17.8.07

O chá da irmã do Zé


O chá da irmã do Zé

Por Paulo Heuser


A irmã do Zé é o tipo de pessoa que passa despercebida. Não é alta, nem baixa. Não é gorda, nem magra. Chamá-la de feia seria exagero, de linda, também. Ela é medianamente média, eqüidistante dos extremos de qualquer adjetivo físico. Quando caminha, ninguém percebe, pois não rebola e não usa saltos barulhentos. Usa o cabelo preso atrás, de forma prática e nada chamativa. Maquiagem, só para disfarçar algo que possa chamar a atenção. Veste-se de cinza ou marrom. Ou seja, ela é comum, extremamente e monotonamente comum.

Quem conhece a irmã do Zé há mais tempo, sabe que, por dentro, é outra pessoa. Ao seu modo, conquista a simpatia de todos, com o decorrer do tempo. Contudo, ela sofre com a transparência de sua presença em ambientes estranhos e no trabalho. Quando chega à festa, ninguém nota, nem o porteiro que confere os convites. É a última a ser atendida nas lojas. Nunca foi a escolhida para os times de hóquei no barro e newcomb. Jogava muito bem, mas ninguém notava. Jogava bem sem ser espalhafatosa. Jogava xadrez, em silêncio, sem gritar a cada jogada nem ameaçar fisicamente os adversários. Passou despercebida, também no xadrez. Perdeu a vaga na equipe para aquela morena que gritava “hãããããã...”, a cada jogada, enquanto chutava as canelas dos adversários, por baixo da mesa.

A depressão acabou tomando conta da coitada. A gota d’água foi um assalto no restaurante onde ela almoçava. Os ladrões limparam todo mundo. Levaram até o celular de cartão do cozinheiro. Após deixarem todo mundo pelado, trancaram-nos nos toaletes. Menos a irmã do Zé. Deixaram de notá-la. Voltou para casa sozinha, vestida, com suas coisas, porém chorava as lágrimas do esquecimento. Se nem os ladrões a notaram, que homem a notaria? No trabalho, as coisas iam de mal a pior. Ninguém lhe dava a mínima, nas reuniões. Pedia a palavra, através de gestos, mas nunca foi atendida. Entrava como saía, quieta e despercebida.

O Zé bem que tentou mudar o modo de vestir e de ser da irmã. Comiserado, pois assistia ao sofrimento dela, porém sabedor de que ela não mudaria o jeito de ser, Zé lhe recomendou uma terapia alternativa. Não acreditava no método, mas poderia fazer com que a irmã percebesse que o problema residia nela mesmo. Sua mesmice e a falta de autopromoção causavam seu esquecimento. Uma amiga segredou ao Zé, que conhecia uma terapeuta fito-hidráulica, que curava qualquer coisa não-diagnosticável, utilizando chás como medicamentos.

A irmã do Zé teve de chamar a secretária da terapeuta duas vezes. Já lera todas as revistas de consultório, enquanto sete pacientes passaram à sua frente. A secretária desculpou-se, não a havia notado. Seguiram-se oito sessões de RIFH – Reposição de Imagem Fito-Hidráulica. Já a partir da segunda, a irmã do Zé notou que algo mudara. Passou a procurar o tolete com mais freqüência. Contudo, ninguém notava quando abandonava as reuniões para ir lá. Tentou outra abordagem, beber o chá durante as reuniões. Nada, ninguém notou. Quando tudo parecia perenemente esquecido, ela colocou um saco de chá na boca, deixando a cordinha e a etiqueta para fora. Não sabe por que fez, apenas fez. Quando deu por si, doze rostos olhavam para ela. Pode ouvir alguém perguntando ao colega: - Nossa, quem é essa aí?

Desde então, a irmã do Zé é outra mulher. Chega vistosa, em roupas coloridas esvoaçantes, chamando a atenção sobre si. Na rua, viram-se para olhá-la. Nas reuniões, basta um olhar, para que lhe dêem a palavra. Houve quem acreditasse se tratar de uma nova funcionária, ou alguém mandada pela matriz. Ela já não coloca mais o saquinho de chá na boca. Deixa apenas a cordinha e a etiqueta, penduradas para fora. O chá ficava muito forte.

A irmã do Zé sabe que tudo muda, tudo evolui, inclusive o marketing pessoal. Já pensa em trocar as etiquetas vermelhas pelas verdes. Uma cordinha amarela, quem sabe? Ela também sabe que o chá deixará de fazer efeito, qualquer dia. Está fazendo testes com uma nova tática. Colocará pastilhas de sonrisal sob a língua e beberá fanta uva, enquanto fala.
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