23.9.07

A maldita azeitona


Foto: Paulo Heuser
A maldita azeitona


Por Paulo Heuser


Lâmpadas de faróis de carros são fabricadas para durarem um tempo exato. Por isso, se uma queimar, troque a outra também, mesmo que esteja funcionando. É o que os vendedores de lâmpadas nos dizem. Melhor ainda, troque o carro, pensam os vendedores de carros. Afinal, se uma lâmpada queimou, o que mais poderá queimar? Resolvi contrariar ambos, e troquei apenas a lâmpada queimada, faz um ano, mais ou menos. Então ocorreu o que os vendedores de carros previam, queimou a lâmpada do outro farol.

Os supermercados vendem algumas peças de reposição para carros, como as lâmpadas de faróis. Por alguma razão que desconheço, eles vendem apenas as lâmpadas para faróis dos carros que eu não tenho. Pequenas, grandes, longas, curtas, mas nunca aquelas que procuro. Para encontrá-las devo ir ao hipermercado, a versão moderna do inferno de Dante Alighieri. Contrariando também todo e qualquer bom senso, fui ao hipermercado no sábado à tarde. Pensei ter sido esperto, quando fui logo após o almoço, horário no qual as pessoas costumam comer as coisas que compraram no hipermercado, antes de tirarem a sesta. Havia até vagas livres no estacionamento, e não eram poucas.

Encontrei a lâmpada, afinal. Contudo, encontrei mais algumas coisinhas, pelo caminho. Havia um irresistível CD de música árabe por apenas um e 99. Imperdível. E assim fui pegando uma coisinha aqui, outra ali. Descuidei-me do relógio e não percebi logo que a hora da invasão se aproximava. Refeitos pela sesta, os hunos voltariam para comprar o que comeriam à noite. E, pelo resto do ano, aparentemente. Casais com dois filhos arrastavam pares de carrinhos sobrecarregados de alimentos, encimados por vassouras coloridas. Vassouras roxas ou verde-limão, como estandartes da limpeza. Lembram aquelas bandeirinhas esquisitas que os guias turísticos conduzem, na tentativa de não perderem todos os seus japoneses. Vejo-me tentado a passear por Versailles, numa terça-feira, dia em que os museus de Paris fecham, carregando bandeirinhas coloridas. Superaria o Flautista de Hamelin, em versão que seqüestraria milhares de turistas de pacote.

A maldita azeitona. Esqueci-me dela. Já estava pronto para entrar numa das inevitáveis filas dos caixas, quando percebi que me esquecera daquele item que não constava da minha lista de apenas um item, a lâmpada. Fazer o quê, voltei um sem número de corredores, apanhei as azeitonas e fui aos caixas. Então, os hunos já estavam tentando sair, como eu. Preparei-me para uns 45 minutos de espera na fila. Procurando algo para passar o tempo, observei duas mulheres que liam revistas e discutiam sobre a má educação de muitos dos clientes do hipermercado, que deixariam carrinhos atravessados por toda parte, atrapalhando quem quisesse passar. A mais velha, e mais irada, uma senhora baixinha e roliça que lia a revista Boa Forma, sugeria que o governo incluísse aulas de cidadania, nos currículos escolares. Assim poderiam ensinar às pessoas a não deixarem seus carrinhos espalhados. A mais nova e mais alta, que lia a revista Gula, gostou da idéia. Um sujeito que lia as notícias do dia seguinte meteu-se na conversa para sugerir que lhes ensinassem também a não estacionarem seus carros em fila dupla, quando crescessem.

Um a um os carrinhos com seus estandartes de vassouras coloridas foram engolidos pelos caixas, ressurgindo no outro lado, em direção ao estacionamento, onde foram abandonados por toda parte. Ouvindo aquela conversa toda, nem notei a passagem dos 45 minutos. Saí dali com minha lâmpada, meu CD de música árabe e uma certeza: não há farol que ilumine o caminho daqueles que acreditam que os bons modos se ensinam na escola.
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