14.8.07

O Indeciso

Este texto nada tem a ver com a obra acima.

O Indeciso

Por Paulo Heuser


Claudir era um sujeito estranho. Simpático, porém estranho. Não há quem guarde lembranças ruins dele. Ruins não, talvez peculiares, defensivas. É difícil descrevê-lo. Fisicamente, é fácil. Contudo, Claudir tinha uma personalidade titubeante. Por isso é tão difícil descrevê-lo, ficamos indecisos quanto à escolha das palavras. Na última vez que o vi, em vida, troquei algumas palavras com ele:

- E aí, Claudir, tudo bem?

- É... – soando como éééé...

- Por que, há algo errado?

- Bem, não...

- Você não me parece muito confiante!

- Não..., sim...

- O que há de novo?

- É, bem... sabe como é, né?

- Não, do que você está falando?

- Daquilo, você sabe, lá do... daquilo...

- E a família, como vai?

- Hum... é... vai...

Claudir enlouqueceu o arquiteto da construtora que projetou seu apartamento. Após uma hora e meia de dúvidas e explicações sobre vantagens e desvantagens do uso de mármore branco ou granito preto, Claudir continuava indeciso quanto ao material que seria utilizado numa bancada de pia. Desesperado, o arquiteto sugeriu que ele perguntasse à mulher. Funcionou, em parte, pois ela foi direta, rápida e rasteira:

- Ora, escolha você, Claudir, marido serve para isso!

Isso ocorreu em 1987. Até o passamento do Claudir, em 2007, a pia ainda não havia sido utilizada, por falta da bancada. Mas, Claudir estava pensando nisso, quando morreu. Coitado, não conseguia mais ler nem assistir à TV. Jogos de futebol, só acompanhava pelo rádio. Pudera, não enxergava mais. Tentou inutilmente escolher uma armação para os óculos, durante os últimos 12 anos da sua vida entre nós. Os técnicos das ópticas fechavam as lojas, quando percebiam sua aproximação. Uma loja de shopping fechou as portas durante dois dias, tempo necessário para recolocarem todas as armações nos mostruários e refazerem o sistema nervoso dos técnicos. Claudir havia provado todas armações, ao longo de 12 horas. Aquele dia ficou conhecido como a Maratona Claudir. Doze horas seguidas de põe armação no nariz, olha no espelho e fica indeciso:

- E esta? Ficou-lhe muito bem, se me permite o palpite!

- Ah, esta ficou melhor. Seria quase a que desejo, se não fosse tão, como direi, assim... você sabe... Há outras, menos... você sabe?

Quando Claudir morreu, houve uma certa dificuldade para decidirem se ele seria enterrado ou cremado. A viúva sacudia a cabeça e repetia:

- Que falta faz o Claudir, na hora de decidir!
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