Roda do Ano
Figura: Wikipedia
Roda do Ano
Por Paulo Heuser
A irmã do Zé me fez voltar à juventude. Em memória, bem entendido. Enquanto me contava casos ocorridos na escola, viajei até 1973. Naquele ano troquei de colégio. Deixei o Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, e fui cursar o então Terceiro Científico no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre. Novo prédio, novos colegas, nova cidade, tudo era novo, inclusive os costumes. Cada colégio cultuava rituais próprios, principalmente aqueles de despedida da vida escolar secundária, hoje Ensino Médio. Os terceiranistas mantêm as tradições, por mais estranhas e peculiares que estas possam parecer. No Colégio Farroupilha, havia a guerra das bexigas cheias d’água, travada entre as duas turmas de terceiranistas, com inevitáveis respingos nos demais alunos. Para desespero do então diretor, Professor Thys, desde o final de outubro, até tornarem-se ex-alunos, os anjos travavam batalhas realmente molhadas. Melhor do que bombas ou ovos, dizia o mestre de Física, Professor Rasia.
Por Paulo Heuser
A irmã do Zé me fez voltar à juventude. Em memória, bem entendido. Enquanto me contava casos ocorridos na escola, viajei até 1973. Naquele ano troquei de colégio. Deixei o Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, e fui cursar o então Terceiro Científico no Colégio Farroupilha, em Porto Alegre. Novo prédio, novos colegas, nova cidade, tudo era novo, inclusive os costumes. Cada colégio cultuava rituais próprios, principalmente aqueles de despedida da vida escolar secundária, hoje Ensino Médio. Os terceiranistas mantêm as tradições, por mais estranhas e peculiares que estas possam parecer. No Colégio Farroupilha, havia a guerra das bexigas cheias d’água, travada entre as duas turmas de terceiranistas, com inevitáveis respingos nos demais alunos. Para desespero do então diretor, Professor Thys, desde o final de outubro, até tornarem-se ex-alunos, os anjos travavam batalhas realmente molhadas. Melhor do que bombas ou ovos, dizia o mestre de Física, Professor Rasia.
A irmã do Zé queixava-se de mais uma efeméride importada – Halloween. Uma mãe teria feito um escândalo ao descobrir que a escola não preparara atividades especiais para esses dias tão importantes - na opinião dela -, já que gastara uma quantia substancial na aquisição de capa, abóbora laser com MP4 e uma vassoura biturbo. A irmã do Zé tentara argumentar que o Halloween era uma efeméride de origem irlandesa, dos descendentes dos celtas, que a única coisa celta que havia ali era o carro dela, e assim por diante. Outras queixas seguiram-se, inclusive com ameaças de retirarem os filhos daquela escola que não honrava as tradições, mesmo que irlandesas. Novamente, de nada adiantaram os argumentos de que o Halloween seria a deturpação de uma festa pagã conhecida como Samhain que fazia parte da Roda do Ano – calendário das oito grandes festividades celtas. Muito exaltado, um pai argumentava que a origem não importava. O importante era a moda. Sua filha ganhara uma bolsa porta-guloseima Luis Vitão recheada com chocolates italianos Amedei Porcelana. Foi o mesmo pai que sugeriu a troca da comemoração da Revolução Farroupilha pela realização de uma festa de peões boiadeiros, na própria escola. Ele já havia comprado para o filho um autêntico chapéu Stetson da 25 de Março.
Lembrei-me da professora de Geografia, cujo nome não lembro. Ela ciceroneava uma professora norte-americana que veio conhecer alguns colégios brasileiros. Quiseram o destino e a mira do colega Galinhão, que as duas professoras saíssem porta afora no momento exato em que a bexiga esturricada d’água lá entrava. Encontraram-se na soleira, bexiga e professoras. A pobre mestra visitante ainda tentou segurar, instintivamente, aquele petardo aquoso. Ela ainda gotejava, quando observou que os alunos brasileiros comemoravam o Halloween de uma forma diferente. Assustadoramente molhada, porém limpa. Melhor do que jogarem abóboras uns nos outros – diria o Professor Rasia.
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