30.10.07

Aipode


Foto: Wikipedia
Aipode

Por Paulo Heuser


Acredito piamente na evolução do homem, em tese. Há horas em que Charles Darwin – pai do evolucionismo – nos parece um idiota, graças às idiotices que o homem comete durante sua evolução. Faz parte do processo, com certeza. É caindo que se aprende, etc e tal.

Houve época em que o homem se distraía em guerras, conquistas, caçadas e outras atividades lúdicas, geralmente ao ar livre, em contato direto com o ambiente. Sujeitos de aparência saudável e vida curta. Então inventaram o teatro, forma de diversão mais segura, também mais monótona, porém distraía nas horas vagas, entre uma batalha e outra. Guerras deixaram de ser distração, passaram a modo de ganhar o pão de cada dia, após a invenção das padarias.

Os nobres passaram a ouvir música de orquestras, quartetos e outros etos. Com a música, veio a dança. Veio o rádio. A palavra foi levada aos mais distantes grotões. Famílias reuniam-se ao redor da maravilhosa caixa falante para ouvirem música e as novidades que corriam mundo. Do cinema e da televisão, desnecessário falar. Cinema é programa para dois. Há toda aquele atmosfera de aconchego, escurinho e centenas de pessoas comendo pipocas e abrindo latas. Ah, esqueci os celulares tocando. A televisão é mais democrática, permite qualquer coisa, por parte dos espectadores. Pipocas, cerveja, churrasco, vatapá, mocotó, cueca-virada e buchada de bode. O limite é a parede do vizinho.

A evolução tornou o homem mais individualista. Das atividades de lazer coletivas, evolui em direção ao individualismo. Prova disso é o tal de tocador de mp3, mp4, etc - os aipodes. É um aparelhinho para autistas, evolução dos radinhos de pilha, as populares caixas de abêia. O aipode não tem alto-falante. Só ouve quem tem fone – os brancos são mais cobiçados, pois denunciam em eventual iPod verdadeiro. A invenção do aipode é uma desgraça ainda maior do que a invenção da pipoca no cinema. Tenho a opção de não ir mais ao cinema. Porém, dos aipodes não posso fugir. Estão por toda parte. Chego ao balcão de informações e cumprimento com um sonoro bom-dia a pessoa que está sentada ouvindo alguma coisa no aipode. A resposta que recebo é: - Hein? Por toda parte há gente usando aipodes, enquanto ignoram telefones que tocam, não dão licença para quem pede e obrigam quem não usa aipodes a repetir todo início de conversação.

Faz algum tempo, observo pessoas que ficam sentadas de olhos fechados enquanto ouvem seus aipodes. Perecem dormir. Não acredito que isso possa ser uma evolução. Pode até ser, para os fabricantes daquelas caixinhas, mas para o homem, nunca. Creio que as engenhocas em geral têm bestificado o homem. O próximo passo poderá ser o aipode sem fio, implantado diretamente no cérebro. Aquelas pessoas que parecem dormir podem estar esperando um comando. Receio que os aipodes sejam apenas controles remotos dos Tamagoshis em que nos transformaram.

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