8.10.07

Fauna exótica



Foto: Wikipedia

Fauna exótica


Por Paulo Heuser



Volto à rotina. Acordo, me levanto, apanho o jornal e tomo café. Meu café da manhã leva tudo, menos café. É um café da manhã descafezado. Folheando o jornal, concluo que tudo segue seu seguimento normal. Senão vejamos, hoje abrirão novo processo contra o Renan, o Renan prenderá o rabo de alguém, explode novo escândalo envolvendo ONGs e verbas parlamentares, furacão no Oriente, o bispo ataca a emissora concorrente e o Mangabeira ganha outro ministério. CPMF agora é a Contribuição Para o Mangabeira Ficar. Reclamam que o art. 84 da Constituição proíbe a criação de ministério por decreto. Esqueceram de lê-la, por certo. Crie-se outro, ora. Um Ministério das Borboletas, quem sabe. São bonitinhas, não incomodam ninguém e são efêmeras.

Segue tudo igual, aquela mulher estacionou novamente aquele Clio exatamente no lugar que impede o retorno, os pedestres atravessam a avenida fora da faixa e o eterno caminhão de verduras tranca a Riachuelo. Manhã típica, se não fosse o urso. Sim, um enorme urso marrom. Consigo desviar do humano e do crocodilo que atravessam a rua correndo, na companhia do infeliz urso, porém deste, não consigo. Atravessam a rua correndo, com sinal para pedestres fechado. E o ursídeo resta estatelado no asfalto molhado, com os olhos vítreos esbugalhados. Cena chocante que atrai grande público, ainda mais nesta hora da manhã. Temo ser detido, apesar de não haver presunção de culpa. Sabe como é, o pessoal normalmente tira o partido dos mais fracos. Do urso, no caso. Uma senhora idosa vestindo uma daquelas capas antigas de nylon, de cor bordô, tenta me tranqüilizar, lembrando o fato de que os ursídeos fazem parte da fauna exótica. Pelo menos não me prenderão em flagrante, sem fiança. O crocodilo continua rindo de tudo. Olhando com mais calma, os três se parecem com fauna exótica. Aqui, há apenas jacarés, e o humano, a julgar pelo seu sotaque, não parecem ter vindo destas paragens.

Antes que alguém possa esboçar qualquer tipo de reação, o humano recolhe aquele urso de pelúcia maior do que ele e parte em disparada, atravessando a rua em meio aos carros. O crocodilo continua rindo, sacudindo a cauda freneticamente, agarrado pelo outro braço do humano que corre rua abaixo. Desfeita a cena do incidente, pela fuga das vítimas, sigo meu caminho.

Já razoavelmente refeito do susto causado pelo atropelamento daquela enorme criatura de pelúcia, fico a imaginar o que aquele trio fazia ali. Teriam dormido na viagem e perdido a escala em Brasília? Acordaram aqui, dois mil quilômetros depois?

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