5.11.07

O extintor



Foto: Fabrício Samahá

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O extintor

Por Paulo Heuser


Às vezes passam-se anos antes que algum vigilante rodoviário nos peça os documentos do veículo. Então, sem aviso prévio, não param mais de nos parar. Tenho os atraído, sei lá por quê. Ou melhor, até sei. Foram três interceptações em duas semanas. Quem tripula um, sabe que os agentes da lei preferem os carros mais antigos, para virá-los ao avesso, na procura de algum item que não esteja conforme com a legislação de trânsito. Carros novos têm tudo em dia. Pisca para cá, pisca para lá, pisa no pedal do freio, acende faróis, luzes de placas, limpadores de pára-brisas, nada escapa deles. Porém, há um elemento insidiosamente oculto que poderá trair os mais desavisados. É o elemento oculto, também conhecido como extintor de incêndio. Oculto, porque fica acondicionado nos sítios mais inimagináveis, ou menos imagináveis, dos veículos. Responda sem pensar, onde está o seu? Caso souber, qual é a validade dele? Sim, extintores têm prazo de validade, como os litros de leite peróxidos-alcalinos e, por que não dizer, nós mesmos. Neste caso, a ordem é a inversa. Estamos visíveis. Porém, nosso prazo de validade fica oculto, apenas previsível. E aí, as aparências enganam, graças às recauchutadas que se tornam cada vez mais comuns, financiadas em 12 vezes sem entrada. Lipoaspire e corte agora, pague depois. Se o que foi levantado cair antes do último pagamento, há desconto nas prestações vincendas.

Há uma certa polêmica quanto à utilidade dos extintores de incêndio dos automóveis. Pessoalmente, tenho opinião formada. Prefiro sair correndo, deixando o caso para os bombeiros e para a seguradora, ambos com larga experiência em sinistros. Não considero prudente ler o manual do carro, durante o evento, para descobrir onde esconderam o extintor.

Desde que um diligente agente descobriu que o lacre do extintor do meu carro velho havia sido hipoteticamente rompido, tomo cuidado redobrado. Não que eu tenha um carro velho. Tenho dois. Portanto, tenho redobrado empenho em cuidar dos extintores, mesmo que desconheça suas localizações. O Princípio da Incerteza de Werner Heisenberg (1901-1976), Nobel de Física de 1932, mostra que é impossível determinar tanto a velocidade como a posição do extintor, em um determinado instante. Contudo, há uma probabilidade de que o extintor esteja instalado sob um dos assentos dianteiros do carro. Alguns patrulheiros chegam a dar palpites, como: - É um tubo vermelho.

Descobri uma forma para nunca me pegarem de calças curtas. Ou, pelo menos, sem o extintor na validade. Presenteio-me com dois extintores de incêndio, a cada aniversário. Deixo-os à mão. Faço como fiz no sábado. Vinha lá pela RS-4-qualquer coisa quando um agente me parou. Antes que conseguisse abrir a boca, alcancei-lhe o extintor. Coitado, o homem ficou desolado. Seu lábio inferior caiu perceptivelmente. Pensei que iria chorar.

Há um novo tipo de extintor, bem mais caro, fornecido pelo parente de alguém que chegou a conclusão de que seria muito mais eficiente, caso fosse encontrado, caso o motorista não saísse correndo na hora do sinistro. Houve também a época do ridículo kit de primeiros socorros, também fornecido pelo parente de alguém. Depois que alguém já havia vendido todo o estoque, a obrigatoriedade caiu, inexplicavelmente, pois alguém julgou desnecessário tê-los. Noutro dia comentavam que poderia ser interessante a obrigatoriedade de conduzirem um kit de talas para imobilização dos membros dos animais eventualmente atropelados, do pardal ao elefante. Com prazo de validade, naturalmente.

Deveríamos ostentar nosso prazo de validade, como fazem os extintores. Chega o momento na vida em que os planos de saúde e as seguradoras passam a nos olhar de modo diferente. Querem ver o extintor. De nada adianta sair correndo ou retocar a aparência. Eles querem verificar se estamos na validade. E se o lacre for rompido?


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2 Comments:

At quinta-feira, 08 novembro, 2007, Blogger José Elesbán said...

A respeito das recauchutadas, passando pela rua Uruguai, vi um lugar em que os prazos são mais generosos do que apenas 12 meses para financiá-la.
[]

 
At quinta-feira, 08 novembro, 2007, Blogger Paulo Roberto Heuser said...

:)

 

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