12.11.07

O rolha


Foto: Wikipedia
O Rolha

Por Paulo Heuser


As rolhas de cortiça vêm da casca do sobreiro, árvore da família do carvalho. O sobreiro deve crescer por 50 anos, para fornecer uma casca com a qual se possam fabricar as melhores rolhas, chamadas amadias. A partir de então, a cada dez anos, a árvore regenera toda a casca, permitindo novas extrações. Os primeiros relatos a respeito da utilização das rolhas para vedação de recipientes originam-se no século I a.C., em Éfeso, Mar Jônico. No século 17, Dom Pierre Pérignon (1638-1715), monge beneditino e tesoureiro da Abadia de Hautvilliers, próxima a Épernay, na região de Champagne, França, criou o vinho espumante que levou o nome da região. Ainda nesse século, o formidável cientista experimental britânico Robert Hooke (1635-1703), da Universidade de Oxford, Inglaterra, publicou, entre outras coisas, um artigo no qual descreveu a célula de cortiça ao microscópio, de sua invenção.

O sobreiro é árvore nativa da Península Ibérica. Portugal concentra aproximadamente 50% da produção mundial de cortiça, em 700 mil hectares de plantações, dividindo-se o resto entre a Espanha e outros países de menor expressão. A partir do século 19 o uso da rolha de cortiça difundiu-se de tal forma que, além dos países ibéricos, França, Itália e Tunísia passaram a plantar e explorar a casca do sobreiro. Mais recentemente, Rússia e EUA também iniciaram o plantio da árvore.

Fico a imaginar como se abriam as garrafas, fechadas com rolhas, antes da invenção do saca-rolha. A solução deve ter passado pela quebra do gargalo. É de se supor que o saca-rolha foi inventado por alguém que queria reaproveitar a ânfora. Dom Pérignon inovou, ao inventar um vinho que dispensava o saca-rolha. Pelo contrário, alguém inventou o segura-rolha, aquele arame que cobre as rolhas das garrafas do champanha.

Hoje a rolha está por toda a parte. Bem como os rolhas. As rolhas vedam garrafas. Os rolhas vedam o acesso aos elevadores e outros locais, alguns bem maiores. O rolha de elevador é a pessoa que descerá por último, mas fica trancando a porta do elevador, impedindo a entrada e a saída. Para facilitar sua ação de fechamento, e dificultar a entrada e a saída dos demais, o rolha vem equipado com mochilas, contendo ou não notebooks, volumosas sacolas de compras, guarda-chuvas semi-abertos e, por que não, lanches. O rolha não olha para trás, parado de frente para a porta, feito piloto italiano que não usa espelho retrovisor – só lhe interessa o que há pela frente. As rolhas são naturalmente surdas. De nada adianta lhes gritar para que saltem das garrafas. Assim também são os rolhas. Surdos, não ouvem os pedidos para que dêem licença a quem quer entrar ou sair do elevador.

Não se sabe exatamente onde e quando surgiram os primeiros rolhas. Há relatos muito antigos, dos fenícios e dos romanos, que narram episódios que sugerem a criação dos primeiros rolhas. Um tal de Salomão escreveu sobre alguns sujeitos que trancavam o embarque nas galeras, aparentemente resistindo ao alistamento para agentes de propulsão dos barcos. Da época da inauguração do Coliseu de Roma vêm os relatos de um sujeito chamado Vespasiano, que descreveu os problemas criados por alguns personagens dos shows, ao trancarem a entrada da arena. Carregavam sacos de ração para leões, espadas, lanças e outras tralhas, impedindo o acesso dos mais afoitos.

Os rolhas - talvez por não encontrarem elevadores suficientes - espalharam-se por outros ambientes, como os bufês de comida. Os autênticos rolhas de bufê são aqueles que sofrem de alguma doença que gera tremedeira compulsiva e tentam servir-se de tomate-cereja usando o garfo, sem perfurá-los, naturalmente. Nos supermercados surgiram os rolhas de corredor e os rolhas de caixa, que se esquecem de pesar a cabeça de alho e resolvem buscar o sorvete, do qual se esqueceram, do outro lado do gigamega-hiper-supermercado, a três quilômetros de distância. Os rolhas também se destacam nos eventos onde há algum tipo de recepção a convidados. Ficam proseando na entrada, relembrando os tempos do jardim de infância dos homenageados que festejam bodas de diamante. Nas festas de casamento, trancam a entrada na recepção, enquanto contam ao noivo as picantes aventuras que viveram, com a noiva dele, nos tempos de colégio.

O alto preço das rolhas de cortiça tem provocado mudanças nas garrafas de vinhos e espumantes não tão sofisticados. Até na França, nota-se o uso das rolhas sintéticas, nas garrafas de vinho que custam até 10 euros (R$ 26,00) nos supermercados. Aí se incluem vinhos bem razoáveis da Borgonha e de Bordô, sem grandes pretensões, porém honestos. Os especialistas torcem o nariz para essas rolhas sintéticas. Sei lá, prefiro um bom vinho com rolha sintética a um vinho ruim com rolha de cortiça natural. Concordo que fica um pouco estranho na hora de se cheirar a rolha, no restaurante. Poderemos encontrar traços fenólicos e de poliésteres?

Das rolhas sintéticas, pouco sabemos. Melhor não cheirá-las. O que dizer dos rolhas sintéticos, então? Os rolhas sintéticos não são necessariamente pessoas. Podem ser aqueles telesserviços atendidos pelas infernais máquinas de auto-atendimento. Quando – e se - finalmente atendidos, nos deparamos com avatares, cuja autonomia decisória se aproxima daquela do sobreiro. Apenas vedam o acesso aos serviços.

Aviso aos estudantes que porventura caíram neste texto, após pesquisa através do Google: Procurem uma enciclopédia decente!


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