4.9.07

Maravilhas do mundo moderno



Foto: Wikimedia

As maravilhas do mundo moderno

Por Paulo Heuser



A escolha das maravilhas do mundo moderno deu o que falar. Como era esperado, o bairrismo falou mais alto e as acusações sobre pretensas irregularidades pipocaram daqui e dali. É claro que o Cristo Redentor é mais importante que qualquer candidato estrangeiro, devido ao bairrismo, mas temos de reconhecer que a tal Grande Muralha da China é um capítulo à parte. A obra se estende desde o Mar Amarelo, no nordeste da China, até a Mongólia, a noroeste, por 6.350 quilômetros. Se não bastasse tal comprimento, ela ainda apresenta altura média de 16 metros e largura da base da ordem de sete metros. É o sonho de consumo de qualquer empreiteira moderna. Já pensou no edital que daria hoje em dia? Países entrariam em guerra na disputa pela obra. Hoje as coisas mudaram. Não se consegue mais construir um muro desse tamanho. Não há orçamento de ministério da defesa que agüente. O muro do EUA x México teria apenas 1,1 mil km, e foi encolhido pelo congresso de lá.


Houve uma tendência à descentralização da segurança. Os imperadores chineses queriam proteger suas terras da invasão dos mongóis e outros vizinhos belicosos do norte. Hoje constatamos que aqui os vizinhos belicosos podem vir de qualquer direção, contemplando toda Rosa dos Ventos. Não é paranóia. É realidade. Não há mais apenas a fronteira de fato, com outros países. A fronteira estreitou-se ao redor das pessoas e das famílias. Erguemos muros, materiais e simbólicos, ao nosso redor. Uma muralha virtual cerca nossos computadores, pois há milhões de invasores virtuais pretendendo nos causar prejuízo real.


A Muralha da China apresenta uma área lateral de 102 milhões de metros quadrados, aproximadamente. Seria o paraíso dos pichadores, se houvesse pichadores na China. Se fizermos algumas continhas, mesmo as de açougueiro, chegaremos a uma conclusão interessante. Segundo o IBGE, em 2001 havia 45 milhões de domicílios no País. Tomemos apenas a metade deles como sendo casas, são 22,5 milhões, portanto. Destes, consideremos que apenas cinco por cento têm dinheiro para construir um muro de – digamos - dois metros de altura ao redor de um terreno hipotético de 150 metros quadrados. Chegamos à conta de 123,8 milhões de metros quadrados de muros. Somando outros metros de muros das empresas, colégios, igrejas e edifícios residenciais, certamente ultrapassamos a Muralha da China, com folga. Portanto, temos uma maravilha moderna pulverizada, sem sabê-lo. E aqui há pichadores em profusão. Nossa tendência a erguer muros só aumenta, pois a noção de propriedade virou apenas isso, uma noção, muito vaga, proporcional ao tamanho do cão de guarda. Quem não se lembra daquela saudosa tranqüilidade oferecida pelas casas de praia, serra ou campo? As famílias deixavam os muros para trás e partiam em direção ao espaço livre, às fronteiras simbólicas de sebes e flores. Saudosa lembrança, que se foi, levada pela ação dos nossos falsos mongóis. Hoje as famílias vão de muro a muro, do muro da cidade para o muro da casa de fim de semana. Nas praias badaladas os chiqueirinhos protegem os turistas.


Proliferam os condomínios fechados, para residência permanente ou de lazer. Se alguns vizinhos intramuros se tornarem belicosos, sempre se pode construir muro dentro dos muros. Com piranhas e crocodilos nos fossos, quem sabe. Qual será a ordem do American Pit Bull Terrier, do crocodilo e da piranha na escala alimentar? Do homem, eu sei, é inferior a todos.


A Muralha da China se tornou uma das principais atrações turísticas daquele país. E os nossos muros, para que servirão? Para o festival internacional dos grafiteiros, se neles restar algum espaço vago. Mostre-me teu muro e te direi como vives.

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