Não, o nome é Santo Antônio!
- Ah, bom. Não, não o conhecia.
- Devo avisá-lo, o cheiro dele é mais forte. Porém, o sabor também é.
- Bem, limão deve tirar o cheiro, não é?
- Sim, tira a maior parte.
Na dúvida, levei. Um estranho odor, no interior do carro, já se fez sentir antes mesmo de deixarmos o Centro. Tive que abrir os vidros, apesar da chuva. Chegando em casa, apressei-me em espremer um limão sobre os Santos Antônios, na área de serviço. Pela antecedência, e pela quantidade de limão, teríamos Santos Antônios marinados, para o jantar - por que não? Por precaução, fechei a porta que leva à área de serviço. Também tomei um banho demorado, pois aquele cheiro – eufemismo - parecia ter se impregnado nas roupas e na pele. O porteiro interrompeu meu banho para avisar que alguns gatos rondavam meu carro. Avisou também para tomarmos cuidado com três enormes aves pretas que rondavam a área de serviço. O vizinho tocou a campainha.
- Olá, morreu algum animal doméstico aqui, na semana passada?
- Na semana passada?
- É, para feder tanto, não pode ter morrido hoje, nem ontem!
- Foram os Santos Antônios...
- Céus, de santo casamenteiro passou a santo do divórcio. Ninguém consegue permanecer casado, com esse fedor!
Senti que chegara a hora de uma ação mais drástica. Resolvi refogar os Santos Antônios, na esperança de eliminar o fedor. Se funcionou, não sei. Já estava tudo tão impregnado, que até os sabonetes pareciam cheirar a camarão. Ninguém conseguia encontrar o cachorro. Com os Santos Antônios já refogados, arejei toda a casa. Levei o saco plástico e o embrulho da peixaria para o lixo. Lá pelas sete de noite o cachorro reapareceu. Bom sinal. O porteiro avisou que os gatos e as aves pretas haviam ido embora. Outro bom sinal.
Quando as visitas chegaram, depois das oito, era visível o olhar de espanto delas. Isso que os Santos Antônios já haviam sido refogados há muito. A sinceridade veio da sobrinha-neta, ao ser convidada para entrar na cozinha:
- Eu na entro aí de jeito nenhum! Que fedor!
No fim de contas, tudo deu certo. Os Santos Antônios apresentaram um sabor à altura do cheiro, no bom sentido. Os gatos e as grandes aves pretas não voltaram. Seguiram o caminhão do lixo, naquela noite.
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