Das baganas
Das baganas
Por Paulo Heuser
Há três tipos de lixo, o lixo comum, o lixo perigoso e a bagana. Lixo comum é aquele que se joga no lixo e é recolhido pelos milhares de catadores espalhados por aí. Quando, e se sobra algo, é recolhido pelos lixeiros oficiais, que alardeiam sua passagem, durante as madrugadas. Dos recolhedores informais, ouve-se o som dos cascos dos cavalos, no início das manhãs. Dos oficiais, ronco do motor de caminhão, assovios, gritos, uivos e berros, no meio das madrugadas. O lixo parece ser comprimido aos berros. Faz sentido, berros são ondas mecânicas.
O segundo tipo de lixo é o lixo perigoso. Difere do anterior por ser perigoso, apenas isso. O que nos leva às baganas, o terceiro tipo de lixo. São as baganas de cigarro. Bitucas, biútis ou seja lá que nomes lhes dão. Uma bagana padrão ABNT apresenta um elemento filtrante cilíndrico e um resto de fumo, parcialmente queimado, recoberto por papel, conforme a avidez do usuário. A bagana padrão mede aproximadamente dois centímetros. As baganas diferem dos tipos de lixos anteriores pelo fato de não serem jogadas no lixo. As baganas vão parar na rua, e não são coletadas pelos catadores. As baganas são socialmente justas, pois são produzidas por todas as classes sociais, em iguais quantidades. Podem-se ver mendigos e madames jogando cigarros na rua.
Eu já havia notado que as ruas estão repletas de baganas. Conta o folclore que quando escalaram o Pico da Neblina, pela primeira vez, encontraram – adivinhe o quê – uma bagana. Não teriam conseguido ler a marca do cigarro, devido à ação do tempo. Contam também que havia uma pequena depressão, em meio à pegada de um dinossauro, descoberta em um sítio arqueológico. Após sete anos os paleontólogos concluíram tratar-se de uma bagana de cigarro jurássico. Nenhum lugar escapa das baganas. Quem mergulha, sabe. Ilha deserta, paraíso em meio ao oceano e fundo cheio de baganas. Só há uma certeza. Você nunca será o primeiro a chegar. Algum fumante sempre chegará antes, deixando uma bagana. Imagino a cara do Neil Armstrong ao descer aquela escadinha, no Mar da Tranqüilidade, e pisar na bagana que alguém jogara na Lua. A bagana é atemporal, ela sempre está lá, seja aonde for.
Quem ficou impressionado mesmo com isso, foi o Teozinho, o Contador. Dedicou boa parte da sua vida a contar baganas. Ia ao trabalho, voltava dele, sempre contando baganas. Percebeu que tentava realizar o impossível quando seus acumuladores numéricos internos estouraram. Zeraram, Teozinho foi impiedosamente resetado. Ele pensou no suicídio, pois lhe parecia impossível partir novamente do zero. Esquecera-se de fazer backup em algum pedaço de papel. Esquecera-se também do número em que andava.
Foi o analista quem salvou a vida do Teozinho, ao sugerir que ele transformasse o evento em algo construtivo. Teozinho logo descobriu que havia 23 milhões de fumantes no Brasil. A partir de então, a mente que contava passou a multiplicar. Vinte e três milhões de fumantes vezes 10 cigarros por dia vezes 0,02 metros por bagana produziria – ruídos de cálculos – 4.600.000 de metros de baganas lineares por dia! Quatro mil e seiscentos quilômetros de baganas por dia! Em apenas 8,6956521739130434782608695652174 dias seria possível se dar um volta no planeta, unindo baganas. Em 83 dias e meio, para não ser tão exato, daria para ir da Terra à Lua, apenas unindo baganas. Teozinho ficou empolgadíssimo quando descobriu que havia 1,2 bilhões de fumantes na Terra. Doze bilhões de baganas alinhadas perfazem 240.000 km por dia! Dá para ir à Lua em um dia, 14 horas e alguns minutos! Teozinho voará mais alto, queria ir ao Sol, em um ano, oito meses e 20 dias! O que encontrará, ao chegar lá? Ora, uma bagana queimada.
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