3.3.08

27 anos


Esta é a tricentésima sexagésima quinta postagem.


Foto: Paulo Heuser
27 anos

Por Paulo Heuser


Estou francamente desolado. A globalização atropelou-me novamente. O pão daquela loja do supermercado foi padronizado com os demais da rede. Virou pão comum, como borracha. O que me atraía àquela loja era o pão, uma baguete quase francesa. Aparência e embalagem permaneceram as mesmas. A casca crocante, no entanto, foi-se com a venda da loja. Caiu o último bastião daqueles que sonhavam com um pão decente. Inscreveram o padeiro num curso de técnicas para fabricar pães sem graça. Pães para consumo com geléias industrializadas e margarinas fabricadas a partir de biocombustíveis. Da refinaria à mesa. Logo lançarão o pão de mamona, subproduto da moderna tecnologia para substituição dos comestíveis pelos combustíveis. Tornaremos-nos fósseis, afinal.

Outra coisa que me incomodou foi o pagamento de contas nas caixas do supermercado. A escolha do caixa, antes pautada pela quantidade de coisas que os da frente levavam no carrinho, transformou-se em algo semelhante à escolha das filas nos bancos. Somente a primeira vista, diga-se de passagem. Nos bancos devemos evitar as filas onde há jovens vestindo bermudas e com capacetes na mão. São potenciais office boys portadores de pastas recheadas com contas de difícil pagamento, que demandam inúmeros cálculos e consultas. Já nos supermercados, os potenciais perigos são outros. Cuidado com as senhoras idosas que carregam apenas um litro de leite e um pacote de bobs, no cesto de compras. Alguns dirão que não se vendem mais bobs no supermercado. Outros irão além, dizendo que nem sequer sabem o que são bobs. Ora, bobs são rolos de cabelo, dispositivos do tempo em que as mulheres e alguns homens - de extrema vanguarda - gostavam de ondular os cabelos. Depois alguém juntou dois ferros de passar e colocou uma dobradiça na base deles, inventando a tal de chapinha para alisar cabelos por incineramento.

Por trás daquela aparentemente inofensiva combinação de apenas dois itens pode haver uma bolsa com todas as contas do mês. Contas que serão pagas lá, na sua frente. A funcionária empacará a cada nova conta, chamando recursivamente um supervisor que consultará o gerente, que consultará o escritório central, etc. E você ficara lá parado, enquanto todos os demais clientes passam pelos outros caixas. Pagas as contas, finalmente, você será atendido. Não, faltou registrar os bobs. Ao passá-los frente ao leitor do código de barras, este entenderá que aquelas inúmeras linhas que se repetem cilindricamente são códigos de barra. Os mesmos códigos da maçã importada do Zimbábue. O impressor do caixa passará a cuspir rolos de papel com registro de maçãs, muitas maçãs. Ao chegar nos R$ 192,13 de maçãs, a caixa concluirá, após bocejar, que algo está vagamente errado, pois ela não pesou nenhuma maçã. Então consultará o supervisor que consultará o gerente, que consultará o escritório central, etc. O escritório mandará reiniciar o terminal do caixa que, mesmo assim, continuará expelindo lançamentos de vendas de maçãs. A você restará procurar outro caixa. Se for esperto, procurará uma das maiores filas – são as únicas que andam.

No sábado passado observei que o supermercado aderiu à campanha pró-obediência à lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de idade. Iniciativa louvável! Já havia passado uma dúzia de coisas quando o terminal parou, logo após passar o pacote de cervejas. Recusava-se teimosamente a registrar outros itens. O funcionário do caixa teve um lampejo repentino. Lembrou-se da obrigatoriedade de confirmar a maioridade do cliente, toda vez que o item selecionado é alguma bebida alcoólica. Ele digitou algo e o terminal seguiu em frente, sem registrar mais maçãs. Ao ouvir a explicação do rapaz, eu comentei, em tom de brincadeira, que era fácil constatarem que tenho mais de 18 anos.

- Dezoito não! São 27. – respondeu-me o caixa.

- Por que 27?

- Sei lá, eles pedem para verificarmos se o cliente aparenta ter mais de 27 anos de idade.

Fiquei encasquetado com os 27. Haverá estado norte-americano onde a maioridade só se dá aos 27? Seria uma margem de 50% para compensação de falhas de julgamento? Ou uma estratégia de marketing calcada na felicidade de alguém de mais idade que é confundido com alguém menor de 18 anos? As moças adoram. Imagine o diálogo:

- Lamento, senhorita, mas tenho ordens de não vender bebidas alcoólicas para menores!

