Um novo sistema de cotas
Um novo sistema de cotas
Por Paulo Heuser
Poucas vezes alguém disse algo que me pareceu tão louvável, nos últimos tempos. O Ministro da Defesa falou das suas dificuldades para sentar-se nas poltronas dos aviões das novas companhias aéreas. Quem mede mais de um metro e noventa, como ele e eu, sabe do drama em que uma viagem aérea pode se tornar. Para nós, não existe medo de voar, medo de Congonhas ou medo de avião pilotado pelo Flight Simulator. Existe o pavor de sentar-se naquelas poltronas. Ficamos com a impressão de que as poltronas da frente são colocados sobre o colo dos passageiros sentados atrás. Como se cada passageiro colocasse uma poltrona sobre o colo do passageiro sentado atrás dele, e sobre ela se sentasse. Ou então, sentimos que fazemos parte da fuselagem, firmemente encaixados nela.
Quem enxerga o espetáculo por cima dos outros, procurava viajar em dias e horários menos freqüentados, na esperança de cruzar as pernas sobre o espaço das poltronas vazias ao lado, tática esta que se mostra inócua nos modernos vôos boiadeiros. Enquanto o caminhão não estiver lotado de gado, a viagem não sai. Depois, recebemos barras de alfafa, uma por cabeça.
Nos áureos tempos em que Cruzeiro do Sul, Varig, Vasp e Transbrasil riscavam os céus mais cor de anil, havia mais espaço entre as poltronas. Hoje leio que perdemos cerca de 10 cm de espaço. Creio que foi mais. Uma viagem a bordo dos velhos e velozes Boeing 727 chegava a ser confortável, mesmo para alguém de dimensões não usuais. Chegávamos ao destino com os meniscos e rótulas intactos.
Os ortopedistas estão catalogando uma nova patologia, relacionada com a já conhecida Síndrome da Classe Econômica. É a Síndrome do Viajante Alto, uma pereba ortopédica. Pensam até em abrir franquias de clínicas traumatológicas da rede TraumaAir, nas áreas dos aeroportos. Ouvi falar também de um projeto que permitiria aos passageiros mais altos voar de pé, como os passageiros de coletivos urbanos. Seriam instalados canos no teto do avião, onde poderíamos nos segurar. Há forte oposição por parte do sindicato dos comissários de bordo. Não querem ficar gritando para que dêem mais um passinho ao fundo, por favor. Encontrariam também dificuldade para distribuir as barras de alfafa. Porém, as novas companhias aéreas devem estar analisando o projeto com outros olhos. Quantos passageiros mais poderiam acomodar nos corredores? Com aqueles corredores compridos, dá para se dar muitos passinhos ao fundo. E as barras de alfafa poderiam passar de mão em mão.
Pois estava eu em meio a um grupo de pessoas que discutiam acaloradamente sobre o sistema de cotas sociais e raciais. Juntei alhos com bugalhos, e percebi que há uma solução não muito traumática, tanto para os altos, como para as companhias aéreas, para a falta de espaço nos aviões. Lancei a idéia de um sistema de cotas para passageiros altos. O IBGE determinaria a distribuição de altura da população e as companhias aéreas deveriam reservar poltronas com mais espaço para um número proporcional de passageiros altos. O critério de seleção não seria subjetivo. Junto ao balcão do check-in seria colocada uma vara a, digamos, 1,80m de altura. Quem batesse com a cabeça nela, de pés descalços, seria brindado com as poltronas com maior espaço. Para quem não quisesse passar pelo mico, poderiam criar uma Carteira de Minoria Vertical Ascendente, atestando a altura.
Meu projeto foi fulminado, de pronto, pelo maior defensor dos sistemas de cotas, com o argumento de que ele não deveria pagar mais pela passagem, em razão de alguém mais alto tirar espaço no avião, implicando aumento das passagens. Raciocínio interessante. Os pobres e altos, como ficarão? Terão benefício, por um lado, ônus, por outro? Poderão criar vôos a quilo e a metro, no sistema pese, meça e pague. Garanto que voltarão a servir lautas refeições a bordo, pois quem vai, volta.
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Marcadores: Avião, Ministro da Defesa, poltrona
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