Fuga da rotina
Foto: Paulo Heuser
Fuga da rotina
Por Paulo Heuser
Naninha e João Vitório riscavam a freeway a mais de 17 km/h, uns 18, para ser mais preciso, a bordo da sua Hightower Skyscraper quádruplo turbo diesel HKCDPI-2, no retorno do Litoral. Esparramados nos assentos traseiros, Nanininha e Vitinho conversavam alegremente, através do MSN. Naninha largou a Vogue, por um instante, e perdeu-se em pensamentos, enquanto olhava para os belos reflexos de fim de tarde na lagoa.
- Vito?
- Hum.
- Cê lembra?
- Quê, Nani?
- Como era.
- Era o quê, bem?
- Que horror era ir à praia fora de época...
- Verdade, bem.
- Não havia viva alma. Não havia salão, supermercado, sushi bar, promoter, tv a cabo, pet shop, coluna social, golfe, estilista. Nada!
- Verdade, bem.
- Céus, não havia paradouro, o pessoal tinha de pisar na areia. Éca!
- Não se encontrava ninguém digno de ser encontrado, não dava para trocar uma idéia sobre as festas, no corredor do mercado lotado...
- Verdade, bem.
- Quando alguém queria fazer uma festa tinha de fazê-la, mesmo! Tinha de entrar na cozinha!
- Verdade, bem.
- Não havia fila na confeitaria. Como faziam para se relacionar socialmente?
- Verdade, bem.
- Havia rãs, fora do prato!
- Verdade, bem.
O que faziam, sem filas?
- Verdade, bem.
- Cê tá me ouvindo, João Vito?
- Verdade, bem.
- Quando chegarmos em casa, dá uma passada na fila da confeitaria?
- Verdade, bem.
- Bem, o que a gente fazia antigamente na praia?
- Verdade, bem.
- Vitô!!! Cê tá me ouvindo?
- Verdade, bem.
Mentira, na verdade. João Vitório voltara 40 anos no tempo. Corria pela beira da praia deserta empinando uma pipa mofada, resto de alguma compra no Super Longo, durante a temporada. No Longo, o cheiro de palha misturava-se ao cheiro da maresia. No fim de tarde riscaria a zero-trinta, a 60 km/h, sentado no banco traseiro da Vemaguete, enquanto falava com a irmã através de um telefone feito com duas latas de ervilhas e um pedaço de barbante encerado da pipa. Logo parariam para comer sonhos.
De volta ao tempo atual, parado em meio ao congestionamento, nem chegou a ouvir quando Nina comentou:
- Bem, como é bom fugir da rotina, não é?
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