26.9.07

Problema de pressão

Esfigmomanômetro (ufa!)
Problema de pressão

Por Paulo Heuser


A figura do mal-entendido nos persegue pela vida toda. Quem nunca interpretou mal algo falado, escrito ou visto? Um mal-entendido que sempre me volta à memória ocorreu numa lanchonete, onde pedi uma água mineral. O atendente me olhou de modo estranho e me perguntou se eu também gostaria de um copo d’água. Foi um daqueles momentos em que precisamos parar tudo, rebobinar a fita e tocar novamente. A propósito, no auge da utilização dos videocassetes comprei um inutilíssimo rebobinador de fitas. Mais um traste para ocupar lugar, na estante e na tomada. De qualquer forma, o atendente da lanchonete havia (mal-)entendido que eu desejava um sonrisal. Mal-entendido pequeno, sem traumas ou seqüelas. Há os terríveis, que desfazem relacionamentos e amizades, causados pela interpretação errônea de frases, gestos, ou até, da ausência destes.

Grandes mal-entendidos derivam das receitas médicas manuscritas. Medicamentos já têm nomes estranhos. Conforme a letra do médico, quem vale é a interpretação do balconista da farmácia. Tangenciando a área médica, certa feita eu ouvia o relato de uma senhora que estaria com problemas de pressão (arterial, arterial!). Quando a conversa se tornou coisa de loucos, pois aparentemente falávamos de assuntos diferentes, descobri que o problema dela era depressão, não de pressão.

Os mal-entendidos sociais também eram muito comuns. Eram, pois hoje tudo é um mal-entendido social. Durante um baile de sociedade, faz muito tempo – muito mesmo! – me dirigi à copa do clube para buscar bebida, após tentar inutilmente chamar a atenção do único garçom daquele lado do salão. Os garçons apresentam uma tendência a atender apenas os clientes mais velhos. Deve ter algo a ver com a capacidade econômica de pagar gorjetas. Retornando da copa, com um copo em cada mão, achei melhor cruzar pela borda da pista de dança, pois os espaços entre as mesas não recomendavam o desfile com copos cheios. Bebia-se cuba libre, naquela época. Só não dava para gritar o nome da bebida, pois poderia ser interpretado como um ato de subversão. Minha namorada nova em folha estranhou muito a cena que se seguiu. Ao pedir licença à moça que impedia minha passagem, da pista à minha mesa, ela interpretou o pedido como um convite para dançar, levantando-se prontamente. Pareceu-me muito deselegante desfazer o mal-entendido. E a expectativa era visível nos olhares dos pais dela, sentados à mesa. Pesando as alternativas, optei pela que me pareceu mais diplomática. Depositei os copos sobre a mesa, dei um volta pelo salão, dançando com ela, agradeci, ao passarmos novamente pela mesa, peguei meus copos e, finalmente, voltei para a namorada. Tudo terminou bem, minha namorada riu, a moça dançou e os pais dela não beberam nossas cubas libres. Sem depressão, nem de pressão.

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