Transparência insidiosa
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Transparência insidiosa
Por Paulo Heuser
Por Paulo Heuser
Há algum ditado inventado por alguém, que diz algo sobre aliar-se ao inimigo, quando não se consegue derrotá-lo. O esforço despendido no combate supera o benefício esperado. Esse princípio é muito usado na política. A Holanda inovou no campo das drogas, descriminando o uso da maconha, vendida em 800 bares espalhados pelo país, com a bênção da coroa. Lá, há até cardápios, indicando a quantidade do princípio ativo da droga. Uma conseqüência direta da descriminação das drogas leves na Holanda foi o aumento do turismo, protagonizado pelos turistas que ninguém mais quer, os viciados em drogas. Aviões e ônibus despejam milhares de turistas temáticos que ajudaram a Holanda a superar todos os índices de assassinatos por mil habitantes, na Europa. Conseguiram até superar a terra de Bush, John Wayne e Sylvester Stallone, com folgados 50 por cento de vantagem. A idéia era terminar com os traficantes. Eles apenas mudaram o foco no produto. Agora vendem apenas as drogas pesadas, pois é difícil competir com o estado.
Teozinho estava em férias na Holanda, participando de um grupo de turístico temático, quando teve uma idéia flamejante e fumarenta, talvez decorrente do estado mental em que se encontrava, durante um curso de degustação de ervas, digamos assim. A idéia veio do nada, enquanto provava do sétimo item do cardápio, chamado Natureza Insolitamente Alternativa. Coisa potente. Teozinho perguntou-se sobre a pior droga da sua terra natal. Maconha, haxixe, cocaína, salgadinhos de bacon? Não, ele viu a palavra PROPINA, maiúscula assim, em um letreiro de neon imaginário. Um neon amarelo, oscilando sobre o fundo preto do cardápio. Coisa potente mesmo. Teozinho percebeu que o problema, tanto com a droga, como com a propina, era a informalidade. A propina estava na economia invisível. Só ganhava quem a recebia.
De volta, Teozinho expôs sua idéia no diretório da faculdade. Escorreram lágrimas na face do mais veterano de todos os veteranos do diretório. Franklin estava ali há 32 anos. Nem aluno era, por sinal, e não havia notícia sobre se havia sido, algum dia. Porém, portava-se e vestia-se como um autêntico membro do diretório. Era o presidente de honra, já que a reitoria insistia em não reconhecer a legitimidade da sua militância. Tentara audiência com seis reitores, sem sucesso. Ele exclamou:
- Gênio! Gênio puro! Descriminar a propina, que idéia!
A idéia do Teozinho era relativamente simples, na essência. A propina desapareceria do código penal e figuraria no código tributário. Isso sim que seria reforma fiscal. Passariam a tributar a propina, como uma nova espécie de CPMF. Pagar-se-ia pelo que já se pagava, agora institucionalmente. A propina perderia o manto da clandestinidade e passaria a compor uma das rubricas da área de serviços, visto que aquele que cobra propina presta algum serviço, nem que seja o da inação. Franklin propôs a criação de alíquotas progressivas, conforme o tipo de propina. Haveria a propina bronze, com alíquota de 10 por cento, como a gorjeta cobrada pelos restaurantes. A propina prata, paga para desentravar esquemas mais complexos, receberia alíquota de 15 por cento, e assim por diante, até a propina platina, com alíquota de 30 por cento. O imposto sobre as propinas obedeceria às alíquotas do imposto de renda. Portanto, seria necessário acrescentar rubricas novas aos formulários, como “Rendimento de propina recebido de pessoa física/jurídica”. Outra medida importante seria a tipificação dos serviços e agentes da propina, para evitar a sonegação através de declaração das propinas a valores menores.
A reunião estendeu-se além das 22 horas, o que determinou a transferência para o bar do Bicho Grilo. Em meio à fumaça, durante a madrugada, Teozinho estacou, subitamente. Havia terror estampado nos seus olhos esbugalhados. Soltou a fumaça, de pronto, enquanto exclamava:
- E se..., e se..., inventarem a propina sobre o pagamento de propinas?
Franklin rasgou os planos de criação do PDP – Partido da Descriminação da Propina e mudou de vida. Largou a militância política. Não havia como competir, afinal.
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