11.8.07

Ritual e calçados


Foto: Paulo Heuser

Ritual e calçados

Por Paulo Heuser


Sei que vivemos novos tempos, mas algumas coisas parecem estranhas. Faz alguns anos, estive em um batizado celebrado por um padre que calçava tênis de lona, sob a veste ritualística, um vermelho, outro verde. Que ficou estranho, ficou. Os presentes acompanhavam todos os movimentos do padre, na esperança de verem a cor das meias. Ninguém logrou êxito, pois os tênis eram de cano longo. Que cores de meias um padre usaria em conjunto com aqueles calçados coloridos? Uma amarela, outra azul? Até aquele momento eu acreditava que os padres deveriam, ou assumir ares de franciscanos, calçando sandálias simples de couro, ou deveriam calçar discretos sapados pretos com cadarços. Aparentemente, aquele padre não pensava como eu. Haveria alguma mensagem subliminar naquela estranha combinação? Ou ele se esquecera de ligar o despertador, e saíra em louca correria, vestindo os primeiros calçados que encontrou pela frente? De qualquer forma, aquilo funcionou. Nunca me esqueci daquele batizado, celebrado há quase 20 anos. Nem dos tênis do padre.

De uns tempos para cá, venho sendo surpreendido por grupos de jovens, rapazes e moças, vestindo hábitos marrons de monges e usando cortes de cabelo estilo franciscano. O que chama mais a atenção é que alguns estão descalços! Gente, nossas ruas estão cheias de sujeira, propaganda política, cacos de vidro, pregos, bicho-de-pé, caca de cachorro, cavacos de metal e baganas acesas de cigarros. Há de se ter muita fé para andar descalço por aí. Sem falar do frio reinante neste inverno. Os vejo aí pelas sete e pouco da manhã, hora em que o sol ainda não fez efeito. Dói, só de se olhar.

Lembro-me de sujeitos famosos que vestiam trajes formais e não usam meias. Um ex-presidente de um enorme banco paulista andava assim. Não sei se fez moda, mas fez alguns seguidores. O presidente do banco certamente podia comprar muitos sapatos. Os menos afortunados tornavam os fungos mais afortunados, com certeza. Porém, sempre escapavam do mico da meia furada. Cena constrangedora: o sujeito é atropelado e sai de maca, diante das câmeras, ostentando aquele dedão enorme, saindo pelo furo da meia vermelha.

Hoje vi uma mulher trajando vestes ritualísticas de uma religião afro-brasileira. Vestido branco, detalhes em azul, quase tudo parecia combinar, naquela cena. Quase, pois havia algo errado, apesar de não tê-lo identificado imediatamente. O vento ajudou. Levantou um pouco a saia, e permitiu a visão dos tênis com molas e das meias de marca.
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