19.9.07

Voar

Um Neiva
Voar

Por Paulo Heuser


Outro dia descobri que um avião, com a matrícula PP-GTN, anda voando por aí. Deve ser um clone do Neiva que pilotei na década de 70. O GTN apresentava uma leve queda de asa para a esquerda, quando levado ao stall, mas era um bravo Paulistinha. Devo ter voado umas 20 horas nele. Faz mais de 30 anos, mas ainda me lembro de como decolar com ele.

Após a rolagem, o cheque de cabeceira. Ar-quente fechado, magnetos ligados, mistura rica, tanque inferior aberto, pressão do óleo, temperatura, bússola e bola de nível soltas, comandos livres e dou manete, até alinhar com a pista, após contornar o saco do fim da pista. Manete à frente, manche à frente, a pista começa a rolar sob as asas. Um toque no pedal direito resolve a guinada à esquerda devida ao efeito giroscópico provocado pela hélice. O motor Continental ronca confiavelmente. Após uns 50 metros a bequilha levanta, permitindo uma visão plena da pista. Chegamos próximo aos 100 km/h, e o trem de pouso começa a querer saltar na pista. Motor a 2600 RPM, hora de aliviar o manche, quase neutro. Decolamos, o chão se afasta rápido, enquanto reduzimos para 2300 RPM e damos um peteleco no estabilizador, para aliviar a pressão no manche.

A pista fica para trás, enquanto sacudimos um pouco com a pequena turbulência da serra ao final da pista. Hora de sair do tráfego, à esquerda, 150 metros de altitude da pista. Quando atingimos 300 metros, saímos do tráfego pela direita. Hora de estabilizar. O motor ronca gostoso nos 2150 RPM, velocidade do ar em 160 km/h.

O sol bate no plexiglass, deixando uma miríade de pontos de luz. O velho Neiva treme daquele modo familiar. Seu ventre transmite uma sensação de aconchego. O vento de través nos faz caranguejar levemente. A sombra no solo voa em diagonal. Após uma hora e meia de paisagens de fim de tarde, a vareta do pirulito indica que devemos seguir a proa de casa.

Entramos no tráfego a 45 graus e 300 metros. Na perna do vento, passamos pelo fim da pista e fazemos a aproximação. Hora de cortar o Continental, que passa a girar em marcha lenta. Noventa graus e deixamos a pista à esquerda. Mais 90 graus e estamos na reta final. Se estivermos curtos, damos motor. Se entramos longo, glissamos. A cabeceira da pista se aproxima a 100 km/h. Pequenos movimentos nos pedais e no manche garantem que o leme e os ailerons manterão a proa. Deixamos a velocidade cair, para o pouso de três pontos. O manche se move nervoso, para compensar o arredondamento final. As três rodas tocam a pista ao mesmo tempo, a 60 km/h.

O Neiva rola até o pátio de estacionamento, onde receberá os calços nas rodas e a capa no tubo de pitot. Piloto que não é besta passará a mão pelo montante da asa, ao deixá-lo, numa espécie de carinho pós-vôo. Amanhã poderá decolar novamente. Quem voou um Neiva, sabe.
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