29.10.07

Ah, Paris, Paris...



Foto: Paulo Heuser
Ah, Paris, Paris...

Por Paulo Heuser


Cheguei lá por acaso. Em outros tempos, eu ia muito à Zona Sul. Ia pedalando até Belém Novo. Por vezes, ao Lami. Acordava bem cedo, nos domingos, calibrava os pneus da magrela e seguia em direção ao Gasômetro, onde angariava algum outro suicida em potencial para a empreitada. A ida até que não era tão complicada, seguindo pela Wenceslau Escobar, Coronel Marcos, Tramandaí e Estrada Juca Batista. Com o vento de cauda, ia-se facilmente. Na volta, a coisa era outra. Já se sentia um pouco as pernas, especialmente com o vento de frente, ali pelo Aeroclube de Belém Novo. Porém, o maior desafio nos esperava lá pela encruzilhada da Juca Batista com a Edgar Pires de Castro, para cá do acesso a Restinga. Lá enfrentávamos o cheiro de carne assada que emanava da churrascaria. Com o meio-dia se aproximando, o café da manhã gasto há muito, aquilo era uma tortura terrível. Só vegetarianos passavam por ali incólumes.

Domingo cruzei defronte àquela churrascaria, desta vez de carro. O meio de transporte mudou, porém o cheiro é o mesmo, passados tantos anos. Não resisti, parei e entrei. Não me arrependi. É uma das ótimas alternativas aos pasteurizados rodízios sejam lá do quê. Xixo, salada, polenta e o melhor pão com alho que o dinheiro pode comprar.

Em meio ao almoço, a conversa da mesa ao lado se sobressaía em meio à zoeira de fundo comum aos almoços de domingo. Uma família típica sentava-se ao redor da mesa. A que parecia ser a sogra, suspirava longamente, enquanto dizia:

- Ah, Paris, Paris...

A que parecia ser a nora, uma loira baixinha e vivaz, quase saltou da cadeira para perguntar à sogra:

- O que tem Paris?

- Ah, Paris tem o Sena... – respondeu-lhe a sogra, enquanto recostava-se na cadeira, com o olhar perdido do outro lado do Atlântico.

- Nós temos o Dilúvio! – rebateu a baixinha.

Os que pareciam pai e filho entreolharam-se, pediram outra cerveja e mantiveram-se mudos, cada um olhando para seu prato.

- Ah, Paris tem o Moulin Rouge... – o olhar da sogra transbordava de romantismo. O marido continuava concentrado no prato.

- O que é que tem de mais num bordel cheio de mulheres padronizadas, caro prá burro, ainda por cima? Aqui temos bordéis baratos, com mulheres para qualquer gosto, altas, baixas, gordas ou magras.

- Ah, Paris tem a boemia do Montmartre...

- E nós temos a da Cidade Baixa. Nada no mundo é mais boêmio do que a Cidade Baixa!

Prudentes, pai e filho foram fumar do lado de fora, observando o movimento da Juca Batista. Levaram os copos e a garrafa. Do lado de dentro, fez-se um relativo silêncio, nas outras mesas. Ninguém queria perder nada daquela batalha sócio-geográfica, travada pela sogra sonhadora oposicionista e a nora militante de alguma facção situacionista não-bem identificável. Quando pediram a opinião do garçom, este prontamente respondeu que o doce de abóbora estava imperdível.

- Ah, Paris tem os Bois de Bolougne...- ela já parecia divertir-se com a batalha.

- E nós temos a Redenção! – mandou ver a baixinha espevitada.

- Ah, Paris tem aqueles prédios baixos, todos iguais, permitindo visão de toda a cidade...

- E nós temos o IAPI! Nada no mundo é mais igual do que o IAPI. Se largarem um francês lá dentro, ele nunca sairá!

- Ah, Paris não tem flanelinhas...

- E nós temos aos montes, por tudo... – a baixinha calou-se subitamente, enquanto a sogra sorria marotamente.

A conversa reiniciou nas outras mesas. Naquela, da sogra e da nora, reinou silêncio. Pai e filho retornaram, após terem se certificado de que a batalha cessara. O pai chegou a perguntar ao garçom sobre o doce de abóbora. Contudo, desistiu, ao sentir o clima que se instalara naquela mesa. Pediu a conta e seguiram seu caminho. Curiosamente, lá não havia flanelinhas.

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