12.8.07

Buracos, buracos?

Foto: Paulo Heuser


Buracos, buracos?

Por Paulo Heuser


Domingo lindo, de céu azul, temperatura amena, tudo conspirando a favor de uma caminhada, no fim da manhã. Ótimo dia para quem teve um pai a lembrar e uma prole a homenageá-lo. Enquanto alguns já lotam as filas dos bufês, caminho em direção ao parque.

Este dia, apesar de ser um evento comercial, leva as famílias à reunião. Menos aqueles dois, sentados na pequena praça triangular, na confluência das quatro grandes avenidas. Estão lá, sentados em meio às tralhas e aos trapos. Sei que é dia de festa, mas é impossível não vê-los. Têm idade para serem avós, ou, pelo menos, a aparentam. Novamente dirão que tenho fixação por mendigos. Tenho, confesso. Não tanto por eles, mas sim pela tolerância social que lhes demonstramos. Tenho ciência de que o problema não é meu, é nosso, de todos nós. Portanto, não é de ninguém. Nossa coletividade vai até o ponto que cruza nossa individualidade. Aí, o problema passa a ser deles. Há gente que é paga para tratar desse assunto.

Aqueles dois são pontos fora da curva estatística da normalidade. E somente toleramos os pontos que superam a média. Dos que estão abaixo, queremos distância. Alguém assim não terá pais nem filhos. Eles têm a si mesmos, não mais do que isso. Um cão, talvez. Tiveram pais, ou filhos?

Câmera à mão, resisto à tentação de lhes pedir que me deixem clicá-los. Noutro dia, talvez. Não hoje. Hoje, seria muito egoísmo. Usaria as fotos para um hobby. Qual será o deles? Fariam perfeitos personagens de fotos em preto e branco. Não representam, vivem a miséria. Já desci a escadaria onde jazem um sapato velho e uma capa de violão, fim de uma festa de rua interrompida sabe lá pelo quê. Passo pelos meninos, vestindo as cores do time, que insistem em tentar apedrejar a senhora que sai da missa. Falta-lhes força. As pedras não atravessam a rua. Sigo mais tranqüilo. A irmã deles, empurrando um carrinho de catador de papéis, lhes dá uma reprimenda. Apesar das cores das camisas, a cena não tem cor. Avanço rumo às cores do parque. Ali poderia clicar dezenas de cenas coloridas de pais e filhos em alegres brincadeiras que continuarão ao longo do dia.

Volto pela avenida em obras, cheia de buracos. Um pai pergunta ao filho, na casa dos cinco ou seis anos: - Filho, vamos olhar o buraco? É isso! Aqueles dois sentados na praça são buracos. Buracos na nossa organização social.

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