6.9.07

Por que rimos?

Juizo Final, Michelangelo, Capela Sistina
Por que rimos?

Por Paulo Heuser


Por que rimos? Esta não é uma pergunta nova. Provavelmente sem resposta, apesar dos inúmeros estudos científicos realizados sobre o riso. A fisiologia do riso é um assunto meio indefinido, indo da fisiologia, na acepção da palavra, até os esquemas esotéricos das auto-ajudas. O mais provável é que ninguém sabe por que rimos. Sabemos que o hipotálamo libera endorfinas que propiciam o bem estar. Nada mais relaxante do que uma boa gargalhada. Ou, como já dizia aquela seção das Seleções do Reader’s Digest, rir é o melhor remédio. A risada relaxa, anestesia e desarma. Se provocarem riso no maior turrão, ele provavelmente mudará a atitude beligerante.

O que me intriga no riso não é a sua fisiologia. É por que rimos de algumas coisas e de outras não. Por que alguns se debulham em gargalhadas, frente a uma situação qualquer, enquanto outros no máximo sorriem. Alguns, nem isso. Há o riso provocado pelo nervosismo. Graças a ele ocorrem insuperáveis constrangimentos em cerimônias fúnebres. Alguém desata a rir em meio à consternação geral. Alguns praticam o riso da ignorância, rindo de tudo que desconhecem. Outros praticam o riso do escárnio, forma especialmente desprezível do riso, conforme a situação. Uns poucos felizes riem de si e dos outros, de tudo, da fortuna e da desgraça. Riem sem maldade, riem para comemorar e riem para suportar. E tem o Jacó.

O Jacó é um sujeito que nunca ri, não em público, ao menos. Convidado a participar daquelas rodadas de piadas infames, no bar, Jacó ficava lá, sentado com cara de quem não entendeu por que, nem de que, os outros riam. As piadas se sucediam, e alguns já não conseguiam mais nem falar, engasgados pelas sucessivas gargalhadas. E nada do Jacó rir. O máximo que ousava fazer era perguntar sobre a veracidade dos espantosos absurdos contidos nas piadas. As piadas e o escárnio andam lado a lado, de mãos dadas. Os alvos das piadas mais risíveis são os diferentes, os limitados de alguma forma. O normal e o comum não causam riso. Jacó não conseguia achar graça nas pavorosas histórias que o pessoal contava. Ele era famoso por acreditar em tudo que lhe diziam. Por isso foi apelidado Jacó, o Credo.

Certa feita, Jacó surpreendeu a todos. Anunciou, naquela voz monótona, porém convincente, que contaria uma piada. E passou a contar uma estranha história sobre o fim do mundo. Apresentou-se como um dos anjos do apocalipse, usando um tom de voz que perturbou todos. Riam cada vez menos, à medida que ele avançava na história. Mesmo o Chicão, que se comportava como uma galinha histérica nessas ocasiões, passou a ouvir, sério. Havia algo de perturbador no modo que Jacó relatava o fim do mundo. Parecia ter tanta certeza e, o que era pior, não demonstrava emoção alguma. Não havia, a princípio, qualquer razão para acreditarem naquilo. Porém, a cada nova palavra proferida, Jacó os convencia mais. Suas palavras penetraram nas mentes de todos. Uma hora depois não sobrava mais dúvida. Jacó viera para fazer a triagem do juízo final. Segundo ele próprio, fora incumbido de organizar a fila. Por uma questão de ordem, todos seriam levados ao purgatório especial, enquanto esperavam a chamada para o julgamento das suas almas. Alguns já gritavam que queriam prioridade, pois eram amigos de alguém ou pagariam pelos primeiros lugares na fila.

- Adotei o sistema de marcação de consultas da rede de saúde pública.

- O que faremos enquanto esperamos?

- Haverá reprise de todas as sessões das tvs câmara e senado. – Jacó anunciou.

- Mas, assim morreremos esperando! – exclamou um mais exaltado.

- Essa é a idéia...

- Quero ir direto ao inferno! Assim fugirei da fila. – gritou o gerente do bar.

- Não, há gente com prioridade, Hitler, Stalin, Milosevic – o Açougueiro dos Bálcãs -, Idi Amin Dada, Vlad – o empalador...

- Assim não sairemos nunca de lá!

- Essa é a idéia...

Repentinamente, Jacó deu a piada, da qual ninguém rira, por encerrada e anunciou que precisava sair mais cedo para organizar a fila. Deixou para trás uma turba confusa e desesperada. Alguns tentavam ligar para o deputado amigo, para o lobista, para o advogado e até para o padre. Este deveria ter alguma influência lá.

- E dizem que sou eu que acredito em qualquer asneira que me contam! – disse Jacó para si mesmo, enquanto iniciava uma imensa gargalhada. Chegou às lágrimas, de tanto rir, imediatamente antes de alçar vôo.
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2 Comments:

At segunda-feira, 10 setembro, 2007, Blogger José Elesbán said...

Esta é uma de realismo fantástico. Ou de apocalíptica, sabe lá!...

 
At segunda-feira, 10 setembro, 2007, Blogger Paulo Roberto Heuser said...

Um pouco de cada, Zé.

 

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