Lar doce lar
Lar doce lar
Por Paulo Heuser
Omaha Beach foi o codinome da praia situada em frente a Vierville-sur-Mer, na Normandia, costa norte da França, invadida pelas tropas aliadas em 6 de junho de 1944. Era o início da Operação Overlord, no Dia D. Aquilo deve ter sido um inferno. Perdi a conta dos filmes sobre o Dia D, nas matinês de domingo. Destemidos soldados saltavam das barcaças numa praia bombardeada, metralhada e cheia de obstáculos ao avanço. O arame farpado estava por toda parte, em imensos rolos.
Vi-me remetido ao ano de 1944, na sexta-feira. Caminhava tranqüilamente, quando me deparei com a casa da Viúva Gustav. A casa não chama a atenção, confundindo-se com as outras, ao redor. Aliás, a casa desaparece por detrás da cerca. Chamar aquilo de cerca é diminuí-la. Trata-se de um sistema de defesa. É o mínimo que se pode dizer sobre aquele complexo de armadilhas e proteções. Se os alemães contassem com um sistema desses, na Normandia, o Dia D seria o Dia F – de fracasso. A primeira linha de defesa consiste de bueiros e caixas de inspeção sem tampas, no passeio. Impedidos de entrar no pátio da Viúva Gustav, as tropas aliadas ao alheio levaram as tampas de ferro fundido, que foram fundidas por amigos dos amigos do alheio. Restaram buracos preenchidos com lixo urbano, como copos e garrafas plásticas, placas de trânsito quebradas, areia, papéis e outras coisas.
Se alguém conseguir superar a linha de frente, deparar-se-á com a grade de ferro. Os mais ousados pensarão em passar sobre ela, apesar das pontas afiadas. Triste ilusão. As pontas de ferro já não têm mais utilidade, pois sobre elas instalaram o rolo de arame farpado. Não é um arame farpado qualquer, como aqueles utilizados pelas tropas alemãs na Normandia. É um arame grosso, cheio de pontas que prometem fazer um estrago danado em quem se dispuser a atravessá-las. Cortá-lo, quem sabe? Sim, desde que consigam evitar a cerca elétrica que passa pelo meio dele. As placas indicando o perigo desanimam.
A Viúva Gustav reluta em aceitar o novo serviço oferecido pela consultoria em segurança. Estão alugando personal soldiers of fortune – mercenários pessoais. Além de caro, o serviço exige fornecimento de alimentação, armamento, munição, uniformes de combate e pompas fúnebres, aos tombados em combate. A pensão da Viúva Gustav só lhe permite manter o Chuck, fruto de um violento relacionamento amoroso entre a pit bull Mimosa e o mastim napolitano Piupiu. Chuck anda de um lado para o outro da cerca, esperando que algo ou alguém caia para dentro. Noutro dia ele devorou um pneu velho, jogado pela molecada, antes de descobrir que não era comestível. Porém, deliciou-se com as piranhas alugadas, do fosso ao lado da cerca. Chegou a acontecer um clima de indecisão quanto a quem estaria no topo da cadeia alimentar, mas Chuck acabou descobrindo que era ele. Pena que terminaram em apenas um dia, pois eram bem gostosas.
Os filhos da Viúva Gustav tentaram tirá-la da casa para morar em um apartamento, hipoteticamente mais seguro. Se conseguirem entrar lá novamente, tentarão outra vez. Paciência, tempos de guerra são assim mesmo, diria o finado Gustav.
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Marcadores: cercas, Dia D, normandia, omaha beach, segurança
1 Comments:
Caro Heuser,
Por favor, dê uma conferida em Ainda a Mosca Azul.
[]
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