Universos paralelos
Foto: Paulo Heuser
Universos paralelos
Por Paulo Heuser
Faz 50 anos, Hugh Everett, estudante da Universidade de Princeton, sugeriu, à luz da Mecânica Quântica, que haveria universos paralelos. David Deutsch, da Universidade de Oxford, e Andy Albrecht, da Universidade da Califórnia, seguem caminhos semelhantes, hoje, nas suas pesquisas. É assunto de destaque na edição eletrônica da NewScientist de 19 de setembro.
Alheios à Mecânica Quântica e à Matemática complexa que a rege, José e Renan vivem seus universos paralelos, sem estabelecer contato um com o outro, sem interfaces compatíveis, sem sequer saberem da existência um do outro. Seus universos simulam um choque entre galáxias com imensos vazios, onde a matéria não se choca. Nem a luz que irradiam é percebida, pois emitem radiações em freqüências tão diferentes que não se detectam mutuamente. Um é matéria escura para o outro. Podem até saber da existência do outro, através da Estatística, mas não se comunicam.
Renan anda no balanço do poder, descendo por vezes, mas sempre acabando por atingir o topo. Ele vê o mundo de cima, e sempre há quem lhe empurre. Quando tudo indica que lhe faltará impulso, alguém empurra seu balanço. Acaba embalado por aqueles que não o confessam. Passam por ali, com quem não quer nada, e dão um bom empurrão. Querem vê-lo no alto, hoje, para se verem no alto, amanhã. Aparentemente, ninguém nota que já passou faz muito da fase de andar de balanço. Ou não nota, ou finge que não vê.
José anda no balanço da praça, como se fosse criança. Seu estado de demência lhe dá esse direito. Ninguém reclamará que, aos trinta, anda de balanço. José nunca atinge o topo, pois lhe falta impulso. Não há quem lhe dê um empurrão. Cleide, aos quinze, não pode. Dança um funk imaginário, sacudindo a barriga de oito meses. Eles nunca ouviram falar do Renan, nem ele, deles. Seus balanços se cruzam nos vazios dos átomos que os compõem. Suas matérias não obedecem às Leis de Newton e suas energias não obedecem às Equações de Maxwell. São massas que não geram campos gravitacionais e são partículas em movimento que não geram campos. Renan é não-matéria para José, que não apresenta carga para Renan.
Renan ri pela soberba. José ri da desgraça. Perdeu qualquer resquício de contato com a realidade do país do Renan. Para José, país é um conceito abstrato. Sabe da existência de uma bandeira, que nada significa, na sua praça. Sua pátria é a sua praça, onde vive e dorme. José não lê, não ouve e não vê. Para quê? Trabalha e se alimenta com o lixo. Diverte-se do balanço real da praça. Renan se alimenta dos restos morais da sociedade. Dos que empurram seu balanço virtual, em direção ao topo, ao céu que o balanço do José nunca atingirá.
Renan sorri de soberba. José sorri, pois será pai, mesmo que não faça a mínima idéia de como sustentar um filho, já que não sustentou os outros oito. Isso é problema para daqui a um mês. Renan sorri porque sabe que a probabilidade de que cruze pelo balanço de José é estatisticamente mínima. E José sorri infantilmente, enquanto observa a dança de Cleide.
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