- Não é senhorita, é senhora!

- Desculpe-me, por favor. Eu nunca poderia imaginar que alguém casasse tão moça...

- Tampouco sou menor de idade!

- Ah, deixe disso, não me engana...

- Pois bem, veja minha identidade!

- Nossa, que coisa incrível, como a senhorita, digo, senhora consegue manter essa incrível jovialidade? Eu não lhe daria mais do que 17!

- Ora, também não exagere...
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- Não estou exagerando, senhora. Se a senhora levar 12 rolos de papel higiênico Maciez Terminal, na promoção, aí sim, poderei exagerar. Não lhe darei mais do que 15!

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23.9.07

A maldita azeitona


Foto: Paulo Heuser
A maldita azeitona


Por Paulo Heuser


Lâmpadas de faróis de carros são fabricadas para durarem um tempo exato. Por isso, se uma queimar, troque a outra também, mesmo que esteja funcionando. É o que os vendedores de lâmpadas nos dizem. Melhor ainda, troque o carro, pensam os vendedores de carros. Afinal, se uma lâmpada queimou, o que mais poderá queimar? Resolvi contrariar ambos, e troquei apenas a lâmpada queimada, faz um ano, mais ou menos. Então ocorreu o que os vendedores de carros previam, queimou a lâmpada do outro farol.

Os supermercados vendem algumas peças de reposição para carros, como as lâmpadas de faróis. Por alguma razão que desconheço, eles vendem apenas as lâmpadas para faróis dos carros que eu não tenho. Pequenas, grandes, longas, curtas, mas nunca aquelas que procuro. Para encontrá-las devo ir ao hipermercado, a versão moderna do inferno de Dante Alighieri. Contrariando também todo e qualquer bom senso, fui ao hipermercado no sábado à tarde. Pensei ter sido esperto, quando fui logo após o almoço, horário no qual as pessoas costumam comer as coisas que compraram no hipermercado, antes de tirarem a sesta. Havia até vagas livres no estacionamento, e não eram poucas.

Encontrei a lâmpada, afinal. Contudo, encontrei mais algumas coisinhas, pelo caminho. Havia um irresistível CD de música árabe por apenas um e 99. Imperdível. E assim fui pegando uma coisinha aqui, outra ali. Descuidei-me do relógio e não percebi logo que a hora da invasão se aproximava. Refeitos pela sesta, os hunos voltariam para comprar o que comeriam à noite. E, pelo resto do ano, aparentemente. Casais com dois filhos arrastavam pares de carrinhos sobrecarregados de alimentos, encimados por vassouras coloridas. Vassouras roxas ou verde-limão, como estandartes da limpeza. Lembram aquelas bandeirinhas esquisitas que os guias turísticos conduzem, na tentativa de não perderem todos os seus japoneses. Vejo-me tentado a passear por Versailles, numa terça-feira, dia em que os museus de Paris fecham, carregando bandeirinhas coloridas. Superaria o Flautista de Hamelin, em versão que seqüestraria milhares de turistas de pacote.

A maldita azeitona. Esqueci-me dela. Já estava pronto para entrar numa das inevitáveis filas dos caixas, quando percebi que me esquecera daquele item que não constava da minha lista de apenas um item, a lâmpada. Fazer o quê, voltei um sem número de corredores, apanhei as azeitonas e fui aos caixas. Então, os hunos já estavam tentando sair, como eu. Preparei-me para uns 45 minutos de espera na fila. Procurando algo para passar o tempo, observei duas mulheres que liam revistas e discutiam sobre a má educação de muitos dos clientes do hipermercado, que deixariam carrinhos atravessados por toda parte, atrapalhando quem quisesse passar. A mais velha, e mais irada, uma senhora baixinha e roliça que lia a revista Boa Forma, sugeria que o governo incluísse aulas de cidadania, nos currículos escolares. Assim poderiam ensinar às pessoas a não deixarem seus carrinhos espalhados. A mais nova e mais alta, que lia a revista Gula, gostou da idéia. Um sujeito que lia as notícias do dia seguinte meteu-se na conversa para sugerir que lhes ensinassem também a não estacionarem seus carros em fila dupla, quando crescessem.

Um a um os carrinhos com seus estandartes de vassouras coloridas foram engolidos pelos caixas, ressurgindo no outro lado, em direção ao estacionamento, onde foram abandonados por toda parte. Ouvindo aquela conversa toda, nem notei a passagem dos 45 minutos. Saí dali com minha lâmpada, meu CD de música árabe e uma certeza: não há farol que ilumine o caminho daqueles que acreditam que os bons modos se ensinam na escola.
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