A classe média IV - Cultura
A classe média IV – Cultura
Por Paulo Heuser
O telefone tocou, no Bar, Armazém e Borracharia 12 Irmãos. Tocou meio fanho, pois as aranhas haviam construído teias ao redor da campainha. O oitavo dos 12 irmãos atendeu, passando ao sétimo, o Prefeito.
Por Paulo Heuser
O telefone tocou, no Bar, Armazém e Borracharia 12 Irmãos. Tocou meio fanho, pois as aranhas haviam construído teias ao redor da campainha. O oitavo dos 12 irmãos atendeu, passando ao sétimo, o Prefeito.
- É para você!
- Quem é?
- Não sei, não entendi nada...
- Então, como sabe que é para mim?
- Por isso mesmo, quando ligam do Governo, nunca se entende.
- Como você sabe que é do Governo, se não se entende?
- De quem mais seria? Eles são os únicos que ainda tentam arrancar alguma coisa daqui. Os vendedores já desistiram, por causa da estrada. Aquele Estranho do Governo nunca mais voltou.
- Alô? – disse o sétimo
- Schhhhhhhbzzzzzziiiiióóóóó...
- Alôô!!!! – gritou o sétimo
- Mais schhhhhhhbzzzzzziiiiióóóóó entremeado com zóinzóinzóins. – sons que pareciam inspirados no original da Guerra dos Mundos (1953) de H.G. Wells.
- Droga, vou desligar! – desistiu o sétimo.
- Ih, vem estranho por aí. Estranho maiúsculo (do Governo), pelo visto. – disse o oitavo.
- Como você sabe? – o sétimo parecia intrigado.
- Da outra vez, também tentaram telefonar. Como não conseguiram, mandaram aquele Estranho do leite.
- É, você tem razão. Vou deixar o Linoberto de sobreaviso.
- Quem é?
- Não sei, não entendi nada...
- Então, como sabe que é para mim?
- Por isso mesmo, quando ligam do Governo, nunca se entende.
- Como você sabe que é do Governo, se não se entende?
- De quem mais seria? Eles são os únicos que ainda tentam arrancar alguma coisa daqui. Os vendedores já desistiram, por causa da estrada. Aquele Estranho do Governo nunca mais voltou.
- Alô? – disse o sétimo
- Schhhhhhhbzzzzzziiiiióóóóó...
- Alôô!!!! – gritou o sétimo
- Mais schhhhhhhbzzzzzziiiiióóóóó entremeado com zóinzóinzóins. – sons que pareciam inspirados no original da Guerra dos Mundos (1953) de H.G. Wells.
- Droga, vou desligar! – desistiu o sétimo.
- Ih, vem estranho por aí. Estranho maiúsculo (do Governo), pelo visto. – disse o oitavo.
- Como você sabe? – o sétimo parecia intrigado.
- Da outra vez, também tentaram telefonar. Como não conseguiram, mandaram aquele Estranho do leite.
- É, você tem razão. Vou deixar o Linoberto de sobreaviso.
Ninguém estranhou a chegada do Estranho. O mesmo da outra vez, que foi direto à casa do Linoberto. Maria o recebeu, enquanto mandava o cunhado procurá-lo na roça. Naquele dia, Linoberto beberia da “boa” em casa. Ele cumprimentou o Estranho, preocupado com a possibilidade de haver algum problema com o leite.
- Algum problema com o leite de caixinha? – perguntou Linoberto.
- Não, não! Aquilo é página virada. O que me traz hoje aqui é a cultura.
- Ué, você não trabalhava com saúde?
- Também, porém minha ONG assumiu outro contrato com o Governo, na área da cultura. – respondeu-lhe o Estranho.
- Aceita um gole da “boa”?
- Não, melhor não. Mas fique à vontade. – A boca do Estranho contorceu-se, estranhamente.
- Pode falar. – Linoberto era todo ouvidos.
- Trago uma boa nova! O Governo está liberando uma verba substancial para a preservação da cultura. – o Estranho parecia entusiasmado.
- Isto é muito bom! – afirmou Linoberto.
- Basta que enquadremos seu município em uma das três classes de cultura. Para isso que estou aqui. Vocês se enquadrariam melhor como situacionistas, tucanos ou alienígenas?
- Bem, vivemos do lado de cá do cinamomo. – Linoberto ficou confuso.
- Mas, aqui não há cultura!
- Como não há? – Linoberto pareceu ainda mais confuso, lembrando-se da Festa do Terneiro Ensebado.
Estranhamente, e já crescido, o terneiro mugiu.
- Vocês aderiram ao Operário, ao Lorde da Sorbonne ou ao Gabeira?
- Ah, nenhum deles.
- Como? – o Estranho parecia perplexo.
- Nós temos a festa da igreja e a do Terneiro Ensebado.
- Bem, temos que enquadrá-los em um dos três grupos. – disse o Estranho.
- Já sei, Besta lex, sed lex! – A lei é besta, mas é a lei! – Linoberto sacudia a cabeça.
- Sim, não há como deixar de enquadrá-los em alguma das culturas previstas em lei, nem a possibilidade de não haver ninguém que se enquadre em alguma delas, por mais recursivo que esse raciocínio possa parecer.
- Já sei, Besta lex,.. – disse Linoberto. O Estranho apenas acenou afirmativamente.
- Há uma remota possibilidade, introduzida por um destaque de última hora. Posso tentar enquadrá-los nas minorias oprimidas, nas quais podem ser incluídas novas classes, desde que realmente e comprovadamente oprimidas.
- Oprimidas por quem?
- Isso não é relevante, basta serem oprimidos por alguém. – respondeu-lhe o Estranho.
- Bem, então está resolvido! – afirmou Linoberto, abrindo um grande sorriso.
O Estranho partiu, de cara meio amarrada. Maria veio sentar-se ao lado do marido, pousando sua mão sobre a dele.
- E aí, Lino? O que foi, desta vez?
- Eles queriam implantar aqui as culturas do outro lado do cinamomo.
- Queriam mudar a quermesse, Lino?
- Queriam, mas não conseguiram. Nos enquadrei numa nova espécie de minoria cultural.
- Qual foi, Lino?
- Bem, criamos uma minoria dos Oprimidos Pela União.
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